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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

27.12.18

4 - Modelismo Naval 1 - O Galeão S. João Baptista


marearte

Caros amigos

 

 

 

O meu avô por parte do meu pai era, segundo rezam os anais da minha família, construtor naval na Nazaré. Não o conheci. No entanto esta parte da história não deve estar bem contada já que penso que era carpinteiro naval e o construtor naval é um eufemísmo. Pelos anos 20 do século passado resolveu "emigrar" para Boston, nos States. Nunca mais disse nada nem voltou. Deixou à minha avò Elvira - que eu conheci - a tarefa de criar quatro filhos (eram cinco, mas um faleceu), com óbvias dificuldades. O meu pai, um nazareno de gema, contava histórias de sobrevivência da família "exemplares".

 

O assunto "avô" sempre foi tabú na família. O meu tio e padrinho, que foi figura grada na Nazaré - Presidente da Câmara, da Casa dos Pescadores, dos Bombeiros Voluntários, dono do Casino da Nazaré, estão a ver? - apesar de em determinada altura ter investigado o paradeiro do pai, nunca se descoseu por uma questão, como dizem na Nazaré, de "cagança". Era assunto que nunca se abordava. Faz de conta que tinha morrido e a minha avó era viúva. Qual é o segredo?

 

Pelo que me foi dado a saber ou melhor, pelo que intuí por conversas soltas sigilosas dentro da família, o meu avô continuou a trabalhar na construção de barcos, possivelmente desta vez baleeiros - já que se tratava de Boston, à época a grande base naval da frota baleeira norte americana - e terá constituído uma nova família. Tenho pena de nunca ter tido tempo para aprofundar este assunto. Chamo a atenção para o facto de Boston já ter recebido nessa época uma forte corrente imigratória dos Açores o que me leva a especular, sem estar muito longe dessa possibilidade, que a família que o meu avô constituiu, poderá ter sido possivelmete com uma parceira feminina açoriana.

 

Portanto temos um avô ligado à construção naval como carpinteiro naval, a viver em Boston, a ajudar a construír veleiros baleeiros, casado com uma açoriana e possivelmente com descendência masculina.

 

Durante a minha vida profissional viajei dezenas de vezes para os Açores, tendo permanecido  em todas as ilhas do arquipélago com excepção do Corvo onde só fui uma vez durante uma permanência nas Flores. Isto levou a que adquirisse certos tiques de ilhéu entre eles, a permanente saudade do mar mesmo estando perto.  Na minha segunda viagem ao Pico, visitei  o Museu dos Baleeiros nas Lajes do Pico.

 

Durante a visita, dirigi-me à biblioteca onde me entretive a consultar uma série de documentação sobre a caça ao cachalote nos Açores, assunto que sempre me interessou - a grande saga da "Moby Dick" do Melville - e que, apesar de defensor da natureza, sempre considerei com o devido distanciamente histórico como heróico. Quando resolvi terminar a minha pesquisa por aquele dia e me virei para saír reparei que, por cima da porta de entrada da biblioteca - neste caso de saída - existia, e penso que ainda existe, uma fotografia que, vista à distância , me parecia de alguém que me era familiar.

 

 

 

 

Aproximei-me melhor e vi a fotografia dum homem, de cara magra, de nariz afilado e de pera farfalhuda e que dava ares do meu pai que usava barba completa embora não tão farfalhuda. Não era possível que fosse o meu pai ou melhor, era muito improvável.

 

Fiquei intrigado. A fotografia tinha uma legenda mas como estava por cima da ombreira da porta  não conseguia lê-la. Fui buscar uma cadeira e empoleirei-me nela.  Era a fotografia dum comandante baleeiro de Boston que se chamava não me recordo bem mas penso que era John, tinha mais dois nomes de que também não me recordo - e... Fidalgo, que é o meu nome de família do lado do meu pai!

 

A agitação que provoquei com o arrastar da cadeira e o "empoleiramento" chamou a atenção da responsável do museu que veio saber o que se passava. Depois de a pôr a par do que se passava, a senhora contou-me a história daquele comandante norte americano que tinha raptado a namorada açoriana nas Lages do Pico por volta dos anos 50 e tinha cometido um feito qualquer com o baleeiro que, embora me recorde mal, parece que foi o de entrar no porto das Lages do Pico com o baleeiro, coisa que me custou a acreditar pois o porto das Lages do Pico é tão estreito e de fundo baixo rochoso que acostar ao cais um escaler já é obra.

 

Sei que existem familiares dele no Pico mas, lamentávelmente, nunca me foi possível chegar à fala com eles, ou porque não estavam ou porque eu não tinha tempo.

 

Especulando - Seria filho do meu avô? Seria meu tio?

 

Assim, temos um comandante baleeiro norte americano, da praça de Boston, de nome Fidalgo que raptou e casou com uma açoriana com uma idade aproximada de 30 anos.

 

Penso que nunca saberei a verdade sobre estes laços familiares por parte do meu avô! No entanto toda esta história, embora muito especulativa, faz-me perceber a minha própria história que me empurra para tudo o que se ligue ao mar. A minha ascendência da parte do meu pai - e até por parte da minha mãe que tem raízes na Holanda - faz-me entender o prazer que sinto em trabalhar madeira, a beleza que admiro nas linhas dum veleiro, a profunda compreensão pela vida do mar.

 

E como não posso construír grandes veleiros, grandes caravelas, grandes naus, grandes galeões, construo as suas réplicas e navego nelas como os antigos marinheiros da navegação à vela, usando os mesmos astrolábios, as mesmas cartas portulano, comendo o mesmo peixe salgado, a mesma bolacha podre e até, partilhando os mesmos medos. Possivelmente fui, noutra encarnação, carpinteiro naval a bordo de uma nau e, numa das viagens, fiquei na Índia nos estaleiros de Cochim ou de Goa!

 

 

  

 O modelo do Galeão Português S. João Baptista do séc. XVI

 

Este modelo estático que acabei de construír em 2006 também tem uma história. Originalmente era um Kit da Altaya (tenho de me lembrar de pedir uma participação pela publicidade) que fui comprando em partes e que guardava numa caixa (para montar quando tivesse tempo que era coisa que na altura não tinha), tendo falhado mais de metade das edições, ou porque me esquecia ou porque não estava cá. Mais tarde, quando tentei completar o kit já não consegui, tendo sómente conseguido uma fotocópia dos fascículos que me faltavam. O resultado foi ter ficado com os planos de montagem mas sem uma grande parte dos componentes o que me levou a desistir da construção. No entanto, fui tentando junto de outras lojas da especialidade adquirir os apetrechos que me faltavam (malaguetas, canhões, âncoras, etc.), o que fui conseguindo. 

 

Tendo em conta que as primeiras entregas foram compostas pela quilha e pelas cavernas o que permitiu determinar a escala e a proporcionalidade de outros componentes do galeão  e que noutras entregas vinha outro material que permitia também determinar a forma do que faltava consultando as fotografias dos planos, adquiri madeira e, com paciência, foi-me possível manufacturar os elementos em falta. Assim podemos dizer que este modelo é um híbrido entre um kit e um modelo geométrico. E o resultado é o que está documentado nas fotografias deste post.

 

As especificações do modelo são as seguintes:

 

  • Galeão do séc. XVI
  • Acabado de construír em 2006 
  • Escala aproximada - 1:100 
  • 24 peças de artilharia  - 8 no convés principal (4  a Bombordo+ 4 a Estibordo) e 16 no convés superior (7 a Bombordo + 7 a Estibordp + 2 na Popa)
  •  Expositor em mogno e cobertura em acrílico com: Comprimento - 97 cm X Largura - 39 cm X Altura - 77 cm 

 

Este modelo está à venda.  O preço? 

 

1.400,00 Euros (sem o expositor)

 

 

 

 Uma visita guiada:

 

 

 

  1 - O modelo no expositor com base em mogno e cobertura em acrilico

 

 2 - Amurada de bombordo

3 - Amurada de estibordo 

  

4 - Costado de bombordo - Popa

5 - Costado de bombordo - Centro

 6 - Costado de bombordo - Proa

7 - Costado de estibordo - Proa

 8 - Costado de estibordo - Centro

9 - Costado de estibordo - Popa

 10 - Escada de Portaló, Portinholas e peças abocadas a estibordo

11 - Esticadores das Enxárcias

 12 - Aparelho de fixação da âncora de bombordo

13 - Zona da cozinha e aparelho de fixação da âncora de estibordo

 14 - Pormenor do Castelo de popa

15 - Proa por bombordo

 16 - Proa por estibordo

17 - Varandim do castelo de popa

 18 - Zona da engrenagem do leme

19 - Alavanca de ligação do leme

20 - Pormenores da carga no porão

 

21 - Mastro do gurupés

  

22 - Mastro do traquete

 

23 - Mastro real

24 - Mastro da mezena

25 - Acesso do convés ao castelo de popa, casinha do leme e cabrestante das âncora

 

26 - Batel de serviço, peças e reparos do convés superior  e escotilha

27 - Castelo de popa

 28 - Castelo de proa, acesso ao gurupés e mesas de malaguetas

29 - Cesto da gávea do mastro real

30 - Escada de acesso ao convés do lado de bombordo

31 - Fogão

32 - Mesa de malaguetas do mastro da mezena

33 - Mesa de malaguetas do real, escotilha e cabrestante das âncoras

34 - Peças abocadas e escada do portaló - Estibordo

 35 - Pormenor do castelo de popa - estibordo

36 - Pormenor do castelo de popa - bombordo

37 - Porta do leme 

 

38 - Zona de manobra do mastro do traquete

39 - Vista de popa

 

 

 

40 - Vista de proa

 

Como os outros produtos apresentados neste blogue, quem estiver interessado(a) na aquisição do modelo basta entrar em contacto com

 

mareartenautilus@gmail.com

 

Até à próxima e bons ventos.

 

04.01.18

25 - Modelismo Naval 7.1 - "Cutty Sark" 1


marearte

 

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Caros amigos

 

Publiquei neste blogue, no ano de 2015, um conjunto de cinco posts com os números 16, 17, 18, 19 e 20 sob título - “Modelismo Naval 4 – Os Fabulosos Clipper’s da China” - que abordavam uma coleção de pratos em faiança, adquirida em 1990 nas edições Philae, onde figuram 9 clipper’s (num dos pratos são representados dois clipper’s) pintados à mão por Martim Lapa, mestre pintor português.

Nestes clipper’s – que também são conhecidos pelos "Clipper’s do Chá", "Clipper’s do Ópio" e "Clipper’s Negreiros" – já que ao longo da sua vida útil serviram para transporte destes “produtos”, entre outros – não foi incluído o emblemático “Cutty Sark” por razões que desconheço.

Na altura tinha iniciado a construção de um modelo do “Cutty Sark”, com planos dinamarqueses da “Billing Boats”, que se arrastou por todo o ano de 2016 e pelo de 2017 e só terminou há aproximadamente três meses.

Naturalmente que não me dediquei a tempo inteiro à construção deste modelo. Desenvolvi outros projetos em simultâneo, uns que já foram terminados, outros que ainda continuam. Mas a parte final do projeto, a montagem das velas e dos aparelhos fixos e de manobra, além de ser de uma certa complexidade - apesar dos planos das moradas dos cabos serem impecáveis - foi bastante monótona e repetitiva o que me levou, por falta de paciência e cansaço, a dedicar pouco tempo ao final do projeto. Com vários empurrões, por fim acabou!

Nos três posts que irei apresentar, este e os dois seguintes, irei abordar o “Cutty Sark” em três perspetivas, a saber:

  • Num primeiro, o “clipper” real na caracterização técnica da construção;
  • Num segundo, o “clipper” real na sua história;
  • Num terceiro, o modelo que construí.

“Cutty Sark” - o Navio

 

 Cutty Sark – Greenwich - 1994

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Visitei o “Cutty Sark” em Agosto de 1994, ainda na versão anterior ao incêndio de 21 de Maio de 2007 e ao mais recente de 25 de Abril de 2012 que levou à sua restauração tendo ficado com o aspeto que hoje apresenta na doca seca de Greenwich na Inglaterra.

 

  Cutty Sark – Greenwich - 2015

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O imaginário skipper do “Cutty Sark” em 1994

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Ali, bem perto da doca seca, situa-se o “Museu Marítimo da Grã Bretanha”, conhecido pela qualidade da sua coleção de modelos de arsenal históricos antigos bem como de astrolábios e de outros apetrechos ligados à navegação marítima que, como não podia deixar de ser, foi percorrido atenciosamente e analisado em todos os seus pormenores, tendo descoberto que existia uma vitrina onde se encontram expostos, com algum destaque, modelos de barcos típicos portugueses.

 

O “National Maritime Museum” em Greenwich…

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  …e os modelos de alguns BarcosTípicos Portugueses 

 No sentido dos ponteiros do relógio: Muleta do Seixal, Falua, uma senhora toda risonha, Barco de Pesca de Mira? ou Vieira de Leiria? e Barco Rabelo 

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Pelo caminho, entre a doca seca e o museu, aproveitou-se para subir a colina que leva ao “Observatório Astronómico” e pôr um pé no Oeste e outro no Este no “Meridiano de Greenwich”.

 

No “Meridiano de Greenwich”

Um pé de um lado e um do outro

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O “Cutty Sark” foi construído em 1869 pela firma “Scott & Linton”, formada no ano anterior pelos jovens desenhadores Hercules Linton (1836-1900) e William Scott (1847-?), com estaleiro no rio “Leven” em “Dumbarton” - num local onde anteriormente se encontrava a firma de construtores navais “William Denny & Brothers” – para John “Jock” Willis, o proprietário de uma companhia de transportes marítimos fundada pelo seu pai que tinha uma frota de “clippers” que regularmente faziam o transporte de chá da China para a Grã-Bretanha.

 

A popa de linhas redondas foi uma das principais características dos clippers em claro contraste com os desenhos que tinham imperado até aí. A ideia tinha uma base hidrodinâmica empírica: facilitar a expulsão suave da água depois de atravessar as finas linhas do casco.

 

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Em plena altura da “Corrida do Chá” - competição que envolvia diferentes “clipper’s” durante a viagem da China para a Grã-Bretanha e que trazia, para a equipagem vencedora, prémios pecuniários tentadores e para o (s) proprietário (s) vencedor (es) prestígio e o ganho em apostas efetuadas durante a competição (para mais informação sobre a “corrida” e o transporte do chá consulte os posts 16, 17, 18, 19 e 20 deste blogue)o desenho deste veleiro acarretou o estudo de outros modelos existentes na companhia, quer de matriz Inglesa quer de matriz Americana e de outros no estrangeiro, tendo a escolha recaído sobre o “Thermopylae” construído em “Aberdeen” na Escócia, nos estaleiros de Walter Hood & Co., que tinha sido lançado à água no ano anterior a 19 de Agosto e que tinha estabelecido um recorde de 61 dias de porto a porto na viagem inaugural de Londres a Melbourne na Austrália.

 

O rival do "Cutty Sark" - O "Thermopylae"

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 Foi precisamente o proprietário do “Thermopylae”, George Thompson que desafiou John “Jock” Willis assegurando que o “Thermopylae” era o clipper mais rápido jamais construído.

 

A bitácula do “Cutty Sark sob a retranca da mezena na coberta

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O “arquiteto” do projeto foi Hercules Linton, não sendo bem claro como foi escolhido o formato do casco. Sabe-se que envolveu a compra por Willis de dois navios – o “Tweed” uma fragata francesa e um outro – e que foi com base no “Tweed” – que serviu de modelo em tamanho real e que foi transformado através do alongamento do casco – que Línton efetuou diversas modificações em todo o navio e ajustamentos na popa e na proa, já que o navio tinha ficado demasiado grande e bojudo para o efeito de ser um vencedor de corridas do chá.

 

As linhas do casco do “Cutty Sark”

 

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A relação meia-nau/boca nos Paquetes da época era de 4:1, com a proa arredondada e a popa retangular. Nos Clippers, esta relação era de 5 ou 6:1 e tanto a proa como a popa eram aguçadas

 

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O contrato para a construção do “Cutty Sark” foi assinado em 1 de Fevereiro de 1869 com a firma “Scott & Linton” e exigia que o navio fosse construído num prazo de seis meses a um custo de 17£ por tonelada e um peso máximo de 950 toneladas. As normas de construção do navio deveriam ser “Lloyd’s A1” (A mais alta classificação da Lloyd’s indicando a letra A que o casco do navio é de 1ª classe e o número 1 que os restantes apetrechos estão em conformidade; por outras palavras, que o navio é navegável quer interior quer exteriormente) e a supervisão da construção em nome do proprietário seria feita pelo capitão George Moodie que estava indicado para o seu comando.

 

O registo da “Lloyd’s” no casco do “Cutty Sark”

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O trabalho de construção sofreu uma interrupção devido ao estaleiro ter ficado sem dinheiro para os pagamentos da mão-de-obra tendo esses pagamentos sido assegurados pela firma de construtores navais “William Denny & Brothers” (os anteriores donos do espaço do estaleiro) que completou o navio. O navio foi lançado em 22 de Novembro de 1869 pela esposa do capitão Moodie, mastreado posteriormente e rebocado para Greenock onde foi instalado o restante equipamento.

 

O “Cutty Sark” visto pela popa. Podem-se observar os diferentes mastros com o respetivo aparelho, sendo bem visível o mastro da mezena com a respetiva carangueja e retranca.

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Basicamente, as obras mortas do navio foram construídas de Teca Indiana e as obras vivas de Olmo Americano tendo sido aplicado também outro tipo de madeiras tais como Pinheiro Amarelo, Carvalho Inglês e outras.

O casco foi recoberto por chapa de cobre até à linha de flutuação com o fim de defender a madeira dos ataques do “teredo” que proliferara nos mares tropicais.

A quilha foi substituída na década de 1920 por uma de Pinheiro.

 

O mastro do gurupés

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Os clippers como o "Cutty Sark", são classificados como "Extreme Clippers". Eram navios muito rápidos que sacrificavam a capacidade de carga à velocidade o que lhes possibilitava viagens de longo curso em pouco tempo em relação á época, especialmente adaptados para o transporte a longas distâncias de produtos mais perecíveis.

 

O “Cutty Sark” visto pela amura de bombordo. É de salientar as proporções colossais das vergas em relação aos mastros

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No entanto, encontram-se clippers deste tipo no transporte de todo o tipo de mercadorias além do chá (lã, carvão, nitratos, etc) bem como de passageiros nomeadamente de imigrantes, para a Austrália por exemplo. O primeiro "Extreme Clipper" a ser construído foi desenhado por John W. Griffeths da firma Howland & Aspinwall de Nova Iorque tendo sido iniciada a sua construção em 1843 e sido lançado á água em Janeiro de 1845.

 

A base do Mastro Grande, que media mais de 47 metros de altura e o sarilho para manobra dos cabos que estão aduchados nas mesas de malaguetas.

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Na época dos "Extreme Clippers" foi aperfeiçoada a técnica, já existente desde os anos 20, dos "composite ship" construídos com base numa estrutura de ferro forjado - principalmente as balizas - e recobertos a madeira, quilha incluída, tendo atingido a sua maturidade em 1843 com o SS Great Britain. Este tipo de construção subsistiu até á data da abertura do Canal do Suez em 1869. As ligações das madeiras à estrutura de ferro forjado eram efetuadas com parafusos de liga “Muntz” (latão) que podiam ser usados para qualquer finalidade para a qual o cobre fosse utilizado, e a indústria naval aceitou esta liga mais do que qualquer outra. Em 1800, o metal ganhou popularidade como uma alternativa mais barata ao cobre para o revestimento de cascos de barcos.

O método de construção do casco foi o de “Composite Ship”

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“Cutty Sark” – Greenwich - 1977

 

Cutty Sark 1977.jpg

 

Depois de pronto o “Cutty Sark” tinha as seguintes medidas e tonelagem:

 

  • Comprimento – 64,8m ou 64,6m (212ft 6in)
  • Boca – 11m (36ft)
  • Calado – 6,4m (21ft)
  • Tonelagem – 2001T
  • Deslocamento – 963grt (Tonelagem Bruta de Registo)
  • Capacidade de carga – 1.300.000Lb (589.670kg) de chá.
  • Comprimento total do cordame (aparelho fixo e de laborar - enxárcia) - 11 nMi (20.38502km)
  • Total de velas do aparelho - 34 (equivalente a 10 campos de ténis)
  • Velocidade de ponta - 17,5 nós (32.43072km) - (equivalente à de um barco a vopor da época de 3.000 cavalos de potência).

 

Esquema básico das velas de um clipper nos mastros do Traquete e Real (com vento fraco)

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 (continua)

 

Um abraço e...

Bom Ano e bons ventos.

 

 

 

15.04.15

11 - Modelismo Naval 2 - Um Junco Pirata Chinês


marearte

 

 

 

 

 

 

 

 Caros amigos

 

Em 2004, foi publicado em Portugal pela editora "Publicações D.Quixote", um livro polémico da autoria de Gavin Menzies com o título "1421, o Ano em que a China Descobriu o Mundo".

 

Em traços gerais, o livro defende que o mundo Ocidental foi descoberto entre 1405 e 1433 pelas esquadras do almirante Zheng He que realizaram sete viagens marítimas, 3 para Oriente (Pacífico) e 4 para Ocidente (Índico) tendo visitado neste último oceano a Índia, o Golfo Pérsico, a Península Arábica, o Mar Vermelho, a costa de África até Mombaça e, hipotéticamente, terá dobrado o Cabo da Boa Esperança tendo entrado no Oceano Atlântico e abordado o Sudoeste Africano.

 

Esta parte da história (com excepção da passagem do Índico para o Atlântico) é factual e documentada.

 

O livro de Menzies tem como base estes factos que são históricamente aceitáveis. E digo aceitávais pois todos nós olhamos para a história segundo a nossa perspectiva, a nossa maneira de ver as coisas. E muitas vezes não aceitamos a perspectiva dos outros, baseada em "factos" controversos não provados, mas alicerçamos os nossos pontos de vista em "factos" semelhantemente controversos (por exemplo a "política de sigilio" nos descobrimentos).

 

Mas o desenvolvimento que o autor faz na sua abordagem à descoberta do mundo pelos chineses é bastante controversa, cheia de falhas, contradições e erros e baseada na hipotética existencia de documentação entretanto desaparecida?!

 

(Ver http://www.gavinmenzies.net/china/book-1421/ )

 

Naturalmente que tal controvérsia tem como contraparte o Portugal que se orgulha dos seus Descobrimentos. Do nosso lado, a par de intervenções lúcidas e factuais, têm aparecido outras  bastante emotivas e falhas em argumentos. Incluíndo de pessoas de referência que confessam nunca ter lido o livro?!... mas que o atacam veementemente.

 

Eu li o livro em 2004 e tal facto despertou-me a curiosidade. Não  concordo com as conclusões e com muito do raciocínio de Mendies, mas também não discordo na sua totalidade. Sou céptico e como tal aguardo novas provas. Lembro-me sempre de outra controvérsia sobre o descobrimento da Austrália em que existe uma versão - James Cook, 1770 -  inatacável porque blindada, embora haja provas em contrário. Cristovão de Mendonça, 1522/Gomes Sequeira, 1525 /Willem Janszoon, 1606 e até os chineses - o que não é nada de espantar - são fortes candidatos à "descoberta" ou ao "achamento".  Para mim, com base no Atlas de Vaillard de 1547, a melhor hipótese é a de Cristovão Mendonça. James Cook tomou posse da Austrália em nome da Inglaterra. Não a descobriu nem achou. Isso já tinha sido feito. Este é um facto.

 

No entanto, não foi esta controvérsia que despertou a minha curiosidade. A minha curiosidade foi desperta principalmente pelo tipo de navios que existiam na China na altura. Juncos tipo "super petroleiros". E, esquecendo a polémica, foi por aqui que eu enveredei, pelo aprofundamento do conhecimento da construção naval na China antiga. E é interessante a verificação de algumas teorias que parecem contradizer a supremacia do mundo ocidental. Pelo menos na área da construção naval.

 

Para melhorar a minha compreensão, socorri-me de algumas fontes impressas:

 

- O "Fighting Ships of the Far West" obra em 2 volumes da autoria de Stephen Turnbull e profusamente ilustrada por Wayne Reynolds, publicada em 2002 e que aborda a construção de navios de guerra na China e no Sudoeste Asiático no período de 202 AC a 1419 (1º volume) e no Japão e Coreia no período de 612 AC a 1639 (2º volume), obra que me encantou;

 

e

- o relatório de trabalho de campo " Maritime Archeology in the People's Republic of China" do Australian National Centre of Excellence for Maritime Archeology de 1997, um documento recheado de evidências arqueológicas navais referentes à construção naval na China;

 

bem como de algumas fontes iconográficas.

 

 

 Paciência de Chinês 1 - Um modelo do "Junco do Tesouro" (Bao Chuan em Chinês)

 

 

Paciência de Chinês 2 - Um pormenor do "castelo de popa", se assim lhe podemos chamar

 

Os  "Juncos do Tesouro" mediam entre 120 e 130 metros de comprimento e tinham por volta de 50 metros de boca (esta informação pode ser exagerada mas é a oficial). Uma Nau da Índia de 3 cobertas (das maiores que se construíram) tinha +- 38,22 m de comprimento e 13,84 de boca (in "Livro de Traças de Carpintaria").

 

 

Paciência de Português

 

Numa ida a Londres em 1994 encontrei na loja do Museu Marítimo de Greenwich num canto onde se encontravam meia duzia de coisas em "saldo" uma capa de plástico que continha um "blue print" da Amati de um "Giunca cinese pirata" à escala de 1:100, bem como um memo com indicações para a montagem. O preço de 1£ era convidativo e comprei-o, mas nunca mais lhe liguei.
 
Passados dez anos, depois de ter lido o livro de Gavin Menzies lembrei-me da existência deste plano e, após algum tempo de frustração por não saber onde o tinha posto, lá o encontrei numa pasta francesa onde guardava tudo... menos planos de barcos.
 
Antes de iniciar a construção do junco achei que me devia documentar melhor e foi nessa altura que li, estudei e consultei as duas obras que indiquei e procurei obter alguns acessórios para o junco, que não tinha, o que consegui junto da Amati pois o junco ainda estava à venda na altura. Assim, comprei os canhões que são numa escala e forma não muito comuns e seriam difíceis de obter de outra forma, bem como as âncoras chinesas que, por acaso, descobri na minha pesquisa. O esquema da pintura dos painéis de popa e de prôa, bem como das figuras interiores foi a Amati que teve a amabilidade de me ceder fotografias.
 
Em finais de 2006 iniciei a construção do junco com materiais que já possuia e que também adquiri na altura e terminei a obra em princípios de 2007.
 
 

Eis a obra:

 

 

1-Vista geral do Junco

 

 

 

 2-O Junco visto pela proa, de bombordo

 

  

3-Outra vista, com o convés mais em pormenor, pela proa, de bombordo

 

 

4-Vista geral pela proa, de estibordo

 

 

5-O painel pintado da proa

 

 

6-Vista geral de estibordo

 

 

7-Vista do castelo de popa com os varandins, pela alheta de estibordo

 

 

 8-Os batéis auxiliares

 

 

9-Pormenor do tombadilho do "castelo de popa"

 

 

 

 10-Escada de estibordo para acesso ao Junco

 

 

11-Pormenores do convés a meio do junco com poço de acesso ao porão

 

 

12-Sarilhos da vela Principal

 

 

13-Outro ângulo da zona dos sarilhos da vela Principal

 

 

14-Sarilho da vela do Traquete

 

 

15 - Vela da Mezena

 

 

16-Vela Principal

 

 

17-Vela do Traquete

 

 

 

18-Um pormenor do convés (tombadilho do "castelo da popa" e acesso ao porão vistos de estibordo)

 

 

19-O convés visto de estibordo

 

 

20-Dois canhões em pormenor

 

 

21-O costado e convés vistos de estibordo

 

 

22-A âncora de estibordo

 

23-O leme

 

Este modelo é um modelo geométrico e não é para venda. Faz parte da minha colecção particular. No entanto aceito encomendas para construír "irmãos"destes. É só pedirem.

 

E é tudo.

Bons ventos e até à próxima,

 

Mar & Arte

 

Atempadamente (para não dizer PS) - As 2 fotografias que apresento do modelo do "Junco do Tesouro", foram retiradas da internet hà bastante tempo e estavam no meu computador. Voltei a procurá-las na internet mas não consigo encontrar a fonte. Lembro-me que se tratava de uma equipa de arqueólogos chineses que estavam a construír o modelo de um junco do tesouro para um museu nacional de qualquer coisa, na China. Se por acaso elas desaparecerem do meu blog é porque fiz asneira e estou a usar uma coisa que não devia. Se for o caso, as minhas desculpas.