04.01.18
25 - Modelismo Naval 7.1 - "Cutty Sark" 1
marearte
Caros amigos
Publiquei neste blogue, no ano de 2015, um conjunto de cinco posts com os números 16, 17, 18, 19 e 20 sob título - “Modelismo Naval 4 – Os Fabulosos Clipper’s da China” - que abordavam uma coleção de pratos em faiança, adquirida em 1990 nas edições Philae, onde figuram 9 clipper’s (num dos pratos são representados dois clipper’s) pintados à mão por Martim Lapa, mestre pintor português.
Nestes clipper’s – que também são conhecidos pelos "Clipper’s do Chá", "Clipper’s do Ópio" e "Clipper’s Negreiros" – já que ao longo da sua vida útil serviram para transporte destes “produtos”, entre outros – não foi incluído o emblemático “Cutty Sark” por razões que desconheço.
Na altura tinha iniciado a construção de um modelo do “Cutty Sark”, com planos dinamarqueses da “Billing Boats”, que se arrastou por todo o ano de 2016 e pelo de 2017 e só terminou há aproximadamente três meses.
Naturalmente que não me dediquei a tempo inteiro à construção deste modelo. Desenvolvi outros projetos em simultâneo, uns que já foram terminados, outros que ainda continuam. Mas a parte final do projeto, a montagem das velas e dos aparelhos fixos e de manobra, além de ser de uma certa complexidade - apesar dos planos das moradas dos cabos serem impecáveis - foi bastante monótona e repetitiva o que me levou, por falta de paciência e cansaço, a dedicar pouco tempo ao final do projeto. Com vários empurrões, por fim acabou!
Nos três posts que irei apresentar, este e os dois seguintes, irei abordar o “Cutty Sark” em três perspetivas, a saber:
- Num primeiro, o “clipper” real na caracterização técnica da construção;
- Num segundo, o “clipper” real na sua história;
- Num terceiro, o modelo que construí.
“Cutty Sark” - o Navio
Cutty Sark – Greenwich - 1994
Visitei o “Cutty Sark” em Agosto de 1994, ainda na versão anterior ao incêndio de 21 de Maio de 2007 e ao mais recente de 25 de Abril de 2012 que levou à sua restauração tendo ficado com o aspeto que hoje apresenta na doca seca de Greenwich na Inglaterra.
Cutty Sark – Greenwich - 2015
O imaginário skipper do “Cutty Sark” em 1994
Ali, bem perto da doca seca, situa-se o “Museu Marítimo da Grã Bretanha”, conhecido pela qualidade da sua coleção de modelos de arsenal históricos antigos bem como de astrolábios e de outros apetrechos ligados à navegação marítima que, como não podia deixar de ser, foi percorrido atenciosamente e analisado em todos os seus pormenores, tendo descoberto que existia uma vitrina onde se encontram expostos, com algum destaque, modelos de barcos típicos portugueses.
O “National Maritime Museum” em Greenwich…
…e os modelos de alguns BarcosTípicos Portugueses
No sentido dos ponteiros do relógio: Muleta do Seixal, Falua, uma senhora toda risonha, Barco de Pesca de Mira? ou Vieira de Leiria? e Barco Rabelo
Pelo caminho, entre a doca seca e o museu, aproveitou-se para subir a colina que leva ao “Observatório Astronómico” e pôr um pé no Oeste e outro no Este no “Meridiano de Greenwich”.
No “Meridiano de Greenwich”
Um pé de um lado e um do outro
O “Cutty Sark” foi construído em 1869 pela firma “Scott & Linton”, formada no ano anterior pelos jovens desenhadores Hercules Linton (1836-1900) e William Scott (1847-?), com estaleiro no rio “Leven” em “Dumbarton” - num local onde anteriormente se encontrava a firma de construtores navais “William Denny & Brothers” – para John “Jock” Willis, o proprietário de uma companhia de transportes marítimos fundada pelo seu pai que tinha uma frota de “clippers” que regularmente faziam o transporte de chá da China para a Grã-Bretanha.
A popa de linhas redondas foi uma das principais características dos clippers em claro contraste com os desenhos que tinham imperado até aí. A ideia tinha uma base hidrodinâmica empírica: facilitar a expulsão suave da água depois de atravessar as finas linhas do casco.
Em plena altura da “Corrida do Chá” - competição que envolvia diferentes “clipper’s” durante a viagem da China para a Grã-Bretanha e que trazia, para a equipagem vencedora, prémios pecuniários tentadores e para o (s) proprietário (s) vencedor (es) prestígio e o ganho em apostas efetuadas durante a competição (para mais informação sobre a “corrida” e o transporte do chá consulte os posts 16, 17, 18, 19 e 20 deste blogue) – o desenho deste veleiro acarretou o estudo de outros modelos existentes na companhia, quer de matriz Inglesa quer de matriz Americana e de outros no estrangeiro, tendo a escolha recaído sobre o “Thermopylae” construído em “Aberdeen” na Escócia, nos estaleiros de Walter Hood & Co., que tinha sido lançado à água no ano anterior a 19 de Agosto e que tinha estabelecido um recorde de 61 dias de porto a porto na viagem inaugural de Londres a Melbourne na Austrália.
O rival do "Cutty Sark" - O "Thermopylae"
Foi precisamente o proprietário do “Thermopylae”, George Thompson que desafiou John “Jock” Willis assegurando que o “Thermopylae” era o clipper mais rápido jamais construído.
A bitácula do “Cutty Sark sob a retranca da mezena na coberta
O “arquiteto” do projeto foi Hercules Linton, não sendo bem claro como foi escolhido o formato do casco. Sabe-se que envolveu a compra por Willis de dois navios – o “Tweed” uma fragata francesa e um outro – e que foi com base no “Tweed” – que serviu de modelo em tamanho real e que foi transformado através do alongamento do casco – que Línton efetuou diversas modificações em todo o navio e ajustamentos na popa e na proa, já que o navio tinha ficado demasiado grande e bojudo para o efeito de ser um vencedor de corridas do chá.
As linhas do casco do “Cutty Sark”
A relação meia-nau/boca nos Paquetes da época era de 4:1, com a proa arredondada e a popa retangular. Nos Clippers, esta relação era de 5 ou 6:1 e tanto a proa como a popa eram aguçadas
O contrato para a construção do “Cutty Sark” foi assinado em 1 de Fevereiro de 1869 com a firma “Scott & Linton” e exigia que o navio fosse construído num prazo de seis meses a um custo de 17£ por tonelada e um peso máximo de 950 toneladas. As normas de construção do navio deveriam ser “Lloyd’s A1” (A mais alta classificação da Lloyd’s indicando a letra A que o casco do navio é de 1ª classe e o número 1 que os restantes apetrechos estão em conformidade; por outras palavras, que o navio é navegável quer interior quer exteriormente) e a supervisão da construção em nome do proprietário seria feita pelo capitão George Moodie que estava indicado para o seu comando.
O registo da “Lloyd’s” no casco do “Cutty Sark”
O trabalho de construção sofreu uma interrupção devido ao estaleiro ter ficado sem dinheiro para os pagamentos da mão-de-obra tendo esses pagamentos sido assegurados pela firma de construtores navais “William Denny & Brothers” (os anteriores donos do espaço do estaleiro) que completou o navio. O navio foi lançado em 22 de Novembro de 1869 pela esposa do capitão Moodie, mastreado posteriormente e rebocado para Greenock onde foi instalado o restante equipamento.
O “Cutty Sark” visto pela popa. Podem-se observar os diferentes mastros com o respetivo aparelho, sendo bem visível o mastro da mezena com a respetiva carangueja e retranca.
Basicamente, as obras mortas do navio foram construídas de Teca Indiana e as obras vivas de Olmo Americano tendo sido aplicado também outro tipo de madeiras tais como Pinheiro Amarelo, Carvalho Inglês e outras.
O casco foi recoberto por chapa de cobre até à linha de flutuação com o fim de defender a madeira dos ataques do “teredo” que proliferara nos mares tropicais.
A quilha foi substituída na década de 1920 por uma de Pinheiro.
O mastro do gurupés
Os clippers como o "Cutty Sark", são classificados como "Extreme Clippers". Eram navios muito rápidos que sacrificavam a capacidade de carga à velocidade o que lhes possibilitava viagens de longo curso em pouco tempo em relação á época, especialmente adaptados para o transporte a longas distâncias de produtos mais perecíveis.
O “Cutty Sark” visto pela amura de bombordo. É de salientar as proporções colossais das vergas em relação aos mastros
No entanto, encontram-se clippers deste tipo no transporte de todo o tipo de mercadorias além do chá (lã, carvão, nitratos, etc) bem como de passageiros nomeadamente de imigrantes, para a Austrália por exemplo. O primeiro "Extreme Clipper" a ser construído foi desenhado por John W. Griffeths da firma Howland & Aspinwall de Nova Iorque tendo sido iniciada a sua construção em 1843 e sido lançado á água em Janeiro de 1845.
A base do Mastro Grande, que media mais de 47 metros de altura e o sarilho para manobra dos cabos que estão aduchados nas mesas de malaguetas.
Na época dos "Extreme Clippers" foi aperfeiçoada a técnica, já existente desde os anos 20, dos "composite ship" construídos com base numa estrutura de ferro forjado - principalmente as balizas - e recobertos a madeira, quilha incluída, tendo atingido a sua maturidade em 1843 com o SS Great Britain. Este tipo de construção subsistiu até á data da abertura do Canal do Suez em 1869. As ligações das madeiras à estrutura de ferro forjado eram efetuadas com parafusos de liga “Muntz” (latão) que podiam ser usados para qualquer finalidade para a qual o cobre fosse utilizado, e a indústria naval aceitou esta liga mais do que qualquer outra. Em 1800, o metal ganhou popularidade como uma alternativa mais barata ao cobre para o revestimento de cascos de barcos.
O método de construção do casco foi o de “Composite Ship”
“Cutty Sark” – Greenwich - 1977
Depois de pronto o “Cutty Sark” tinha as seguintes medidas e tonelagem:
- Comprimento – 64,8m ou 64,6m (212ft 6in)
- Boca – 11m (36ft)
- Calado – 6,4m (21ft)
- Tonelagem – 2001T
- Deslocamento – 963grt (Tonelagem Bruta de Registo)
- Capacidade de carga – 1.300.000Lb (589.670kg) de chá.
- Comprimento total do cordame (aparelho fixo e de laborar - enxárcia) - 11 nMi (20.38502km)
- Total de velas do aparelho - 34 (equivalente a 10 campos de ténis)
- Velocidade de ponta - 17,5 nós (32.43072km) - (equivalente à de um barco a vopor da época de 3.000 cavalos de potência).
Esquema básico das velas de um clipper nos mastros do Traquete e Real (com vento fraco)
(continua)
Um abraço e...
Bom Ano e bons ventos.