Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

27.06.23

79 – Modelismo Naval 7.3.11 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg

 

 

(continuação)

 

 

Caros amigos

 

 

            8.3 – O “Contexto Humano” (1415 – 1434)

                        8.3.1 – O Infante D. Henrique (1415 – 1434) 

Infante D. Henrique.png

O “Infante D. Henrique” - Pintura existente na “Crónica de Guiné” de Azurara

O Infante D. Henrique nasceu no Porto a 4 de março de 1394  e faleceu em Sagres, a 13 de novembro de 1460. Era o quinto filho de João I de Portugal, fundador da Dinastia de Avis, e de Dona Filipa de Lencastre.

Pouco se sabe sobre a vida do infante até aos seus catorze anos. Tanto ele como os seus irmãos (a chamada Ínclita geração) tiveram como aios um cavaleiro da Ordem de Avis.

Foi o principal impulsionador da expansão portuguesa, os chamados Descobrimentos Portugueses.

Em 1414, convenceu o seu pai a montar a campanha para a conquista de Ceuta, na costa norte-africana junto ao estreito de Gibraltar. A cidade foi conquistada em Agosto de 1415, assegurando assim ao reino de Portugal o controlo das rotas marítimas de comércio entre o Atlântico e o Levante. Na ocasião foi armado cavaleiro bem como os seus irmãos e recebeu os títulos de Senhor da Covilhã e duque de Viseu.

As principais datas da sua vida, no que diz respeito aos Descobrimentos e até ao ano de 1440, já depois de dobrado o Cabo Bojador, são as seguintes:

  1. Por convenção, os Descobrimentos Portugueses têm, como primeiro acontecimento, a conquista de Ceuta em 1415 conquista essa onde participou o Infante, seus irmãos e pai;
  2. Em 1418, o Infante D. Henrique estabeleceu-se, em quase permanência, no Algarve, repartindo o seu tempo entre Lagos, o promontório de Sagres e o Cabo de S. Vicente;

Lagos Medieval.jpg

Lagos Medieval - IX Festival dos Descobrimentos  – Câmara Municipal de Lagos

  1. Em 1419, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a ilha de Porto Santo que fará parte do futuro Arquipélago da Madeira; Aprestou por esta época uma armada de corso sua, que atuava no estreito de Gibraltar a partir de Ceuta.

Dispunha assim de mais uma fonte de rendimentos e desse modo, muitos dos homens da sua Casa, habituaram-se à vida no mar. Mais tarde, alguns deles seriam utilizados nas viagens dos Descobrimentos;

  1. Em 1420, estes mesmos navegadores em conjunto com Bartolomeu Perestrelo, descobriram a ilha da Madeira no Arquipélago da Madeira, tendo começado a sua colonização;
  2. Em 1422, o Cabo Não considerado pelos Árabes e Europeus como limite navegável para o Sul, foi ultrapassado e foi alcançado o Bojador. (Existe notícia de que os navegadores genovesesdo século XIII, Vandinho e Ugolino Vivaldi poderão anteriormente, ter navegado até este cabo antes de se perderem no mar);
  3. Em 1427, Diogo de Silves redescobriu (já havia notícia da sua existência desde o século XIV) as Ilhas Açorianas Orientais e Centrais que foram colonizadas em 1431 por Gonçalo Velho Cabral. As ilhas do Grupo Ocidental só foram descobertas por Diogo de Teive em 1452;

Barca Museu de Marinha.jpg

Barca de Pano Redondo - Museu de Marinha

  1. Em 1433, por concessão real, foi-lhe conferido o monopólio da pesca do atum e da corvina no Algarve sendo a pesca do atum já uma atividade de centenas de anos no Algarve, (trazida pelos navegadores sicilianos e genoveses já no tempo de D. Dinis), que faziam a rota comercial para a Europa do Norte e outros países, muitas vezes com escala em Lagos, antes de enfrentarem o Atlântico Norte; Neste mesmo ano deu-se a primeira tentativa de Gil Eanes passar para além do Bojador. Por causas desconhecidas, não passou das Ilhas Canárias;

 

Barca Pescareza (1).jpg

Barca Pescareza (Caravela Pescareza?) - Museu de Marinha

  1. Em 1434, Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador numa segunda tentativa (depois de 12 anos da ultrapassagem do cabo Não e de 14 ou quinze tentativas feitas por outros navegadores ao longo deste tempo), possibilitando assim a continuação da descoberta da Costa Ocidental Africana. Segundo Azurara, as duas viagens de 1433 e de 1434 foram efectuadas numa “Barcha”;
  1. Em 1435, Gil Eanes numa “Barcha” e Afonso Gonçalves Baldaia num “Barinel” foram além do Bojador 50 léguas, em que acharam “terra sem casas e rasto de homens e camelos”;
  1. Em 1440, foram armadas duas caravelas para irem ao Rio do Ouro mas “ouverom aqueecimentos (acontecimentos) contrairos” aparentemente não havendo mais nenhuma informação sobre elas;
  1. Em 1441, foi armado um “navio pequeno?”, que tinha como capitão Antão Gonçalves, para ir ao Rio do Ouro carregar “coirama e azeite” (de Lobos do Mar que existiam em abundância naquela zona).

 

Neste intervalo de tempo de 19 anos que decorreu entre 1415 e 1434 existiu, muito possivelmente, atividade de experimentação nas viagens de descoberta no que diz respeito ao desenho/adaptação de uma embarcação mais própria para o tipo de navegação junto à costa, às técnicas de navegação adaptadas à nova realidade bem como aos instrumentos usados na referenciação e transposição para mapas dos lugares visitados. Seria este o desenvolvimento que o Infante pretendia. Esta experimentação foi feita na realidade com muitas tentativas e possivelmente também com muitos erros (os “acontecimentos contrários” em 1440, referido atrás por citação de Zurara que é a primeira referência a Caravelas supostamente dos Descobrimentos, poderá ter sido um dos resultados desta tentativa e erro.

Carta Andrea Bianco.jpg

Carta de Andrea Bianco de 1448 – Costa Ocidental de África

Assim é muito possível, que, durante os 12 anos após a dobragem do Cabo Não até à dobragem do Cabo Bojador as 14 ou 15 viagens de “tentativa” de ultrapassagem do Cabo Bojador fossem bastante mais do que isso.

Durante o reinado de D. João I tiveram início os preparativos para a expansão ultramarina portuguesa incentivada pelos infantes D. Pedro e D. Henrique e pelo príncipe D. Duarte. No dia 25 de julho de 1415 partiu de Lisboa a primeira campanha militar para o Norte da África com o objetivo de conquistar a cidade de “Ceuta”.

O infante D. Henrique teve participação destacada na conquista da cidade marroquina de Ceuta, onde foi armado cavaleiro. Os mouros fizeram grande resistência, mas a cidade foi tomada pelos portugueses. Esse foi o primeiro feito que deu início à expansão marítima portuguesa.

De volta a Portugal, D. Henrique recebeu os títulos de “Duque de Viseu” e “Senhor de Covilhã”. No ano seguinte, realizou por sua iniciativa uma expedição às ilhas Canárias. Nesse mesmo ano, ficou encarregado da defesa de Ceuta onde permaneceu durante três meses.

Motivos religiosos (místicos) também despertaram o interesse do infante a novas viagens, pois, segundo a lenda, havia um reino cristão na África onde se poderia firmar uma aliança e derrotar os infiéis muçulmanos.

Em 1418, por ordem do papa Leão X, o infante foi nomeado o administrador da Ordem de Cristo, que junto com a Ordem de Avis, era a herdeira dos Templários. A enorme fortuna da Ordem possibilitou um grande número de viagens e descobertas de novas terras. Em 1419, o rei D. João I, empossou D. Henrique como governador do Algarve, região no sul de Portugal.

Ceuta.jpg.png

Ceuta

O Infante D. Henrique, desde 1415 a 1418, após a conquista de Ceuta, conquista essa onde ele teve um papel de destaque tendo partido de si essa iniciativa com o intuito, entre outros, de obter uma posição estratégica na costa de África donde poderia iniciar a obtenção de informações sobre o interior da Costa Ocidental de África através das cáfilas dos Árabes que percorriam o deserto do Sahara pelo interior da costa, informação essa que se centrava na procura de localização do “Reino de Prestes João” e também na obtenção de dados sobre como era o ambiente físico e humano do interior e, simultaneamente, provar que a Terra e o mar não desapareciam depois do Cabo Bojador.

O que nos diz Azurara na “Crónica da Guiné”, (Edição de 1841, Paris);

No capítulo VII, p.p. 44 a 49, refere-se a cinco razões que levaram D. Henrique a iniciar as Descobertas:

“Então, imaginamos que sabemos alguma coisa quando conhecemos o seu fazedor e o fim para que ele fez tal obra….

… depois da tomada de Ceuta, sempre trouxe continuamente navios armados contra os infiéis; e porque ele tinha vontade de saber a terra que estava além das ilhas Canárias, e de um cabo, que se chama Bojador, …

… e vendo outrossim como nenhum outro príncipe trabalhava nisto, mandou ele para aquelas partes os seus navios para ter de vez a manifesta certeza, movendo-se ele pelo serviço de Deus e de El Rei D. Duarte seu senhor e irmão … E esta foi a primeira razão do seu movimento …

interrogação.jpg

O que está para o de lá

… E a segunda foi, porque considerou que achando-se naquelas terra alguma povoação de pagãos, ou alguns portos, em que sem perigo pudessem navegar, que poderiam para estes reinos trazer muita mercadoria, …

especiarias.jpg

Especiarias

… A terceira razão foi, porque se dizia, que o poderio dos Mouros daquela terra de África, era muito maior do que normalmente se pensava, … E porque todo o prudente, … fica constrangido a querer saber o poder do seu inimigo, mandou saber, para determinantemente conhecer até onde chegava o poder daqueles infiéis …

Poder Árabe.jpg

Poder Muçulmano

A quarta razão foi, porque havia 31 anos que guerreava os Mouros, nunca achou rei cristão, nem senhor de fora desta terra, que por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo o quisesse (ajudar) na dita guerra. Queria saber se se achariam naquelas partes alguns príncipes pagãos … que o quisessem ajudar contra aqueles inimigos da fé. …

Preste João.jpg

Preste João

A quinta razão foi o grande desejo que havia de acrescentar á santa fé de Nosso Senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que se quisessem salvar …”.

800px-OrderOfCristCross.svg.png

Cruz da Ordem de Cristo

Estes eram os objectivos das Descobertas na perspectiva do Infante para o que contribuíam fortemente o conhecimento do Infante (por pré informação de viajantes terrestres árabes da Costa oeste de África, das viagens ás Canárias e das viagens de pesca dos pescadores Algarvios). Com o monopólio da Pesca do Atum na costa Algarvia tinha perfeito conhecimento dos tipos barcos de pesca existentes incluindo as “Barcas das Armações de Atum” que se moviam com a força do vento em velas latinas.

Restos de Barca.jpg

Restos de uma “barca” da Pesca do Atum no Algarve

Vivendo a maior parte do seu tempo de permanência em Lagos, ser-lhe-ia difícil desconhecer a existência nos mares do Algarve de uma frota pesqueira de costa e do alto que pescava no Atlântico Mediterrânico até ao norte de África e da existência de barcas pescarezas ou caravelas pescarezas, com origem mediterrânica, que usavam velas latinas – como por exemplo, a “Barca Típica de Lagos”, mas que não seriam, pelas suas dimensões as mais apropriadas para grandes viagens longínquas.

Como conclusões teremos:

4 – O Infante D. Henrique foi o grande impulsionador dos “Descobrimentos Portugueses”, e dirigiu pessoalmente a partir de Lagos, as primeiras viagens, incluindo a passagem do Bojador e dispôs dos homens da sua Casa para comandar os navios com tripulações algarvias, experimentadas como pescadores ou como marinheiros de corso, com os quais criou uma “task force” para a melhoria das condições da “Descoberta”;

5 – Conhecia o tipo de embarcações existentes no Algarve – incluindo a “Barca das Armações” movida com Vela Latina e desenvolveu toda uma acção no sentido de, com base na experiência das várias viagens ao Bojador, iniciar a criação de uma embarcação adaptada ao tipo de navegação necessário para o efeito – leve, de pequeno calado, veloz e com um aparelho que permitisse navegar mais arrimado ao vento predominante nas viagens de retorno;

 

 

                        8.3.2 – Gil Eanes (1415 – 1434)

Gil Eanes.jpg

Gil Eanes – Lagos - Portugal

Se Gil Eanes não tivesse passado o Bojador, muito possivelmente não faria parte da história dos Descobrimentos de Portugal.

Pouco se sabe da sua vida a não ser que era natural de Lagos no Algarve e que era Escudeiro da Casa do Infante D. Henrique e não há notícia dele antes de 1433, altura em que fez a primeira viagem para o Sul para dobrar o Cabo Bojador, tentativa essa gorada já que, sabe-se pela pena de Azurara, não ter passado das ilhas Canárias.

Porque é que o Infante D. Henrique o nomeia para esta viagem não está claro. No entanto se ao fim de 12 anos e de 14/15 viagens infrutíferas (no que diz respeito à passagem do Bojador) pode-se deduzir que, independentemente da sua idade (uns julgam-no um rapaz novo, outros um homem de idade madura) deveria ter experiência náutica suficiente (possivelmente adquirida a bordo das galés de corso do Infante), além de não ser muito susceptível de ser influenciado por “lendas” e “crendices” ao contrário do que Azurara dá a entender.

Na minha opinião a passagem do cabo Bojador, não tinha ainda sido efectuada por algum receio por parte dos navegadores de se perderem ao tomarem um rumo para Oeste, (para poderem passar para o outro lado do Bojador, devido aos baixios que se projetam do cabo para Oeste. numa distância de 5 Nm (+/- 9 km) e assim perdiam de vista a costa, coisa a que deveriam ser bastante avessos, pois estavam habituados a navegar com terra â vista.

Por outro lado, também acrescia pensarem não ter grandes possibilidades de regresso, já que os ventos predominantes eram do quadrante Norte para Sul e as correntes que diziam aí existir, seria difícil voltar para Norte contra o vento e correntes, principalmente com um aparelho redondo, das barcas tipo “Nórdico”, que tinham muito pouca possibilidade de navegar para o Norte com ventos que soprem de um quadrante pela vante do través.

Mareação 1.jpg

Mareações e limites de bolina do navio com pano redondo - 67,5 Graus (6 quartas) – Menos arrimado ao vento

Mareações 2.jpg

Mareações e limites de bolina do navio com pano latino - 45 Graus (4 quartas) – Mais arrimado ao vento

NOTA: Na altura, este diagrama não existia. Mas este conhecimento existia (não tão preciso), pelo menos baseado na prática de navegação

Azurara, na “Crónica da Guiné”, dedica o capítulo IX com o título “Como Gil Eanes, natural de Lagos, foi o primeiro que passou o Cabo Bojador, e como lá tornou outra vez, e com ele Afonso Gonçalves de Baldaia”. E sobre a sua identidade nada mais aparece. Ficamos a saber o nome, a naturalidade, o feito que praticou e que voltou a passar o Bojador, desta vez acompanhado por outro navegador de nome Afonso Gonçalves Baldaia. Acresce uma outra informação, esta no texto do capítulo referido, em que Azurara diz que Gil Eanes era “seu scudeiro” e que “despois fez cavalleyro” (do e pelo Infante D. Henrique).

Quanto à idade, tanto podia ser um mancebo, como um homem já curtido nestas andanças (a iconografia sobre ele tanto o apresenta como jovem como um homem já feito). Por mim acho que era um homem bastante rodado nestas coisas de navegação marítima.

Até 1433 Gil Eanes era um ilustre desconhecido e não existe nenhuma informação conhecida que nos possa ajudar sobre quem era Gil Eanes antes de ter dobrado o cabo Bojador, ou seja, que destaque tinha e que conhecimentos possuía para ter sido escolhido pelo Infante D. Henrique para levar a cabo esta viagem.

Mas esta viagem foi infrutífera pois Gil Eanes não passou das Ilhas Canárias (tendo regressado ao “reino” com alguns cativos feitos nessas ilhas) pois, segundo Azurara, foi “tocado daquelle meesmo temor” (temores esses que já foram referidos no post 69 desta série, publicado em 00/03/23 neste blogue) que tinha levado à desistência os navegadores mandados pelo Infante nos últimos doze anos de tentativas. Terá sido por medo das trevas?

Azurara fala também da pouca vontade dos mareantes passarem o cabo Bojador, com todos os perigos e incertezas que pensavam existir nessa passagem e que todos os que tinham desistido anteriormente, o fizeram pois podiam dedicar-se mais proveitosamente na atividade de corso contra os árabes e, possivelmente, outros.

Em 1434 Gil Eanes passa o Bojador!

Após o fracasso, Gil Eanes foi enviado novamente no ano seguinte e na mesma embarcação que tinha levado no ano anterior, não antes de, segundo Azurara, que escreveu a Crónica da Guiné em 1452-1453 (no reinado de D. Afonso V), tendo-a refundido em 1460 (ano do falecimento do Infante D. Henrique) – que possivelmente pode ter conhecido quase diretamente este discurso do Infante? – ter ouvido da boca do Infante o seguinte discurso  motivacional:

Azurara1.png

Azurara 2.png

Gil Eanes ficou motivado e “dobrou o cabo a além, onde achou as coisas muito pelo contrário do que ele e os outros até ali presumiam”.

Quando regressou, o Infante mandou-o novamente na sua “barca”, acompanhado pelo “barinel” de Afonso Gonçalves Baldaia – copeiro do Infante – tendo passado novamente o Bojador, em 1435 e percorrido por volta de 50? léguas da costa em direção ao sul “Onde acharam terra sem casas (mas encontraram) rasto de homens e de camelos”.

Gil Eanes é referido novamente por Azurara como tendo feito parte, em 1444 de uma expedição à costa de África, comandada por Lançarote, que era escudeiro do Infante e Almoxarife do Rei em Lagos, tendo como 2º comandante Gil Eanes. Esta expedição, que chegou até às ilhas de “Naar” e “Tider” situadas depois da “Ilha das Garças” (descoberta em 1443 por Nuno Tristão) junto à costa, era composta por 6 caravelas e foi autorizada pelo Infante que mandou fazer bandeiras com a Cruz de Cristo tendo cada uma das caravelas levado uma. Parece que foi a partir daqui que as Caravelas da Descoberta passaram a ostentar a Cruz de Cristo na velas.

Azurara dedica a Gil Eanes um capítulo quase completo (o XXII) referente à viagem de 1444, onde Gil Eanes, nessa mesma viagem, faz um discurso motivacional às tripulações das Caravelas. Deve ter aprendido com o Infante.

Em 1447, Gil Eanes aparece novamente como capitão de uma Caravela, integrado numa frota, que foi a maior de quantas até à altura tinha sido reunida, que voltou à ilha de “Tider” a fim de a conquistar para a coroa portuguesa. Era constituída por, pelo menos, 27 caravelas parte delas de Lagos, parte de Lisboa e 4 da Ilha da Madeira.

A partir de 1447 desaparecem as referências a Gil Eanes na obra de Azurara e na História de Portugal.

Como conclusões teremos:

6 – Para o Infante D. Henrique ter nomeado Gil Eanes para mais uma tentativa, em 1434, da passagem do Cabo Bojador (12ª ou 13ª) depois de doze anos de tentativas goradas foi porque, muito possivelmente o considerava um homem corajoso, tecnicamente capaz e, fazendo parte da sua casa, empenhado em cumprir as directrizes do seu Senhor;

7 – Como hipótese de conclusão, fala-se em “barca”, mas nunca se diz se era uma Barca de pano redondo tipo nórdico, ou uma Barca de pano latino, tipo do sul do reino, podendo qualquer destas hipóteses ser viável, já que qualquer uma delas assenta no mesmo facto – a inexistência de qualquer facto;

8 – Se atentarmos bem à data de 1434, só passaram ou 4, ou 3, ou 2 ou 1 ano ou mesmo nenhum, para o aparecimento das caravelas de descobrir pois, há notícia de que nos anos de 1438/1439, se encontravam carpinteiros portugueses em Bruxelas, nas margens da ribeira de Senne, enviados de Portugal (pelo Infante D. Henrique?) por solicitação de Philippe Le Bon, Duque de Borgonha (que era casado com a Infanta D. Isabel de Portugal, irmã do Infante D. Henrique) e que aí construíram 2 caravelas, e mais qualquer coisa. (1)

 

Philippe Le Bon.jpg

 

Infante D. Henrique.png.jpg

Philippe Le Bon e Infante D. Henrique

Quem copiou quem?

A primeira referência que Azurara nos dá sobre Caravelas refere-se a “acontecimentos contrários” em 1440:

… “ Bem he que no anno de quarenta se armarom duas caravelas afim de irem a aquella terra, (além do Cabo Bojador) mas porque ouverom aqueecimentos (acontecimentos) contrairos, nom contamos mais de sua vyagem. …”

 

(1) – in: Um Relatório sobre a Construção de Caravelas Portuguesas em Bruxelas (1438-1439) PAVIOT, Jacques e RIETH, Éric, Laboratoire d’Histoire Maritime. C.N.R.S., Paris

“Oceanos”- O Repto da Europa, Lisboa, CNCDP, Dezembro 1993.

cnf: Francisco Contente Domingues no seu livro “Os Navios do Mar Oceano – Teoria e Empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII” (página 233), diz-nos:

“O Duque de Borgonha, Filipe o Bom tinha casado com D. Isabel de Portugal em 1436. Esta D Isabel era irmã de D. Henrique e do Rei de Portugal, D. Duarte que reinou entre 1433 e 1438, bem como dos restantes Infantes da “Ínclita Geração”.

Entre 1438 e 1439, nos estaleiros de Borgonha, foram construídas uma galé e uma pequena caravela e depois, mais duas caravelas. Os trabalhos destas construções foram dirigidos pelos mestres portugueses João Afonso e outros, que introduziram na construção naval nórdica a técnica de construção de “Forro Liso” (Carvel), onde se usava exclusivamente o “Forro Trincado” e aprenderam com os Borgonheses a construir “navios de alto bordo” com técnicas que os portugueses ainda não conheciam que possibilitavam a integração dos castelos de Popa e de Proa directamente durante a construção do casco. Este “intercâmbio” deve-se à iniciativa do Infante e do Rei D. Duarte e foi de mútuo aproveitamento. Se havia “política de segredo” nesta fase dos Descobrimentos, não parece! (1438/1439) ”.

É de notar que os carpinteiros eram mestres e portanto dominavam perfeitamente a técnica de construção de Caravelas de Descobrir (só assim se entende que tenham sido enviados para servir o Duque da Borgonha, cunhado do Infante D. Henrique), perícia essa que só seria possível adquirir se por detrás estivessem alguns anos de prática nesse tipo de construção (tentativa e erro pois não existiam planos desenhados, só a experiência!) o que nos leva a pensar que já eram decorridos alguns anos de experiência nesse sentido.

Apesar do termo “carvel” ser usado na Europa indiscriminadamente com o sentido de construção em “casco liso” e também como nome da embarcação “caravela”, esta dualidade não existe na documentação analisada (1) pois o termo usado pelo escrivão do Duque de Borgonha é “caravelle”, não levantando assim qualquer dúvida do que se trata.

Por agora é tudo. 

(continua)

Um Abraço e …

Bons Ventos

16.06.23

78 – Modelismo Naval 7.3.10 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha


marearte

 

ib-04.1.jpg

 

(continuação)

Caros amigos

 

A “Barca” de Gil Eanes

Para quem já não se lembre, esta série de “posts” sobre A “Barca” ou “Barcha”, começou em 9 de Março deste ano de 2023 com o post 69. Tinha comprado os Planos da “Barca” de Gil Eanes no Museu de Marinha em Lisboa e deparei-me com o modelo de uma “Barca” que eu estava longe de pensar que tivesse sido neste tipo de embarcação que Gil Eanes passou “para além do Bojador”.

As partidas de Gil Eanes para o Bojador foram feitas de Lagos, Algarve, Portugal, zona já em 1433/1434, com forte construção naval de pesca e de transporte de cabotagem (se não já com as primeiras tentativas de conceber uma embarcação mais adaptada ás condições de navegação no Atlântico do Noroeste de África, usando métodos de construção, que iam passando de geração em geração – aliás como em qualquer outra parte do reino – e possivelmente também inovadores, que tinham como paradigma, a construção das embarcações com o método mediterrânico de casco liso mais adaptadas, aperfeiçoadas e seguras.

Por outro lado, o tipo das embarcações que cruzavam as águas do “Atlântico Mediterrânico” navegavam, na sua maioria, com a força do vento impulsionando velas “latinas” ou velas “bastardas”, podendo eventualmente observarem-se embarcações com vela redonda arvorada, de proveniência da Europa do Norte e talvez, a par destas embarcações, outras iguais, de propriedade portuguesa (e/ou mandadas construir por portugueses), que faziam negócios com o Norte da Europa.

As minhas dúvidas prendiam-se, num primeiro ponto, com a construção do casco, pois os planos do “Museu de Marinha” indicam que se trata de um “casco trincado”, tipicamente do Norte da Europa e até têm incluídos os planos 5 – Secção Mestra e Âncora e o 6 – Pormenores de Pregação que informam como se sobrepõem as tábuas do costado e como as mesmas são unidas.

Fui apanhado de surpresa já que sabia que em Portugal tal técnica não foi usada, que seja do meu conhecimento, a não ser numa faixa a norte do Douro e em embarcações de cabotagem e fluviais – p.e. o “Barco Rabelo” do Douro e o “Carocho” do Minho. Penso que, a maioria das barcas que aparecem referidas em grande parte da documentação coeva portuguesa desde o séc. XIV, e que algumas podem referir-se a barcas de construção portuguesa, teriam a mesma forma bojuda, atarracada e de proa e popa redondas e simétricas, mas diferiam no modo de construção – casco liso X casco trincado – e muito possivelmente, também no aparelho – vela latina X vela redonda – vela latina essa de há muito usada na costa portuguesa, em especial na costa algarvia. Esta novidade para mim, revelou-se difícil de perceber e de aceitar

Todos estes pormenores causaram-me algumas dúvidas e, por isso, procurei obter informação mais pormenorizada, embora de uma forma não aprofundada, que me permitisse, com base nela (a informação mais importante) ter uma “fotografia” ainda que continuasse “tremida”, para qualificar e quantificar, náutica e morfologicamente, “A Barca de Gil Eanes”.

Pus mãos á obra, colhi o máximo de informação possível e, em cada um dos “posts” desta série alinhei, para mim de uma forma lógica, os principais assuntos que me permitissem decidir se esta era na realidade a melhor abordagem sobre “A Barca de Gil Eanes” ou se haveria uma outra, também dedutiva e baseada em informações, algumas também não factuais, que talvez fosse mais próximaa da realidade.

Neste momento quero reforçar aquilo que tenho afirmado ao longo desta série, que não sou historiador nem tenho pretensões a tal. Sou um simples modelista de “barquinhos” que tem por hábito, em qualquer modelo que faz, investigar o mais a fundo possível sobre o original e assim poder reproduzi-lo o mais fielmente possível.

Portanto, as minhas conclusões “inconclusivas” não são de forma alguma História mas sim uma estória e não farão parte das páginas dos manuais. No entanto aprendi muito com esta pesquisa e houve uma aprendizagem marginal de que já me tinha apercebido ter umas luzes e que consolidei mais, agora. É que a “nossa história” muitas vezes é só estória e que muitos historiadores são magníficos malabaristas.

Assim, em cada um dos “posts”, procurei alinhar a pesquisa por áreas, que se prendem com o meu desejo de esclarecimento, tendo ficado divididas da seguinte forma:

  1. Caracterização geral da “Passagem do Bojador” bem como das primeiras embarcações da Descoberta, em especial da “Barca” e do “Barinel”;
  2. As opiniões de vários historiadores e de uma filóloga considerados de referência, sobre o significado dos nomes “Barca” e "Barcha”;
  3. O “contexto humano” no qual teve lugar este acontecimento, considerando como atores principais o “Infante D. Henrique” e o navegador “Gil Eanes”, que se destacam no meio de todo um grupo que contribuiu fortemente para este acontecimento;
  4. O “contexto geográfico” que passa por uma abordagem de “Lagos” (no Algarve) no que diz respeito á sua génese e evolução, até ao período de 10 anos compreendido entre 1415 a 1434 incluído, datas estas mais ligadas ao feito de Gil Eanes, além de caracterizar a área do “Cabo Bojador”, com base numa “Descrição e Roteiro da Costa Ocidental de África” de 1866, bem como nos elementos meteorológicos e oceanográficos actuais (em termos gerais, houve mudanças nas características climáticas nos últimos 600 anos mas a matriz original conservou-se), com a mesma influência na navegação na área;
  5. O estado da Tecnologia Naval da época (1415 - 1434), abordando os poucos instrumentos de navegação disponíveis na altura, bem como a existência ou inexistência de Portulanos e Roteiros respeitantes à Costa Ocidental de África;
  6. Por último, uma abordagem sobre a construção naval, existente, à época, no reino e em especial no Algarve.

 

Naturalmente que muita coisa ficou para trás, por desconhecimento meu da existência de outra documentação, bem como pela minha impossibilidade de pesquisa de fontes pertinentes para este assunto. E ainda bem pois apercebo-me agora que aduzi muita informação para tão poucas conclusões, ou seja, que “a montanha pariu um rato”.

O que ressalta – e não sou só eu a dizê-lo – é a quase total ausência de informação pertinente sobre estes dois tipos de embarcações (entre outras coisas)– A “Barca” e o “Barinel” o que põe em causa qualquer afirmação final definitiva. Isto leva a uma situação de “qualquer coisa e o seu contrário” serem admissíveis.

Durante a leitura das fontes consultadas – e foram muitas – apercebi-me também que, na maior parte das vezes no que diz respeito a acontecimentos antigos pouco documentados, as “certezas” apresentadas em algumas fontes ditas de referência baseiam-se em suposições e deduções, por vezes sem muita lógica – na base de que já foi dito pelo “fulano de tal” que se cita – caindo-se no risco não só da alteração do conteúdo como de se estar a repetir qualquer coisa de menos bem. Por outro lado existiu (existe?) por vezes alguma manipulação de factos tendente a provar afirmações iniciais. Temos, como exemplo, o uso da história pelo Estado Novo para o “engrandecimento da Pátria”.

Também me apercebi de que, qualquer dedução errada, feita por um historiador de referência, com muita dificuldade se consegue alterar, permanecendo, através dos tempos, como “a verdade”, apesar de ter sido manipulada.

Mas passemos então às conclusões “inconclusivas”.

 

8 - Conclusões (algumas, inconclusivas)

 

          8.1 – As primeiras embarcações da Descoberta – a “Barca” e o “Barinel”

Muitas obras escritas sobre a História dos Descobrimentos omitem (ou desconsideram), quando se referem às embarcações, que os portugueses usaram durante esta aventura a “Barca” e o “Barinel”, referindo apenas a existência de Caravelas, Naus e Galeões.

Sem dúvida que estas duas embarcações fizeram parte da panóplia usada nos Descobrimentos logo no início, embora tenham desaparecido quase completamente após as primeiras viagens feitas para além do Bojador e foram as percursoras desta odisseia dos Descobrimentos durante perto de vinte anos.

No entanto e de uma forma plausível, deve ser considerado que, há quem defenda que as primeiras viagens foram feitas em embarcações de pesca dos pescadores algarvios que iam pescar para o Atlântico no Noroeste de África. Sem dúvida que contribuíram para o conhecimento de parte da costa embora o objectivo não fosse esse. No entanto, deve ter sido desse Povo anónimo que saiu a maioria dos marinheiros que serviram a bordo das embarcações desta primeira fase dos Descobrimentos, pelo menos até â passagem do Cabo Bojador.

Muito possivelmente, embarcações deste tipo, com poucas melhorias nas condições de navegabilidade mas tendo aumentado o arqueio das mesmas e possivelmente com outro tipo de velame, foram utilizadas pelos homens do Infante nas primeiras viagens em direcção ao Sul pela costa de África.

Mas as Barcas, devido a vários novos problemas que foram postos durante estas viagens, rapidamente tiveram a par, primeiramente  Barinéis, e por vezes navegaram em conjunto.

Mas o que são estas embarcações que dão por nome de “Barca” e de “Barinel”? Existe pouca informação sobre elas. Sobre o” Barinel” é quase nula. Sobre a “Barca” existe um pouco mais.

Sobre o “Barinel” a sua origem parece ser o Mediterrâneo, mais concretamente uma das cidades república que integraram a Itália – Veneza (?) Seria uma embarcação um pouco maior (?) do que a “Barca” (1) e teria uma proa parecida com as proas das naus e uma popa redonda como a “Barca”. Calava mais fundo do que a “Barca” (calar-ocupar um determinado espaço abaixo da linha de flutuação). O número de mastros seria de um a dois (três?) e teria um aparelho redondo quando de um mastro e um aparelho misto quando de dois mastros, envergando um dos mastros (o da popa) uma vela latina. Poderia ter remos para navegar sem vento e para algumas manobras de navegação.

Depois da passagem do Bojador, na viagem posterior a “Barca” de Gil Eanes tornou a passar para além do Bojador e foi acompanhada (ou acompanhou) um “Barinel” comandado por Afonso Baldaia. A informação que existe sobre esta embarcação é a que se pode retirar de um modelo da época medieval, o Modelo de Mataró, (uma Coca?) que se encontra exposto no Museu Marítimo de Roterdão, datada de entre 1456 e 1482 e que tem como proveniência uma pequena igreja duma aldeia chamada Mataró, na costa da Catalunha, em Espanha, perto de Barcelona.

Até agora, não existe nenhuma outra representação ou descrição da época desta embarcação. E as referências pelos cronistas da época a esta embarcação são escassas.

É uma caso de ”pensa-se que…”! Por mim, tenho as minhas dúvidas! Mas, se dizem que é um “Barinel, parece um “Barinel” e navega como um “Barinel”, então é um “Barinel”! Vamos por aí! (2)

(1) – Na “Chronica do Conde D. Pedro de Menezes”, no cap. XLII, Azurara fala de uma barca ao “serviço do barinel” o que chama a atenção para a relação de tamanho entre “Barinel” e “Barca” sendo possivelmente esta última, bem mais pequena;

(2) – Segundo Carbonell Pico (Bibliografia 36, p. 55) o termo “Barinel” aparece pela primeira vez no Português em documento de 12 de Abril de 1436 <…E que ajnda mandarom hu Barinel a Ingraterra…>. O verbete diz que o termo pode ser de origem Francesa (balenier), Espanhola (ballener) ou Italiana (barinello).

 Nau de Mataró.jpg

“O Modelo de Mataró”

Mas é um “Barinel”, uma “Coca”, uma “Nau”, ou uma “Caravela? (não Portuguesa)

 

Quanto à “Barca”, cuja informação é maior e mais consistente, na sua versão mais simples de pesca costeira, navegação de cabotagem e fluvial, era um barco de boca aberta, de popa e proa redondas, com leme de “espadela” normalmente a estibordo e era usada no tráfego marítimo e fluvial, havendo um grande número de aplicações para os seus serviços e tomavam os nomes conforme os tipos de serviços que prestavam.

Tinham entre 10 a 20 metros de eslora e uma boca de 2,5 a 3,5 metros. Em viagens mais longas e distantes teriam uma “coberta”.

Podemos considerar a existência de dois modelos de barca a saber:

  • Uma barca redonda com origem nas barcas do norte da Europa, de um único mastro (por vezes dois, um grande e um traquete) com leme de espadela (a estibordo ou a bombardo ou nos dois bordos) e vela redonda (quadrada) nos dois mastros, se existissem dois. Apesar dos cascos das barcas nórdicas serem “trincados”, estou em crer que, se construídas em Portugal, principalmente no sul, teriam casco liso. Podiam ser de “boca aberta” ou, se destinadas a grandes viagens, com um “convés”;

 

Barca Redonda.jpg

Barca Redonda

Modelo no “Museu de Marinha” – Lisboa

 

 

  • Uma barca com origem nas Barcas do Levante do Mediterrâneo, com 13,5 metros de comprimento, ou mais pequenas, que também era de boca aberta, tendo 4,2 metros de boca e com popa redonda. O leme devia de ser axial, montado no cadaste da popa, sem painel. Com um só mastro, envergando pano latino. Chamava-se Barca Pescareza e, por vezes Caravela Pescareza (não confundir com a Caravela dos Descobrimentos).

Barca Pescareza.jpg

Barca Pescareza

Modelo no “Museu de Marinha” - Lisboa

 

Nota: As medidas indicadas não são fixas por impossibilidade de as fixar pois não existe informação nesse sentido. Portanto poderiam ser maiores ou mais pequena.

Como, conclusões teremos:

1 – Existiram simultaneamente (1415 – 1434) dois tipos de “barcas” sendo um de origem nórdica e a outra de origem Mediterrânica;

2 – O “barinel” existiu em Portugal, como embarcação, pelo menos desde 1435 (data da viagem a sul do Bojador de Gil Eanes numa “barca” e de Afonso Baldaia num “barinel”), (Bibliografia 1); embora Carbonelli Pico registe o aparecimento do termo escrito em documentação portuguesa só no ano de 1436. (Bibliografia 36).

A sua morfologia é incerta, tendo no entanto sido adotada uma morfologia parecida com o modelo da “Nau de Mataró”;

 

            8.2 – A diferença (se houver), entre o termo “Barca” e “Barcha”

A embarcação denominada hoje “Barca” (3) aparece em documentos da época dos descobrimentos ou anteriormente, também grafada como “Barcha” e “Barqua”. Pondo de parte esta última grafia que não suscitou qualquer polémica sendo pacífica a consideração que se tratava da mesma embarcação denominada “barca”, seriam a “barca” e a “barcha” duas embarcações diferentes? Embora existam opiniões de que eram diferentes não morfologicamente mas sim em capacidade de carga, possivelmente eram o mesmo tipo de embarcação com dois tipos diferentes de grafia, conforme a época.

(3) – Em referência às “barcas” medievais e do séc. XV, hoje em dia, na classificação dos Grandes Veleiros, o termo barca classifica, pelo tipo do aparelho desses veleiros, como barca, um veleiro com o aparelho como o do Navio Escola “Sagres”, com três mastros (não contando com a Bujarrona) a saber: Traquete à proa. Grande na meia-nau e Mezena à popa. Os dois primeiros envergavam velas redondas e o terceiro uma vela latina trapezoidal, a vela de Ré e uma vela de Gavetope. Muitas vezes este aparelho vinha de uma transformação da aparelhagem inicial dos navios que era de galera, como é o caso da “Sagres II”, que se encontra hoje no porto de Hamburgo, como navio museu, tendo voltado á sua cor original de 1896 e também mudado o nome para o original “Rickmer Rickmers”.

Rickmer.jpg

Rickmer Rickmers”

 

 

Nota:

Actual navio-museu ancorado no rio Elba no Porto de Hamburgo, construído nos estaleiros de Bremerhaven – Alemanha em 1896, tendo servido na Marinha Mercante Alemã como transporte de algodão do Extremo Oriente para a Europa. Em 1912, foi vendido a um outro armador alemão de Hamburgo e foi rebatizado como “Max”. Em 1916 (1ª Guerra Mundial) foi apresado por Portugal no porto da Ilha das Flores – Açores, a pedido do Governo Britânico e emprestado ao mesmo governo, tendo servido até ao final da guerra com o pavilhão Britânico e com o nome de “Flores” sendo devolvido a Portugal no final dessa mesma guerra. Em 1927 o navio foi convertido em navio-escola para a Escola Naval Portuguesa com o nome de “NRP Sagres II” (4). Em 1962 foi substituído, como navio-escola da Marinha, pela “NRP Sagres III“(antigo navio escola “Guanabara” da Marinha do Brasil e atual navio escola da Marinha Portuguesa), tendo sido rebatizado como “Santo André” e reclassificado como navio depósito.

Em 28 de Abril de 1983 o navio foi entregue à associação Alemã “Windjammer für Hamburg” por troca com o “NRP Polar”.

(4) – Antes desta “Sagres II” já tinha existido a “Sagres I” (Corveta Sagres), que foi lançada á água em 3 de Junho de 1858, em Portsmouth (Inglaterra) Tendo chegado a Portugal no dia 18 de Setembro de 1858 foi incorporada na Armada tendo “efectuado relevantes missões diplomáticas e de interesse nacional”. Em 13 de Novembro de 1876 passou ao estado de desarmamento, tendo sido adaptada como Navio Escola que estacionou no Cais do Bicalho, no rio Douro, no Porto

Em 1898, a Escola de Alunos Marinheiros do Porto, foi transferida para a corveta “Estefânia”. Em 7 de Setembro desse mesmo ano, a corveta “Sagres” foi abatida ao efectivo e desmantelada de seguida.

 

Mas vamos revisitar Maria Alexandra Carbonell Pico (M.C.P.) que, nestas coisas de filologia é considerada internacionalmente como uma referência, mesmo pelos que não estão de acordo com ela, que elaborou um extenso verbete sobre este assunto. (Bibliografia 36, pp. 33/51).

Segundo M.C.P. a palavra “barca” vem do latim barca, com abonações em Stº Isidoro (Etymologiae 19,I,19), em Nascentes (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa – DEP)) e em Corominas (Dicionário Critico Etimológico de la Lengua Castellana – DCEC).

O termo aparece pela primeira vez no Português, com a grafia “barca” no ano de 911, continuando a aparecer até 22 de Abril de 1404, altura em que aparece grafado em documento português o termo “barcha” que continuará durante o séc. XV em que, na “Crónica dos Sete Primeiros Reis de Portugal” de Fernão Lopes, aparece isoladamente o termo “barqua”. Com esta excepção, o termo “barcha” continua a ser usado (por vezes no mesmo texto) misturado com “barca”, principalmente por Fernão Lopes na sua “Crónica de D. Fernando I” que usa indiscriminadamente “barca” ou “barcha”.

Toda a documentação que M.C.P. estudou, tem as mais diferentes concepções de “barca/barcha”. Se por um lado considera a “barca/barcha” como “trazendo navios ao seu serviço” por outro lado fala delas como estando ao serviço de outros navios, como escaleres dos mesmos. As “barcas/barchas” poderiam ter tido todos os tamanhos possíveis. E o debate foi estabelecido no campo do tamanho das “barcas/barchas”.

Aqui, as “teses” defendidas dizem, que os termos “barcha” e “barca” referiam barcas maiores e barcas mais pequenas.

Das características conhecidas das “barcas/barchas” as três caracteristicamente mais marcantes, diziam respeito a terem a proa e a popa redondas em simetria, e a uma silhueta marcadamente bojuda e de baixo calado. As introduzidas com origem na Europa do Norte, com casco trincado e vela redonda e as introduzidas via Mediterrâneo com casco liso e vela latina (vela a la trina – de onde é possível ter derivado a designação de vela latina).

Há quem defenda que a “barcha” referia-se ao tipo de embarcação com origem no norte da Europa e “barca”, à embarcação originária do Mediterrâneo.

Azurara usa o termo “barcha” referente á barca de Gil Eanes se se consultar o códice de Paris da “Crónica da Guiné”, mas se a consulta for feita na mesma obra que nos chega pelo códice de Munique aparece “barcha” e “barca”, referente ao barco de Gil Eanes.

João de Barros, que escreve depois de Azurara, no livro I “Da Ásia”, num dos parágrafos, ao falar de uma determinada barca (não a de Gil Eanes) refere-a como “barca” e, para a mesmíssima barca, duas linhas a seguir refere-a como “barcha”!

Quem Sabe! Who knows! Chi lo sa!

Carbonell Pico por fim põe, para mim, um ponto final neste assunto que nada tem a ver com um debate entre Historiadores de Marinha mas sim com a Língua Portuguesa, considerando “Barcha” como uma variante ortográfica de barca, que se conservou ainda durante algum tempo depois da supressão por síncope do “h” passando a escrever-se “Barca”´.

Existem imensos exemplos em português destas alterações por supressão de letras. Neste momento lembro-me de Arquivo por Archivo.

Este é um facto que acontece em todas as línguas. De fato isto acontece, venha ou não venha melhorar a compreensão da língua

Como conclusão teremos:

3 - Os termos “barcha” e “barca” foram usados simultânea ou alternadamente para nomearem a mesma embarcação independentemente da sua origem;

Por hoje é tudo.

 

(continua)

Um abraço e...

Bons Ventos

10.05.23

77 – Modelismo Naval 7.3.9 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg 

(continuação)

Caros amigos

7 – Tecnologia Náutica no Início dos Descobrimentos – Meados do século XV

 

7.4 – Construção Naval

História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa: a Ribeira das Naus nos séculos XV e XVI no Vimeo 

VER 

Ribeira das Naus no Tejo.jpg

Ribeira das Naus no Tejo, em Lisboa – um estaleiro movimentado nos séculos XV e XVI

“Desconhece-se quase todos os pormenores da actividade neste período (séc. XII a XV): escasseiam os testemunhos fidedignos e os primeiros tratados de construção naval portugueses só aparecerão muito mais tarde, em fins do séc. XVI.”

“Navios, Marinheiros e Arte de Navegar (1139 – 1499) – Coordenador: Com.te Fernando Gomes Pedrosa 

Academia de Marinha, Lisboa, 1997 

Apesar da dificuldade de obter informação de pormenor sobre a construção naval em Portugal no séc. XV, vamos tentar, de uma forma mais geral, alinhar alguns conceitos básicos que serão suficientes no contexto deste post.

Enxó.jpg

“ Enxó” curva, de cabo comprido com que se afeiçoava a madeira (barrotes e tábuas)

No Portugal de meados do séc. XV, a construção naval já se tinha desenvolvido em termos artesanais e “eruditos” construindo a primeira diversas embarcações de pesca e de pequena cabotagem na costa Portuguesa e a segunda embarcações de alto mar para comércio e defesa do país, com uma tónica especial nas “galés” que existiam praticamente em todos os portos principais e que se destinavam a repelir os ataques de piratas que proliferavam na nossa costa como também a outras tarefas.

Na altura, já se encontravam consolidadas técnicas de construção naval provenientes das duas diferentes áreas de influência no reino, áreas essas que se radicavam no Norte da Europa e no Mediterrâneo, tendo métodos bem diferenciados de construção de embarcações, cada um adaptado às características de navegação dependente do tipo de mar e cada uma com os seus méritos.

No Norte da Europa a sucessão de tarefas para a construção das embarcações relativamente pequenas, rotundas, com uma proporção quilha/boca de 3:1 (uma concepção já existente no séc. XIII) de casco simétrico, com rodas de popa e de proa muito idênticas e a secção a meia-nau em forma de U e de abas verticais, cujo forro era trincado (sistema de união que consiste na sobreposição do bordo inferior das tábuas do casco ao bordo superior da tábua que lhe fica logo abaixo) que armavam um mastro sustentado por brandais fixos, com vela quadrangular/retangular, com rizes, pendente de uma verga horizontal e governados por um leme de “espadela” fixo na alheta de estibordo da embarcação e por vezes nos dois bordos, (1) era:

  • Primeiro construía-se uma espécie de “concha” como casco, (em tabuado trincado), com as tábuas ligadas com cavilhas (de madeira ou de ferro);
  • Depois de acabado o casco, seguia-se o reforço interno do mesmo através de longarinas e pseudo cavernas com os respetivos braços que iam tornar a embarcação mais resistente.

As embarcações mais conhecidas provenientes deste método de construção são a “Coca” a “Barca Nórdica” e o “Drakkar”. Este método ficou conhecido com o nome de “Clinker built”.

(1) No início do século XIII aparece o leme axial (centrado na popa) que veio substituir o leme de “espadela” tornando-se universal durante o séc. XIV.

um Drakkar.png

Um “Drakkar” viking no mar do Norte

No Mediterrâneo a construção das embarcações era efectuada de um modo diferente. As embarcações eram mais esguias e a secção a meia-nau tinha a forma de um V tornando-se mais esguia e afilada no sentido da proa e mais larga e abaulada no sentido da popa. Os navios com comprimento superior a 20 metros eram normalmente de casco duplo (forro exterior e forro interior) de modo a tornar mais resistente a “querena”, bem como tinham “vaos” salientes do costado. Desde muito cedo usaram aparelho latino constituído por um mastro colocado a meia-nau da embarcação e sustentado por ovéns e brandais volantes, uma vela latina e uma verga normalmente constituída por duas partes ligadas e sobrepostas uma á outra e que trabalhava no mastro no sentido proa/popa, onde a vela latina era envergada. Estas embarcações também podiam ter aparelho redondo, conforme o número de mastros (p.e. as galeras romanas movidas a remo e que tinham como auxiliar uma vela de pendão retangular usada conforme as necessidades) ou um aparelho misto (redondo e latino como por exemplo as naus e a caravela redonda).

O método usado na construção destas embarcações era:

  • Primeiramente era feito no estaleiro a construção da estrutura básica da embarcação constituída por uma quilha as balizas e as rodas de proa e de popa (espinha e costelas da embarcação);
  • Esta estrutura era depois coberta por tábuas, que constituam o costado da embarcação e que eram colocadas assentes na estrutura já existente, não sobrepostas mas sim encostadas topo a topo constituindo assim um “casco liso”.

Este método ficou conhecido como “Carvel (2) built”.

(2) Segundo o dicionário de Inglês/Português que eu mais uso, o “Comprehensive Technical Dictionary” de Lewis L. Sell, edição de 1953, o verbete para a palavra Inglesa “Carvel” diz o seguinte:

“CARVEL-BUILT; CARVEL-PLANKED, de construção com malhetes; liso// CARVEL-BUILT BOAT, escaler de costado liso// CARVEL-WORK, construção com malhetes”

e

“CARAVEL, caravela”.

Por outro lado, o dicionário do Comandante Marques Esparteiro de temas Ingleses Náuticos, edição de 1974, tem uma entrada que traduz CARVEL pelos mesmos significados do dicionário Sell e uma outra isolada que dá como significado Caravela.

Após algum debate com especialistas de História Náutica concluiu-se que uma coisa é CARVEL e outra coisa é CARAVEL e que CARVEL é um método de construção em casco liso e CARAVEL, é uma embarcação que, por acaso, usa esse método. Portanto a tradução direta de CARVEL como caravela só é aceitável quando estiver dentro desse contexto.  

Caravela réplica.jpg

Réplica atual de uma Caravela de dois mastros

 

7.4.1 – Tercenas, Ribeiras e Estaleiros

Tercena, tarcena ou taracena são palavras que, embora tenham origens diferentes, entraram no português com o mesmo significado de edifícios onde se guardavam as galés e que por vezes poderiam servir para a execução de pequenas reparações. Mas não tinham a função de estaleiros de construção naval que era feita nas praias onde houvesse espaço suficiente para montar uma embarcação de tamanho médio, espaços esses que até inícios do séc. XIV tinham o nome de “ribeiras” e a partir dessa altura ganharam o nome de “estaleiros” sendo já estruturas maiores onde se construíam “navios” e se guardavam as madeiras necessárias para a sua construção. O cronista Fernão Lopes usa pela primeira vez a palavra “stalleiro” na “Crónica de D. João I”.

Terecenas Régias.jpg

Reconstituição das Tercenas régias de Lisboa: com ampliação de quatro naves (à esquerda) durante o reinado de D. Afonso IV (c. 1355)

Ilustração de Nuno Fonseca

“As Tercenas Régias de Lisboa: D. Dinis a D. Fernando”

Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca

 

A primeira referência documental à existência de tercenas régias em Lisboa, apenas surge no reinado de D. Dinis, em 1294, quando são referidas umas Casas das Galés pertencentes à Coroa, no contrato para a construção da muralha da Ribeira celebrado entre D. Dinis e o concelho.

Drassanes Reials.png

As “Drassanes Reials” de Barcelona (no século XX), que integram o Museu Marítimo de Barcelona

“As Tercenas Régias de Lisboa: D. Dinis a D. Fernando”

Manuel Fialho Silva e Nuno Fonseca

Ao longo de todo o litoral do País, em quase todos os portos e nas fozes de rios, existiram ribeiras e estaleiros, uns mais famosos do que outros mas todos eles a produzirem embarcações, uns mais viradas para a pesca e cabotagem e outros mais para navios de longo curso. Os principais eram os seguintes:

 

Litoral NorteCaminha, Valença, Viana do Castelo, Esposende, Vila do Conde, Zurara, Pindelo, Estuário do Douro e Aveiro;

Litoral CentroBuarcos, Mondego, Foz do rio Liz e Vieira, Paredes, Portos de Alcobaça, Pederneira, S. Martinho de Salir, S. Martinho do Porto, Alfeizerão, Peniche e Atouguia da Baleira, Lourinhã, Lisboa (estaleiro da Ribeira das Naus com tercenas) e Estuário do Tejo;

Estuário do Sado e Costa AlentejanaSesimbra, Setúbal, Alcácer do Sal, Vila Nova de Mil Fontes e Odemira;

Costa AlgarviaLagos, Portimão, Faro e Tavira (com tercenas).

 

Depois, espalhados ao longo da costa e nas fozes de rios menores, existiam uma série de ribeiras esporádicas onde eram construídas embarcações para uso local.

 

7.4.2 - Os Carpinteiros e os Calafates

Para se exercer a profissão de carpinteiro naval e de calafate era exigido um exame que de início era feito perante um representante do rei e já no fim do séc. XIV era feito nos estaleiros na presença de um “mestre de carpintaria” que lhes fazia um exame e lhes passava uma certidão comprovativa que permitia a nomeação por alvará régio.

Também existia um “mestre de calafates”, pelo menos desde 1395. Em 1492 trabalhavam na “Ribeira das Naus” em Lisboa entre 100 a 300 carpinteiros navais e em 1503 um total de 200 calafates-

Também uma terceira profissão aparece mencionada, em relação às galés, como “petintais” que eram, ao mesmo tempo carpinteiros e calafates. Este ofício que estava associado às galés começou a extinguir-se no séc. XV com a diminuição do número de galés.

 

7.4.3 - Os Materiais de Construção

 

Eram variados os materiais usados na construção das embarcações. Embora o grosso das madeiras usadas na construção naval fosse na sua maioria cortada no reino muitos dos materiais também usados nessa construção eram importados. Estas importações eram isentas de taxas quando se destinavam á construção de naus com mais de 100 toneis, segundo carta régia de 1474 que nomeia os materiais isentos: “ não paguem dízima nem portagem de nenhuns tabuados, madeiras, liança, aparelhos, fio lavrado nem por lavrar, breu, resina, estopa, ferro, pregadura, qualquer pano para velas, âncoras, bombardas, pólvora, mastros, vergas, lanças, armas, gorguzes (1) e quaisquer outras coisas que sejam necessárias.

Na alfândega de Vila do Conde, à data, estão indicadas oito espécies de aprestos marítimos e de materiais que também eram normalmente importados: cabres (2), tomento (3), remos, guindaresas (4), bóias, adriças, vergas e polés (5).

(1) – Armas de arremesso, em forma de seta, que eram atiradas com uma espécie de “besta”.

(2) – Cabo mais grosso que o normal.

(3) – Parte sedosa e áspera da planta do linho.

(4) - Cabo que servia para laborar os guindastes antigos feitos com rodas de madeira.

(5) – Peça formada por dois moitões no prolongamento um do outro.

 

A proveniência principal era da Flandres e de Ruão. Os cabres vinham de La Rochelle e as bóias vinham da Irlanda. Outros materiais tais como alcatrão (de Londres, Flandres e Irlanda), fio (da Flandres, Galway e Ruão), breu (de Londres, Manga e Flandres), sebo (de Cardiff) e cordas (de Ruão). O ferro, era proveniente da Biscaia e da Flandres.

Também se importava madeira em especial para os mastros. As restantes partes do navio (cavername e forros) eram, segundo Fernando Oliveira construídas em madeira dura, o cavername (sobro ou na sua ausência podia ser azinho ou carrasco) e madeira branda, no tabuado (pinheiro-manso) O pinheiro bravo não servia para o tabuado porque é muito seco e apodrece em contacto com a água. Só é usado nas obras mortas em vergas, mastros e outras peças que requeiram madeira leve, branda e sem nós.

Apesar de Fernando Oliveira ter uma opinião negativa sobre o carvalho na construção naval, ele foi frequentemente utilizado principalmente nos estaleiros de Viana e Vila do Conde, região onde era abundante.

O pinho seria proveniente do pinhal de Leiria (embora hoje seja composto de pinho bravo – o que resta dele -  e D. Diniz não o tenha mandado plantar para esse efeito mas sim para criar uma defesa contra o avanço das areias), mas também das matas de Alcobaça, do Ribatejo e do pinhal de Alcácer. Mas a determinada altura, esta madeira começou a escassear e houve necessidade de recorrer à importação

As velas eram feitas de algodão importado do Oriente e de Génova, de lonas “Vitres” e “Pondavis” (de Vitré e de Pouldavy - Bretanha, França). O pano de “Treu” de linho, que era tecido no norte do país (Vila do Conde e outros lugares de Entre o Douro e Minho) tinha uma aplicação especial nas velas latinas e foi reforçado por alvará de 1556 tendo passado de 6 ou 7 cabrestilhos para 9 ou 10 (1 cabrestilho era formado por 24 fios) e em 1377 já tinha sido determinado que a largura deste pano deveria ser de “um palmo e dous dedos” (+/- 27cm)

O esparto, (uma gramínea perene) cultivada no noroeste da África e na parte sul da Península Ibérica era empregado no artesanato (cordas, cestos, alpercatas, etc.), existia em abundância no Algarve e, a certa altura do séc. XVI começou a rarear, tendo sido necessário importá-lo dos países nórdicos e da Espanha.

Os pregos que eram usados foram maioritariamente importados da Biscaia pois os pregos nacionais eram considerados como sendo de má qualidade. Tinham diversas designações tais como de “telhado”, “meio-telhado” “sátia” e “contares”. Uma carta de quitação relativa ao material que entrou e saiu no Armazém da Guiné entre 1480 e 1487 indica «… de pregaduras de telhado, 203.300; e de pregos de costados de caravelas, 310.246 …e de pregos de embraçar e cintar, 55.900 … e de pregos de rumo e meio telhado 5.450 … e de pregos estopares, 170.750 … e de pregos de meio telhado 12.300 …».

Santa paciencia para contar os pregos um a um!

 

Bibliografia consultada para este sector:

 

  • “Notas sobre a Tecnologia de Construção Naval nos Estaleiros Navais Portugueses do Século XVI” Paper

Carvalho, Carla; Fonseca, Nuno; Castro, Filipe Vieira de

  • “A Arqueologia Naval Portuguesa (Séculos XIII-XVI)

Martins, Adolfo A. Silveira

  • “Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499”

Pedrosa, Fernando Gomes

  • “Construção Naval em Madeira – Arte, Técnica e Património”

Câmara Municipal, de Vila do Conde

Actas do Congresso Internacional

  • “As Tercenas Régias de Lisboa: D. Dinis a D. Fernando”

Silva, Manuel Fialho; Fonseca, Nuno (Ilustrações)

Actas XV Simpósio de História Marítima

 

 

E por hoje é tudo

 

(continua)

 

 

Bons ventos e …

Um abraço

 

 

 

 

 

 

 

 

26.04.23

76 – Modelismo Naval 7.3.8 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg

 

(continuação)

Caros amigos

 

Barca dos Descobrimentos.jpg

A “Barca” dos Descobrimentos?

7 -Tecnologia Nautica no Início dos Descobrimentos – Meados do século XV

Em 1433, ano da viagem frustrada de Gil Eanes ao Bojador para o ultrapassar, viagem essa que não passou das Canárias, a aventura das Descobertas tinha só começado havia 13 anos, em 1419 – não atendendo à data “oficial” das Descobertas como sendo a da tomada de Ceuta em 1415 vamos oficiosamente avança-la para a data mais aceitável de 1419, quando os Portugueses puseram as “boots on the ground” (independentemente de já terem sido feitas outras navegações anteriores).

Esta é data em que, ao que consta, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a ilha do Porto Santo e no ano seguinte em 1420, com base na ilha do Porto Santo onde se encontravam na primeira acção de povoamento em conjunto com Bartolomeu Perestrelo, descobriram a Ilha da Madeira, havendo quem diga que Bartolomeu Perestrelo não esteve presente pois tinha regressado a Portugal.

Barinel dos Descobrimentos.png

“O Barinel” dos Descobrimentos?

Portanto, os Descobrimentos tal como os entendemos, tinham só 13 anos de idade à data da passagem do Cabo Bojador em 1434.

Um outro dado a reter é que, antes de se passar o Cabo Bojador, em direcção ao Sul, houve que resolver anteriormente uma outra situação que era a do Cabo Não, um obstáculo que só foi ultrapassado pelos Portugueses em 1422 por razões náuticas mas, principalmente por razões psicológicas tendo em conta o ambiente de crendice no sobrenatural existente na época medieval, com forte influência no meio marítimo. Por fim foi passado o Cabo Não, por alguém não identificado mas logo a seguir apareceu um outro cabo, o Cabo Bojador que apresentava os mesmos problemas sobrenaturais que foram transferidos do Cabo Não mas acrescidos, agora sim, de um problema difícil de resolver que tinha duas situações náuticas na sua base.

Uma primeira tinha a ver com a necessidade das embarcações rumarem a Oeste durante algum tempo para ultrapassarem os baixios que se apresentavam á frente da projecção do cabo no mar alto, também para Oeste, e por isso corria-se o risco de perder a costa de vista o que na altura era considerado problemático pois toda a navegação tinha como base a costa à vista.

Caravela dos Descobrimentos.jpg

A “Caravela” dos Descobrimentos

 

Uma segunda era relacionada com o aparelho velico das embarcações que, na altura eram, como se pode depreender das informações dadas por Zurara na sua “Crónica de Guiné” “barcas”. Só assim, “barcas” fosse lá que tipo de embarcação fosse na altura! Sendo de pano redondo, segundo o que se sabia e a interpretação da maioria dos historiadores talvez por “simpatia”, teriam muita dificuldade em voltar para trás rumando contra os ventos dominantes.

Durante doze anos foram feitas 14 ou 15 tentativas por vários marinheiros para passar o Cabo Bojador a mando do Infante D. Henrique, sempre sem sucesso.

Gil Eanes à primeira tentativa em 1434 – sim, a primeira, porque a anterior de 1433, nem sequer a tentou segundo informação de Zurara, tendo-se ficado pelas Canárias e voltado para Lagos, por qualquer razão obscura que Zurara não esclarece – consegue passar para o outro lado do Cabo, ir a terra, colher um barril de “Rosas de Santa Maria” e voltar para Lagos, rumo a Norte, donde vinham os ventos dominantes. É obra!

O Almirante Gago Coutinho, um digno explorador e sabedor destas coisas de navegação nos Descobrimentos, defendeu que Gil Eanes regressou pela Volta do Mar, inaugurando assim uma série de itinerários que foram tomando vários nomes (Volta da Mina, Volta da Guiné, Volta da Índia) que consistia no aproveitamento dos ventos dos Açores que correm de Oeste para a costa portuguesa tendo a sorte o ter conseguido descolar da Costa de África (zona do Bojador) para Oeste com ventos dominantes N-S, não sabendo até onde e também não sabendo onde se situava e até se existia vento que o pudesse levar até Oeste dos Açores para apanhar os ventos que o empurrariam para Este em direção a Lagos.

De facto os Açores já estavam descobertos (ou redescobertos) desde 1427 e colonizados desde 1431. Mas tenho dúvidas que Gil Eanes já soubesse alguma coisa deste regime dos ventos no Arquipélago dos Açores.

Poderá ter sido assim? Poderá. Mas também poderá ter sido de outra maneira.

Entendendo por “Tecnologia Nautica” o conjunto de técnicas e de práticas ligadas à navegação e construção das embarcações, no início dos Descobrimentos a tecnologia existente nessa altura – independentemente de outras influências, por exemplo dos países nórdicos – estava fortemente marcada pelos saberes do Mediterrâneo, já adaptados às necessidades da navegação no Atlântico Mediterrânico mas ainda necessitando de outros ajustes para se poder navegar no grande “Mar Oceano”, sendo esse o objectivo principal – a navegação para o Sul em direcção ao Oriente.

 

7.1 – Tecnologia Náutica c.1434

Na data atrás referenciada, já os portugueses navegavam no chamado Atlântico Mediterrânico e no Mar Mediterrânico. Estas viagens permitiram o contacto com os navegadores Italianos (Sicilianos Genoveses e Venezianos) bem como com o Norte de África que, em conjunto com a própria experiência de navegação, permitiu o acumular de uma soma de conhecimentos ligados quer à navegação quer à construção de barcos de tipos específicos a que se somava toda a experiência já obtida na navegação Atlântica para e desde a costa Ocidental/ Norte da Europa, bem como rumo ao Sul ao longo da costa Noroeste de África até ao Cabo Bojador, obstáculo ainda não ultrapassado por questões técnicas de navegação bem como pelos “medos” herdados da época medieval. Nesta altura a navegação era feita á vista da costa por rumo e estima de distâncias.

 

7.1.1 – Instrumentos de Navegação

Da variada panóplia de instrumentos hoje existentes só muito poucos existiam nesta época pois, a simplicidade (embora pouco rigorosa) da navegação, não exigia muito mais. Até um dia!

 

Prumo de mão 

Prumo de Mão.jpg

Prumo de Mão

Encontrado no Galeão Sacramento do séc. XVII

Museu Naval, Rio de Janeiro

O “prumo de mão” foi seguramente dos primeiros instrumentos a aparecerem como auxiliares de navegação – talvez mais propriamente a “vara” de madeira ou de cana, da qual os marinheiros se serviriam para “apalpar” o fundo do mar em pequenas profundidades – prumo de mão esse que é constituído por um peso, na altura de pedra, mais tarde de metal (chumbo ou ferro) atado na ponta de um cabo com um comprimento adequado á função e que era lançado ao lado da embarcação e “media” a profundidade. Muito possivelmente os primeiros foram “calhaus não rolados” tendo possivelmente depois, com base no uso prático, sido esculpidos em forma de tronco de cone e furados no topo para passagem do cabo.

Mais tarde, talvez ainda no advento dos prumos de pedra mas mais no tempo dos prumos de metal, estes eram escavados na base formando uma cavidade que era preenchida com um material moldável e pegajoso (talvez sebo ou outra gordura moldável e insolúvel) que, ao ser puxado para bordo trazia consigo, colada, uma “amostra” do tipo de fundo existente na área – areia, lodo, conchas, ou rocha – o último determinado pela ausência de quaisquer detritos. Isto permitia a escolha de um fundo para ancoragem no qual as âncoras fizesse melhor fixe e não garrassem.

É um instrumento que já aparece referenciado numa notícia de Heródoto (484-420 BCE) a propósito de uma sondagem efectuada no Mediterrâneo, nas proximidades do delta do Nilo.

Ainda hoje, em algumas embarcações atuais, se poderão encontrar prumos de mão, aí presentes para poderem ser usados na eventualidade de falha das novas tecnologias. Marinheiros de pouca Fé!

Este era seguramente um instrumento que se encontrava na “Barca de Gil Eanes”.

(Fonte: “Medir Estrelas” – António Estácio dos Reis p. 21)

 Ampulheta

Ampulheta 30 minutos.jpg

Ampulheta de 30 minutos ou “relógio” na linguagem de bordo, durante os Descobrimentos.

O tempo passa ao ritmo da areia, é o que se pode dizer quando é medido com ampulheta, instrumento que foi usado a bordo dos navios dos Descobrimento para medir o tempo.

Era um instrumento pouco fiável no que diz respeito à contagem do tempo pois o orifício de passagem da areia de um depósito para o outro com o tempo alargava com o atrito e a ampulheta “andava” mais depressa. Mas este era um problema que se levantava em termos de navegação astronómica, coisa que não preocupou Gil Eanes nesta viagem.

No entanto deve ter sido um instrumento a bordo da Barca de Gil Eanes pois a sua utilização também era a de determinar o tempo de duração dos quartos de vigia para rendição dos tripulantes de serviço e neste caso, havia a tentação de virar a ampulheta antes de esgotar completamente a areia encurtando assim o tempo de vigia.

Muito provavelmente este instrumento (talvez mais do que um) viajou com Gil Eanes.

(Fonte: “Medir Estrelas” – Estácio dos Reis p. 24)

Agulha de Marear 

 

Agulha de Marear séc. XVIII.jpg

Agulha de Marear – séc. XVIII

Feita na Real Fábrica do Trem do Rio de Janeiro. 1790. Museu de Marinha, Lisboa

A “Agulha de Marear” ou bússola – da qual pouco se sabe do seu aparecimento – pode ter sido inventada por um filho do “Império do Meio” há pelo menos 2000 ou 3000 anos desta data. Basicamente deve ter sido, no seu início, constituída por um pedaço de arame de ferro “cevado” com uma pedra chamada magnetite (magnetizado) que era posto num estreito tronco de bambu e colocado a flutuar num recipiente com água.

O seu uso a bordo das embarcações, segundo reza a história, ficou-se a dever a um napolitano que modificou a bússola por volta de 1302, ligando o ferro a uma rosa-dos-ventos, ficando assim independente do movimento das embarcações.

As rosas de ventos na Grécia antiga (Torre dos Ventos em Atenas) começaram por ter dois ventos (rumos) que evoluíram até aos doze rumos, passando, na primeira metade do século XVI, a ostentarem dezasseis rumos.

Em 1367, na Carta Portulano dos irmãos Pizzigani já se encontra traçada uma rosa-dos-ventos na sua forma atualmente conhecida de trinta e dois rumos traçado esse que nos tem orientado até hoje. O rumo Norte era identificado pelo desenho de uma Flor de Liz e o Este era identificado pelo desenho de uma Cruz. Os rumos entre si distam 11֯ e 15’ (uma Quarta).

A agulha de marear não indica diretamente o Norte Geográfico mas sim o Norte Magnético tendo a sua leitura que ser compensada pelo valor da Declinação Magnética que vai variando ao longo dos anos e dos locais do planeta. Esta situação só foi descoberta na segunda metade do século XV, já depois da viagem da Barca de Gil Eanes.

Apesar de ser, na altura, um instrumento um pouco “desnorteado”, esteve seguramente presente nesta viagem já que, Gil Eanes partiu de Lagos em direção ao Bojador, contornou-o, deu a volta e voltou a Lagos, aparentemente sem grandes problemas. Até porque a navegação que se fazia de momento, era de Rumo e Estima o que exigia uma Agulha de Marear.

São estes os instrumentos possíveis de elencar como usados por Gil Eanes. Todos os outros inventados ou adaptados de já existentes para outros usos, só apareceram mais tarde com o advento da navegação astronómica que só começou a ser praticada pelos portugueses não se sabe bem quando e essa data é origem de forte controvérsia em Portugal (Almirante Gago Coutinho, Comandante Teixeira da Mota, Comandante Quirino da Fonseca, etc.) e internacionalmente (Portugal, Espanha, Itália, Brasil, etc.). Há quem defenda que só foi depois da morte do Infante D. Henrique, que não se podem considerar como observações astronómicas náuticas as que foram feitas em terra, embora integradas em expedições navais, ou que foram iniciadas em meados do século XV (c.1450).

De qualquer forma sabe-se que não foi antes da “Barca de Gil Eanes” ultrapassar o Cabo Bojador em 1434.

(Fonte: “Medir Estrelas” – Estácio dos Reis p. 30)

 

7.2 – Cartografia

A navegação era, no tempo de Gil Eanes, feita basicamente com Carta e Bússola (ao que se chamava Rumo e Estima) e, acessoriamente, se e quando necessário, com o recurso ao Prumo de Mão, principalmente em manobras de fundear e que fornecia dados de profundidade do mar.

Este método foi desenvolvido nas águas do Mediterrâneo e consequentemente também passaram para o Atlântico Mediterrâneo onde se foi, quando e se necessário, adaptando às condições do novo mar e, também com o início dos Descobrimentos Portugueses passaram a ser integradas no conhecimento, a maioria das vezes empírico, dos marinheiros acompanhando-os em direcção ao Sul.

Durante a primeira metade do século XV, quando os Portugueses iniciaram as viagens de descoberta e exploração da costa do Noroeste de África, estava em pleno uso o método de Rumo e Estima para determinar o posicionamento de uma embarcação numa Carta Portulano cruzando a distância estimada do percurso efectuado com o rumo, com base na agulha de marear.

Era um método meio certo e meio errado, já que o rumo tinha como base a indicação da agulha de marear, cujo Norte é o magnético (pondo de lado o erro da declinação que, na altura, nem se sabia o que isso era) e um ponto no cruzamento com a distância percorrida que era determinada pela experiência e fantasia do piloto. Era o chamado “Ponto de Fantasia”. Podia bater certo mas teria sempre um erro de precisão que, em viagens curtas e à vista da costa não teria grande importância (caso do Mediterrâneo) ou, ao contrário, podia levar a que o navio se perdesse por acumulação de erros, em viagens de alto-mar sem vista da costa (caso das viagens no Mar Oceano).

Só com o advento dos Instrumentos astronómicos (Quadrante, Astrolábio, etc.) é que se conseguiu determinar a latitude que passou a ser introduzida no Portulano, em conjunto com o rumo e com a estima da distância “fantasiada” pelo piloto. Conseguia-se assim uma maior aproximação à realidade, com o senão de que se continuava a trabalhar com cartas portulano que tinham sido desenhadas com base em distâncias estimadas e rumos magnéticos que, ao lhe serem aplicadas escalas de latitude, se revelaram necessitadas de adaptação geométrica.

 

Portulano-Época Descobrimentos.png

Carta Náutica Portuguesa 

Esta Carta é uma “Carta Portulano” que mantem as “loxodrómicas” (loxodrómica é a linha que, à superfície da Terra, faz um ângulo constante com todos os meridianos, que nesta carta estão representadas pela “teia de aranha” formada pelas diferentes linhas que saem dos diferentes Rumos das Rosas dos Ventos e se cruzam entre si), à qual foi aplicada uma escala de latitudes passando a ser, tecnicamente, uma “Carta Náutica”. (Carta de Latitudes?)

Biblioteca Estense, Modena

Portulanos

O “Portulano” aparece pela primeira vez com o “Périplo do Mar Eritreu” possivelmente no séc. V BCE e era um conjunto de orientações técnicas escritas sobre a navegação no Oceano Índico Ocidental.

Para o Mediterrâneo, aparece o primeiro “Portulano” no séc. I CE (alguns fragmentos do “Périplo do Mar Interior”) e por volta do séc. XIII aparece um roteiro chamado “II Compasso da Navegare”.

Na realidade, estes Portulanos não o eram no conceito que hoje lhes damos pois eram documentos escritos com instruções de navegação e outras. Hoje, a este tipo de instruções damos o nome de “Roteiros” (que ainda são editados em muitos países do Mundo, essencialmente para navegação costeira).

Com a generalização da “Agulha de Marear” os Portulanos (Roteiros) passaram a incluir informação sobre os rumos magnéticos e as distâncias entre os portos das principais rotas.

O passo seguinte terá sido o desenho das costas e dessas rotas visualizando graficamente o que estava escrito, passando a haver um mapa que acompanhava as instruções escritas. Um pouco como os Mapas Turísticos de hoje. E também a cores. Mas sem publicidade!

É interessante como esta prática se manteve até hoje, embora hoje as Cartas Náuticas e os Roteiros apareçam separadamente, por vezes editados por entidades diferentes mas, em Portugal, foi uma prática que, ao ser adoptada, segundo dizem possivelmente por iniciativa do Infante D. Henrique, depois da passagem do Cabo Bojador, quando a informação começava a ser muita e se apresentou a necessidade de haver uma forma de a arrumar compreensivelmente, se estendeu até hoje.

A prova de que essa organização da informação ligada à navegação se manteve é, por exemplo, o “Regimento de Pilotos e Roteiro das Navegações da Índia Oriental “editado em 1642, já em pleno século XVII, pelo Cosmógrafo Real, em Lisboa.

Roteiro_Capa.jpg

Capa do “Regimento de Pilotos e Roteiro das Navegações da Índia Oriental “

editado em 1642, já em pleno século XVII

 

Roteiro_Texto.jpg

Uma folha do mesmo Roteiro anterior com instruções a seguir para entrar nos portos do Porto e de Aveiro com os devidos cuidados.

 

Roteiro_Carta.jpg

Do mesmo roteiro, a “carta portulano” das barras do Porto (à esquerda) e de Aveiro (à direita), em que estão referenciados os rumos com base numa Rosa dos Ventos de 16 rumos (o Norte é assinalado por uma Flor do Liz do lado esquerdo da rosa) e ao longo dos rumos e espalhados pelo mar encontram-se as profundidades encontradas em cada um dos possíveis percursos.

O roteiro português mais antigo que se conhece é o que foi transcrito no manuscrito de Valentim Fernandes e que se supõe ser ainda do séc. XV, segundo o Comandante Fontoura da Costa. O roteiro começa com a frase «Este livro he de rotear…»

Esta divagação sobre Roteiros e Portulanos, não se enquadra na “Barca de Gil Eanes”, pois ele não usou nenhum roteiro escrito, que ainda não havia, embora deva ter usado uma espécie de  Portulano com as rotas já percorridas até à data de 1433. Possivelmente o “roteiro” era “oral” e terá sido obtido em conversa com outros navegantes (e deviam de ter sido muitos, pelo menos 14) que já tinham feito aquela viagem.

Carta Pisana.png

Carta Pisana – a mais antiga carta portulano ainda preservada (já em mau estado), datada dos finais do séc. XIII. Atualmente pertence à coleção da Biblioteca Nacional em Paris

A “Carta Portulano” aparece primeiramente no Mediterrâneo e baseia-se no processo de navegação chamado de “rumo e estima” em que eram seguidas as linhas que saiam dos diferentes rumos da agulha de marear e a distância percorrida era “estimada”.

As cartas eram desenhadas sobre pergaminho, que foi o único material encontrado até hoje neste tipo de cartas. Os dados para o desenho das costas eram os que constavam dos roteiros e/ou os que eram fornecidos pelos navegantes.

A carta era iniciada pelo traçado da “teia” das linhas de rumo que saiam das Rosas-dos-ventos existentes pelo menos uma central, por vezes mais duas laterais e por vezes algumas mais e depois era traçada a linha da costa a que a carta dizia respeito.

Portugal teve uma forte contribuição com cartógrafos para a feitura das mais bem elaboradas cartas no mundo dos Descobrimentos, cartas essas hoje conhecidas graças ao facto de terem sido elaboradas para deleite e contemplação e por isso conservadas de geração em geração nas famílias e depois preservadas em museus.

Essas cartas nunca foram usadas a bordo. A sua feitura devia de repousar nas informações dos navegantes passadas aos cartógrafos que depois as “desenhavam” e embelezavam consoante a sua inspiração e destinavam-se às classes possidentes que, muito possivelmente as tinham encomendado para deleite próprio ou para oferta de agrado a outras pessoas. Estas foram as que passaram para a posteridade.

É com certeza verdade que os pilotos e os capitães das embarcações necessitavam, para facilitar as viagens, da informação anterior das mesmas, quando a havia. Mas também é certo que as cartas desenhadas pelos cartógrafos, em termos de informação útil só a davam a “traços largos” já que os “traços finos” desapareciam no emaranhado de informação.

Ao contrário dos “Roteiros” a informação útil destas cartas era bastante menor. Possivelmente os pilotos a bordo tentavam fazer esboços para seu uso pessoal, que lhes fossem úteis para a navegação e possivelmente faziam-no a um pormenor bastante fino que não era possível transferir posteriormente para as grandes cartas elaboradas nas “oficinas” de cartografia, por falta de espaço útil nessas mesmas cartas.

Estes desenhos de base do pessoal navegante naturalmente não seriam mais do que esboços e o material de suporte não seria impermeável à água salgada e à degradação pelo salitre. Seria com certeza pergaminho de baixa qualidade. Por isso desapareceram!

Existe um problema com um possível portulano que pudesse existir com base em todas as viagens realizadas pelos diferentes navegadores do Infante até ao Cabo Bojador, anteriores a 1433.

O livro “Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499”, no capítulo II com o título de “Tábuas, Cartas e Roteiros” da autoria de Inácio Guerreiro ao falar das Cartas, no ponto 2.1, pág. 286, diz o seguinte: (cópia directa do livro)

NMAN 1.jpg

 

NMAN 2.jpg

Se as conclusões são estas, que o Infante D. Henrique só iniciou a elaboração de uma Carta Portulano que abrangesse a descida da Costa Ocidental de África em 1443 segundo uma carta privilégio mandada passar por D. Pedro, Regente do Reino em nome de seu sobrinho D. Afonso, carta essa posteriormente corrigida em menos 400 léguas em 1446, segundo Zurara, então Gil Eanes em 1434 passou o Bojador só com informações verbais, sem portulano algum. E de facto, só a partir da passagem do Bojador é que começou a haver o cuidado de cartografar o que era descoberto.

 

Resumindo

Gil Eanes, na sua Barca, quando passou o Cabo Bojador, deveria de levar com ele os seguintes instrumentos de apoio à navegação: um ou vários Prumos de Mão, uma ou várias Ampulhetas, uma ou duas Agulhas de Marear e, quanto muito um Esboço da Costa e uma Mão Cheia de Informações Orais prestadas pelos navegadores anteriores a ele pois, conjugando as anteriores informações, seria o que estava disponível. Possivelmente também levava um Piloto já conhecedor da rota até ao Cabo Bojador.

 

 

Quatro Cartas Portulano elaboradas a partir do meio do século XV até finais do mesmo século, que já contêm informação sobre as viagens no Atlântico, efectuadas pelos Portugueses.

 

1 – 1448 – Andrea Bianco

Carta 1-Andrea Bianco - 1448.jpg

Carta de Andrea Bianco de 1448

É a primeira representação cartográfica dos descobrimentos geográficos portugueses para além do Bojador.

Biblioteca Ambrosina, Milão

2 – 1471 – Anónimo

Carta 2- Anonimo - c. 1471.jpg

Carta Náutica Portuguesa de c. 1471.

Estudada por Fontoura da Costa numa edição da Agência-Geral das Colónias de 1940, esta carta anónima foi a primeira das três cartas quatrocentistas portuguesas de que houve conhecimeno em Portugal apenas a partir de 1938

Biblioteca Estense, Modena

3 – 1483 – Pedro Reinel

Carta 3- Pedro Reinel - 1483.jpg.png

"Pedro Reinel me fez": Portulano de Pedro Reinel (c. 1483), actualmente nos “Arquives Departementales de la Gironde”, em Bordeaux.

 

 4 – 1492 – Jorge de Aguiar

Carta 4 - Jorge Aguiar 1492.jpg

Carta Náutica de Jorge Aguiar de 1492

É a única carta portuguesa conhecida do século XV que tem uma legenda de autor com a data em que foi desenhada. A sua existência nos Estados Unidos da América foi revelada em Coimbra em 1968.

Beinecke Rare Book and Manuscript Library, Yale University

“Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499” Inácio Guerreiro

E por agora é tudo.

 

Um abraço e...

Bons Ventos

 

(continua)

 

 

17.04.23

75 – Modelismo Naval 7.3.7 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg

(Continuação)

Caros amigos

 

6.2.3 – O “Bojador” 2

Vejamos agora qual é o “Estado da Arte” no que diz respeito às ajudas á navegação, no que toca á informação disponível sobre a situação meteorológica geral e sobre a oceanografia (correntes, profundidades, escolhos, etc.), também de uma forma geral.

 

Elementos Meteorológicos e Oceanográficos atuais

 

Os dados que são apresentados nos mapas seguintes, foram colhidos do site cuja morada é a que indico abaixo: para determinadas zonas 

Site ”heart”: https://earth.nullschool.net/pt/

que qualquer um pode consultar, se tiver um telemóvel (ou computador), em qualquer ponto do Globo e apresentam os valores para os ventos e correntes não ao minuto mas sim quase ao segundo. Seria uma boa “Ajuda à Navegação” para Gil Eanes – mas ele não tinha Tm.

 

Condições em 03/04/2023  

 

Circulação Atmosférica

1-Atlantico Norte (1).jpg

1 – Atlântico Norte – Circulação Atmosférica na zona que abrange o Cabo Bojador

1 - O ar marítimo, (tendo como referência o ponto vermelho ao Sul de Portugal, que se encontra no canto superior direito do mapa acima, situado na Costa Ocidental de África e que tem as coordenadas aproximadas do Bojador), circula essencialmente do Norte para o Sul descendo quase ao sul de África com três ramificações a saber:

  1. Uma, por alturas das Canárias que deriva nitidamente para uma direção de Este para Oeste que se prolonga até às costas das Caraíbas/América Central;
  2. Outra, continua de Norte para Sul até às paragens do Arquipélago de Cabo Verde, onde sofre uma divisão em dois ramos, continuando um para o Sul e;
  3. O outro toma a direcção de Este para Oeste até às costas do Brasil derivando depois para Noroeste onde se volta a encontrar com o ramo referido em 1 por alturas da Florida.

 

 

Regime de Ventos

2 - Atlântico Norte (1).jpg

2 – Costa Noroeste de África – Canárias/Bojador – Sentido dos Ventos Marítimos, N/S e do Vento do Sahara E/O

 

2 -Devemos atender que a navegação de Gil Eanes era a mais arrimada possível à costa pois, numa altura em que se navegava por conhecenças, o perder a visão da costa era problemático.

Esta opção restringia a fuga de alguns perigos, que por vezes afloravam no mar (visíveis mas por vezes detectados só muito perto para se poderem evitar) que podiam levar à perda dos navios.

Neste caso, os navegantes deviam passar as Canárias por dentro ou seja entre o arquipélago e a costa de África onde o regime de ventos era do Norte para o Sul, que aceleravam canalizados entre o arquipélago e a costa. Para baixo todos os santos ajudam mas podiam “ajudar” demais.

E esta predominância do sentido Norte-Sul nos ventos junto à costa dificultava em muito o “regresso a casa”, pelo menos enquanto os navios tivessem só “aparelho redondo”

 

 

3-Atlântico Norte.jpg

3 – Costa Noroeste de África – Canárias/Bojador –  Sentido dos Ventos  Predominantes – NNE/SSO e ENE/OSO

3 - A passagem por fora das Canárias era na altura impensável embora fosse possível, mas os navios sujeitavam-se a ser arrastados para onde não queriam ir e perderem assim o seu rumo, que os afastaria cada vez mais da costa, o seu único ponto de referência. Isto conjugado com o regime de correntes existentes na zona tê-los-ia levado às costas do Brasil. Os ventos predominam vindos do quadrante Norte com maior ou menor intensidade no sentido do Sul havendo, no entanto, numa passagem por fora o perigo de serem apanhados pelos ventos que se dirigiam para SO diretos ao continente Americano que, na altura, ainda não estava descoberto (achado?)

Estes são os ventos que, mesmo tendo em conta todas as “alterações climáticas” atualmente existentes possivelmente não seriam muito diferentes dos da altura, com excepção da “poluição” de que podiam ser portadores que era muiiiiiiii…to inferior á de hoje.

 

 

Regime de Correntes

4 - Atlantico Norte.jpg

4 – Costa Noroeste de África – Canárias/Bojador – Sentido das Correntes Marítimas Principais ENE/OSO e ESSE/ONO

4 – As correntes na zona já não têm a tendência para o Sul, mas sim para Oeste o que tornaria a passagem por fora das Canárias mais problemática já que, conjugadas com o regime de ventos, iam levar os navegantes diretamente para as costas do Brasil (o que não podia ser pois Pero Vaz de Caminha não estava matriculado naquela tripulação – ainda não tinha nascido – e também porque nós íamos perder a famosa carta a D. Manuel I).

Praticamente a não ser por alturas das Guinés em que se inicia uma corrente junto à costa que ondula para o Sul que, sensivelmente a partir do paralelo 10֯ N, se começa a desenvolver e “desagua” nas correntes equatoriais que correm de O para E empurrando as embarcações para dentro do Golfo da Guiné, levando-as na direção de E, virando depois para Sul até sensivelmente o paralelo 16 ֯ S, onde se começam a fazer sentir os efeitos da corrente fria de Benguela, que corre do S para o N, vinda de Cape Point, Península do Cabo, África do Sul, localizado +/- a 34 ֯ S.

E é tudo sobre os ventos e as correntes que podem ter influenciado a rota de Gil Eanes.

 

As “Pilot Charts”

Hoje em dia, qualquer um, desde que saiba manobrar instrumentos digitais e electrónicos e, minimamente ler uma carta marítima, consegue orientar-se nos oceanos e chegar a bom porto. Na altura, ainda no começo da aventura dos Descobrimentos, tudo era muito novo, ainda não descoberto ou suficientemente estudado de forma a ter uma aplicação prática no governo das embarcações que, muitas delas, abriam caminhos no mar pela primeira vez.

 

Carta Atlantico 1 Post74 (1).jpg

5 – “Pilot Chart” do Oceano Atlântico Norte e Mediterrâneo, a solução de 3 em 1 e mais qualquer coisa

Carta piloto das condições médias do mês de Janeiro

Carta Atlantico 2  Post74 (1).jpg

 

6 - Sector da Costa Ocidental de África que estivemos a analisar, entre o Cabo Espartel (Marrocos) e Dakar (Senegal)

Carta Atlantico 3  Post74.jpg

7 – “Manual de Instruções para uso da “Pilot Chart

Hoje em dia, as “Pilot Charts” são uma espécie de “Quase tudo em 1”. Estas cartas não são feitas para trabalharem sozinhas mas sim em conjunto com os outros meios de navegação existentes nas embarcações.

Exibem de uma forma gráfica as médias de séries de dados obtidos ao longo dos anos mensalmente, em meteorologia e oceanografia, que são trabalhados por potentes computadores que traçam as cartas mensais que servem de ajuda aos navegadores na selecção das melhores e mais rápidas rotas.

Apresentam rica e variada informação sobre vários aspectos meteorológicos e oceanográficos apresentados em cartas para cada um dos meses do ano, sendo sistematicamente atualizadas.

As principais informações que contêm são codificadas nas cores de preto, vermelho, verde e azul , e dizem respeito a saber:

 

Tempo Local, Variações Magnéticas, Principais Rotas;

Altura das Ondas, Vendavais, Ciclones Extratropicais, Temperaturas do Ar;

Correntes Oceânicas, Ciclones Tropicais;

Rosas-dos-ventos (com a respectiva explicação do seu funcionamento), Pressão Atmosférica, Visibilidade.

 

Uma Ponte de Comando.jpg

Uma “ponte” de um navio moderno – Tudo em dois

Normalmente uma "ponte" deste tipo tem, projetadas para bombordo e estibordo, duas "asas" ao ar livre que têm consolas com duplicação de alguns dos instrumentos das consolas interiores e que são usadas para manobras do navio mais  sensíveis pois, os locais, possibilitam a visão direta dessas manobras (p.e. manabras de atracação ao cais)

 

Todas a informação disponível em cima da hora bem como as cartas atualizadas, podem ser carregadas através da internet (ou mais propriamente, compradas) dependendo da maior ou menor sofisticação do equipamento informático existente nas embarcações (equipamento esse que pode incluir software de gravação de tudo o que se passa na embarcação tais como rotas, acidentes, incidentes de percursos, ventos, correntes, etc. que, no seu conjunto, constituem o "Diário de Bordo" da embarcação) permitindo sectorizar parcelas mais pequenas conforme as necessidades de cada um, através da expansão/diminuição dos displays dos monitores. Isto, aliado aos sofisticados telefones de satélite, “transponders”, radares de meteorologia e de detecção de proximidade, sondas, GPS, pilotos automáticos, etc. Uma panóplia de equipamentos que, comparado com a que existia em meados do século XV para uso dos navegadores portugueses tem uma diferença abismal. Para melhor, claro!

 

Bons Ventos e…

 

Um Abraço

 

 

15.04.23

74 – Modelismo Naval 7.3.6 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

ib-04.1.jpg

(continuação)

 

Caros Amigos

Um Aviso à Navegação

Quando o 1º Tenente Alexandre Magno de Castilho andou pelas “bandas” de África (década de 80 do século XIX) a fazer o levantamento hidrográfico e a descrição da Costa Ocidental Atlântica, tinha como porto de origem o porto de Lisboa.

Para calcular a longitude da localização de vários pontos ao longo do percurso, o método usado nessa altura era o de 1 cronómetro (ou dois para comparar atrasos ou adiantamentos dos mecanismos, ou até mesmo três para ter um testemunho de qual dos outros dois se adiantou ou atrasou), acertados com a hora aferida num representante de um Observatório Astronómico do local de saída, que eram mantidos a funcionar na perfeição e cuja hora era comparada com a hora local determinada por Sextante pela altura dos astros.  Na prática, um cronómetro com a hora local de origem, a leitura das “alturas dos astros” por sextante, um almanaque de navegação e a consulta de algumas tabelas trigonométricas, permitiam aos navegadores deduzir as suas coordenadas a partir da posição do Sol, da Lua, dos planetas visíveis, ou de qualquer uma das 57 estrelas de navegação tabuladas (a qualquer momento elas são visíveis acima do horizonte).

Greenwich 1.jpgRoyal Observatory Greenwich England

A linha que nos divide...

Mas, também nesta altura os Estados ainda não se tinham entendido sobre estas questões de “Cosmografia/Cartografia/Fusos Horários” e cada um (qualquer estado que se prezasse, por todo o mundo) tinha o seu próprio meridiano de referência. entre eles Portugal com um Observatório Astronómico instalado em Lisboa. Portanto, o navio em que se encontrava o 1º Tenente tinha nesta viagem a hora acertada pelo meridiano de Lisboa. Nesta altura já existiam na Europa, entre outros, os meridianos de Madrid, Paris e Londres (Greenwich) este último tendo sido aceite como Marco Zero Mundial, depois de ter sido adoptado por várias nações em 1884, dois anos antes da publicação deste livro.

Por haver a possibilidade de serem usados mapas com diferenças de referência de longitude base, por exemplo, Paris e Greenwich, em relação ao Observatório de Lisboa, o 1º Tenente alerta para a necessidade de, quem os usar para acompanhar este Roteiro, dever ter em atenção que o Observatório de Lisboa se encontrava a 11֯ 28’ 30’’ para o Oeste do Observatório de Paris e a 09֯ 8’ para Oeste do de Greenwich. Valores que devem ser tidos em conta em mapas com essas longitudes zero.

Greenwich 2.jpg

Royal Observatory Greenwich England

...e o relógio que nos une

 

Para nós, que vivemos nos tempos modernos e usamos o GPS para encontrar tudo e mais alguma coisa devemos, para localizar alguns dos pontos referidos nas cartas modernas atuais, de ter também em conta que o Meridiano de Referência Internacional (IMR) referente ao posicionamento por satélite está colocado a cerca de 5´´,3 do meridiano de Greenwich, para Este. este aviso não é o 1º tenente que o faz no Roteiro. Sou eu!

Além deste cuidado, o 1º Tenente diz-nos que os valores que se devem considerar, para todos os ventos e correntes, e todos os rumos, marcações e direcções da costa, quando não se declare o contrário, são os verdadeiros, não se entrando em linha de conta com o Desvio Magnético.

Também para a altura das marés consideram-se as profundidades iguais á maior baixa-mar, quando não houver outra indicação.

 

Vamos então analisar a Costa Ocidental de África entre os pontos conspícuos a Norte e a Sul do Cabo Bojador.

 

Capítulo II

65

Texto 65 (1).png

66

Texto 66 (1).png

Capítulo III

71

texto 71 (1).png

72

Texto 72 (1).png

73

Texto 73 (2).png

 

Notas prévias

  • Milha Náutica (Nm) = 1.853,25 m;
  •  é uma unidade de medida de velocidade equivalente a uma milha náutica por hora, ou seja 1,853,25 km/h
  • Visibilidade no Mar, à vista desarmada, em óptimas condições = 5 a 6 Km;
  • Quarta é cada uma das 32 partes em que se considera dividida a Rosa dos Ventos o que corresponde a um quarto de 45֯ = 11֯ 15’; É o mesmo que ponto subcolateral; Em alguns diários de bordo antigos (e em filmes) é usual aparecerem indicações e comandos de,  p.e. – Sul, quarta de Sudoeste, ou S4SO, – o que equivale ao ponto subcolateral SSO; Marinhices!

 

Rosa dos Ventos CCS (1).jpg

Rosa de Ventos com os pontos Cardeais, Colaterais e Subcolaterais

 

O que o 1º Tenente diz, nesta descrição da costa e do mar antes e depois ou seja do numa viagem do Norte para o Sul do Cabo Bojador (26 ֯ e 48’ N) é, resumindo e traduzindo do Marinhês para Português, o seguinte:

Das folhas do Roteiro

Capítulo II

  • Até ao paralelo de 26 ֯ e 46’ N a costa que fica a Norte deste paralelo é maioritariamente de areia;
  • Neste paralelo, começam uma série de rochedos que se projectam para as direcções de SSO e de OSO;
  • Durante 38 Nm ou, se quiserem até 3 Nm do Falso Cabo Bojador (que fica logo a seguir ao verdadeiro Cabo Bojador para Norte, na carta de localização anteriormente apresentada) existe um baixio;
  • Este baixio é na sua maioria composto por areia e projeta-se no sentido do Norte e durante 1,5 Nm, tendo na sua ponta um recife de pedra;
  • A 6 Nm para ONO existe um outro baixio à profundidade de 14m e entre ele e o anterior baixio a profundidade achada é de 30 m;
  • O Cabo Bojador encontra-se logo a seguir, a 25 Nm para Oeste quarta de Sudoeste do Falso Cabo Bojador e a 140 Nm para Sudoeste quarta de Sul do Cabo Juby (já antes ultrapassado ficando na “fronteira” entre Marrocos e o Sahara Ocidental, mesmo em frente do Arquipélago das Canárias);
  • Aqui, o 1º Tenente informa que este foi o ponto de paragem dos portugueses no caminho das Descobertas, por “Parecer muito estranha aos navegantes apartarem-se do rumo que levavam (para o Sul) e seguirem outro tanto para O” e continua;
  • O Cabo Bojador é baixo, pedregoso e coroado na parte meridional, de dunas de areia. Segundo o almirante Roussin (almirante Francês que esteve nas Guerras Liberais em Portugal), quando o cabo é visto pelo norte, aparece uma praia de areia vermelha com declive suave para o mar em que a extremidade que se projecta para oeste (a ponta do cabo) que é muito baixa, forma uma pequena baía com o rochedo seguinte a Sul. Este rochedo eleva-se, na sua parte oriental a 23 metros de altura sendo o ponto mais notável do cabo; (Interessa saber que atualmente existem dois faróis no Cabo Bojador: um na altura de 23m  e outro rés vez o mar, na parte mais baixa da ponta do cabo. Isto acontece porque na zona existem muitos nevoeiros e nuvens baixas que, por vezes, encobrem os flashes de luz do farol mais alto, havendo a alternativa de detetar o mais baixo a nível do mar. Por vezesf unciona mas outrasvezes nem um nem outro se conseguem localizar);
  • Segue-se uma informação sobre a localização do Sahara que é confusa pois informa que os Árabes têm, como início deste deserto, a zona do Cabo Bojador quando, na realidade ele se inicia junto à costa, por volta de Agadir (Marrocos) muito mais a Norte, e termina por volta de Dakar (Senegal), muito mais a Sul;

Ventos

As informações gerais sobre ventos e correntes nesta zona abrangida pelo sector 2 do Roteiro e que nos interessa, diz respeito aos ventos e correntes existentes, que serão complementadas pelas do Sector 3, a Sul do Cabo Bojador apresentadas a seguir;

  • Quanto aos ventos para Norte do Cabo Não, serão predominantes do quadrante de NE donde sopra oito ou nove meses seguidos de Fevereiro ou Março até Dezembro. Nos outros três meses sopra vento do S e do SO que é que é a altura de chuvas e de mau tempo;
  • Para Sul do Cabo Não, em Dezembro, o vento prevalecente é de NNE ou NE causando bom tempo. A partir de Janeiro o vento, muda de sector para NNO e O com tempestades rijas que levantam vagas alterosas. O vento é tanto mais forte quanto mais perto da costa sopra;
  • Um aviso aos navegantes segue-se e diz que se deve fugir da costa de Marrocos de Outubro a Abril que são os meses péssimos do ano pois além do mais são muito atreitos a nevoeiros quase constantes;

Correntes

  • Quanto às correntes, correm normalmente de N para S em toda a Costa Ocidental de África variando um pouco para SE ou para SO desde o cabo de Cantim até à ponta Hadid e daí para Mogador (Actualmente Essaouira que é uma cidade da costa sudoeste de Marrocos) vão na direcção de S4SE, sendo fracas perto de Mogador, seguindo para N junto à costa e bifurcando um pouco mais para fora, no sentido de SO;
  • Entre Mogador e o Cabo Bojador correm para S e O, com uma velocidade de 1 Nó, numa distância de 3 a 6 Nm da costa e com uma maior força junto à costa;
  • A corrente que passa junto à costa em Marrocos, não é sentida perto de Santa Cruz pois é desviada, pelo cabo Gué (Marrocos) para 7 ou 8 Nm da costa;
  • Esta corrente, por volta do cabo Juby onde se desvia mais para terra, passa entre ela e as Canários sendo a sua velocidade de 1 Nm e ¼ e em frente ao Cabo Bojador, passa a ser de 1 Nm.

                                                                    

Capítulo III

Do outro lado do Bojador, onde Gil Eanes lançou um bote ao mar e foi a terra (mais propriamente à “areia”) onde a única coisa viva que encontrou foram rosas de Santa Maria, que colheu e colocou num barril cheio de terra (novamente, mais propriamente “areia”) que levou ao Infante D. Henrique como prova da passagem, a paisagem era igual à de antes do Cabo. Nem uma pegada nem o rasto de um camelo. Vejamos então o que o nosso 1º Tenente viu:

  • A terra recua e forma uma abra (uma pequena enseada) à qual os ilhéus naturais das Canárias chamam “Ancoradouro dos Pilones” ou “da Bumbalda”;
  • A profundidade encontrada nesta zona anda pelos 16 a 18m e é uma zona bastante calma. Nesta enseada desaguam três riachos e, para sul do terceiro riacho, ergue-se a barreira da Bumbalda;
  • Mais à frente, encontra-se o banco do Malouine, pelos 25֯ 38’ N e 5֯ 20’ 22’’ O, a 21 Nm do Cabo Branco e a 1.600 m da costa. Sobre este banco do Malouine, que tem 216 m de comprido, o mar rebenta com grande fúria, quando a maré está baixa (seria aqui a zona, referenciada pelos marujos do século XV como o mar a ferver?);
  • O 1º Tenente usou cartas elaboradas anteriormente noutras expedições (Inglesas e Francesas e penso que Holandesas que também andaram por aqueles mares), durante o século XVIII, que estavam em uso na Marinha Portuguesa e diz que a carta de Van Kelen (Holanda) assinala a 25֯ 38’ N e 7 ֯ 23’ 38’’ O, um baixio que possivelmente nunca existiu, já que variados barcos já o tinham procurado e nunca o encontraram;

Carta de Van Kelen (1).jpg

 

Carta da “Guiné e Brasil” desenhada nas oficinas de impressão de Van Keulen, Cartógrafo, Amsterdam, Holanda, século XVIII

  • A carta mencionada por Alexandre Magno de Castilho, pode bem ser a que encaixava no topo desta que continha, na sequência , o Norte de África e o Sul da Europa. Não a consegui arranjar!
  • A descrição da costa a Sul do Bojador continua, dizendo que ela se estende por 64 Nm na direcção S 4 ¾ SO até Penha Grande que fica a 25º 6’ N, costa esta que tem uma altura por volta de 150 m, muito superior ao normal de 50/60 m o que se destaca como ponto de referencia que se identifica facilmente;
  • Esta elevação é coroada por rochedos achatados e existem bastantes pequenas praias na sua base
  • A latitude que se indica neste roteiro para a Penha Grande, difere bastante da que é indicada nas cartas antigas, sendo no entanto a única referência de monta existente na zona e, por isso deve ser mesmo a Penha Grande indicada nas tais cartas antigas.

E é isto o que se pode extrair do roteiro analisado, no seu trecho do antes, durante e depois do Cabo Bojador, um percurso que apresenta algumas dificuldades difíceis de superar para quem navegue nas águas costeiras desta zona.

Tendo analisado a viagem de Gil Eanes à luz dos conhecimentos dos finais do século XV, altura em que Gil Eanes fez esta viagem e aos do século XIX quando o 1º Tenente Alexandre Magno de Castilho fez o levantamento da costa Ocidental de África, resta agora, e à luz dos conhecimentos atuais, do século XXI, quando qualquer veleiro de turismo pode percorrer esta costa com base nos sofisticados meios de navegação e de comunicação hoje existentes, analisar dois pontos que em muito podem ter contribuído para algumas das hesitações e dos receios dos marinheiros do Século XV que hoje são muito melhor conhecidos: o regime de Ventos e o regime das Correntes oceânicas existentes na zona do Bojador.

 

Uma Escuna

Uma Escuna.jpg

“Uma Escuna” que podia ser a "Conceição"

Este levantamento foi feito num navio da armada Portuguesa que, segundo o 1º Tenente Alexandre Magno informa no seu livro, ele comandava em 1852 numa viagem a Lisboa e chamava-se “Conceição” Era uma “Escuna” e possivelmente devia ter como porto base, para este trabalho, o de Luanda em Angola.

Sendo uma “Escuna”, teria uma armação parecida com a deste quadro, com 2 mastros, sendo o da frente o “traquete” que envergava pano redondo, sendo a inferior a vela “do traquete” ou “papa-figos”, a seguinte  a “vela do “velacho” (que aparece nesta pintura, dividida em duas – chamadas gáveas partidas, inferior e  superior - um tipo de armação que começou a ser usada  em Portugal, posteriormente a 1852) e a última, a do “joanete de proa”.

O mastro da “mezena” podia ter várias configurações mas a mais normal era que envergasse dois latinos sendo o inferior (latino quadrangular) a “vela de ré”, e a superior (latino triangular) um “gave-tope”, um tipo de velas que equipou os nossos “Lugres Patacho” bacalhoeiros.

Eram navios ligeiros, com baixo calado e muita agilidade e elegância e necessitavam de uma pequena tripulação. O ideal para o tipo de trabalho que estava a ser executado. A “caravela” da altura! Houve escunas com mais mastros e com outros tipos de armação ao longo dos tempos.

No próximo Post vamos analisar esta costa com GPS.

(continua)

 

Bons Ventos e…

Um abraço.

 

 

 

11.04.23

73 – Modelismo Naval 7.3.5 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg

 

      ATLÂNTICO          

Mar,

Metade da minha alma é feita de maresia.

Sophia de Mello Breyner Andresen  in “Poesia”, 1ª ed 1944

 

BOJADOR

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor

Fernando Pessoa in Mar Português

 

(continuação)

 

 

Caros amigos

 

                                          6.2 – O Contexto Geográfico

6.2.2 – O “Bojador”

Tendo havido cinco candidatos à biografia de Gil Eanes, para meia dúzia de informações pertinentes e havendo uma relação estreita entre Gil Eanes e o Cabo Bojador é fatal como o destino que, para o Cabo Bojador também tivesse de existir alguma confusão. Neste caso, existem quatro candidatos.

Não conheço este cabo, embora tal como Gil Eanes tenha passado para lá do Bojador na minha primeira viagem para Moçambique que foi feita de barco e demorou 23 dias. Mas nem o vi, pois passámos ao largo das Canárias, bastante afastados da costa. Não, não fui de “Caravela” nem tão pouco de “Barca” mas o barco era um pouco “ronceiro”. O outro cabo mais abaixo, na África do Sul, foi passado bem perto de terra debaixo de uma tempestade de arrepiar (sem chuva mas com vento rijo, vagas alterosas, relâmpagos e trovões por tudo o que era sítio, tipicamente tropical pois, como veio, assim se foi), o que parece ser “quase normal” na zona do encontro do Atlântico com o Índico. Mas deu para ver a Montanha da Mesa e depois o Cabo das Agulhas.

O Cabo da Boa Esperança – 34o 21’ S/ 18o 26’ E, (para mim mais das “Tormentas” do que de outra coisa) é bem conhecido e facilmente identificável, embora seja tomado como o ponto mais setentrional de África o que não o é, pois o Cabo das Agulhas 34o 50’ / 20o E, fica mais a Sul e é onde existe o marco divisório convencionando a separação das águas do Atlântico e do Índico.

Mas, voltemos lá para cima, para o “calorzinho” e a “poeirada” do Sahara e vamos a ver se encontramos o Cabo Bojador, oficialmente a 26o 08’ N / 14o 30’ W.

Quatro Candidatos.jpg

Os quatro candidatos a "Cabo Bojador"

 Do Norte para Sul – o “Cabo Não”, atualmente Chaunar, os dois falsos “Cabo Bojador” e o real “Cabo Bojador” com as coordenadas atestadas e fixadas.

Esta localização é realmente a do Cabo Bojador situado nestas coordenadas no Sahara Ocidental. Os dois que estão mais a norte do real têm o nome de Falsos Cabos Bojadores, cuja localização topográfica tem sido por vezes apresentada como a do verdadeiro em algumas citações e, embora estejam situados relativamente perto do primeiro, são localizações erradas. Têm sido identificados como tal, ao longo dos anos, em muitas publicações, fotografias e textos científicos mas, na realidade, não se trata do genuíno CABO BOJADOR.

Um outro candidato ao lugar é mais ao Norte, ainda em Marrocos. E a sua latitude e longitude são bem fáceis para o referenciar como o Cabo Não, (28º 47’ N e 11º 4’ W) que fica muito longe da localização real do Cabo Bojador, mas reúne as mesmas características deste: ambos eram dois cabos que os navegadores temiam.

O Cabo Não, (Nun, Noun ou Nant são nomes dados a este cabo que se encontram grafados em cartas atuais o que dificulta bastante a pesquisa, neste e em muitos outros casos.

No tempo de D. Henrique, já era conhecido dos navegadores porque, para além dele, tal como com o Cabo Bojador, ninguém ousava navegar pois o dito popular era bem avisador – “Quem passar o Cabo Não, ou tornará ou não”.

O Cabo Não, guardava a passagem para outro mundo, onde não existia terra sendo, daí para a frente, só mar que deixava de existir umas milhas à frente e levava os navios a caírem no vácuo. Existia a crença de que as regiões vizinhas dos trópicos eram tão quentes que tudo era esturricado: barcos, vitualhas e homens. Quem é que se atrevia?

No entanto, alguém se atreveu (quem?) e passou para o outro lado do Cabo Não, encontrando um outro obstáculo mais difícil de superar: o Cabo Bojador. E era importante este “passar para lá” pois, se assim não fosse, nunca se teria conseguido o rasgar das ondas em direcção ao Oriente que era uma fonte promissora de riqueza para o país, fosse lá o que isso fosse. E o Infante sabia-o pois, em Ceuta, com os mouros, já tinha adquirido a certeza da existência de mais mundo “depois do Bojador”

Todas estas hesitações por parte dos marinheiros eram resultado do ”estado do conhecimento” que havia na idade média sobre todos os aspectos geológicos, meteorológicos e geográficos, entre outros.

O que vigorava eram, validados por fontes de referência e foram aceites como certezas por todas as classes, salvas as poucas mas válidas excepções, superstições e credulidades:

  1. Uns, com base na opinião de Aristóteles* acreditavam que a zona tórrida não podia ser habitada por humanos que nunca poderiam resistir a tal calor; que o oceano estava cheio de monstros e era varrido por enormes vagas; que estava coberto de vapores em que nada se discernia e que provocavam uma noite perpétua;
  2. Outros, em oposição a tantos factos indubitáveis já conhecidos, não acreditavam que se pudesse por exemplo, vindo do Mediterrâneo, viajar para além das Colunas de Hércules, seguindo as posições de Píndaro* e Gregório Nazianzeno*;
  3. Outros ainda, com base em Santo Agostinho* e Lactâncio* consideravam as hipóteses de que a terra era esférica e houvesse antípodas como absurdas e heréticas;
  4. Também muitos outros que referenciavam Plínio* afirmavam que as pessoas que viajassem para a zona Tórrida se eram brancas rapidamente se transformariam em pretas.

Nota: 

*Aristóteles  - (384 a.C.  –   322 a.C.) foi um filósofo eclético da Grécia Antiga;

* Píndaro –  (522 a.C. – 443 a.C.) foi um poeta grego, autor de Epinícios ou Odes  Triunfais;

* S. Gregório Nazianzeno329 – 389Capadócia, foi um Patriarca de Constantinoplateólogo e escritor cristão;

*Santo Agostinho - (354430) foi um dos mais importantes teólogos e filósofos nos primeiros séculos do cristianismo;

* Lactâncio- (240 —320) foi um autor entre os primeiros cristãos que se tornou um conselheiro do primeiro imperador romano cristão, Constantino ;

 * Plínio- (23 — 79), conhecido também como Plínio, o Velho, foi um naturalista romano..

 

Foram inúmeros os pretextos que serviram para se contestar a saga dos Descobrimentos. Supostamente, ainda não podia haver “Velhos do Restelo”, mas que os havia, havia! E ainda os há!

Estas “murmurações” diz-se que vinham do povo inculto, mas as bases para elas foram clássicos que escreviam em latim. E de quem os leu.

Ao longo de doze anos e 14 ou 15 expedições efectuadas, o Infante continuou a Insistir na “passagem para o outro lado” do Bojador. Até que em 1433, apareceu um tal de Gil Eanes, homem da sua Casa, que aceitou o desafio feito pelo Infante D. Henrique para se meter numa Barca e enfrentar o Bojador. Ele assim o fez e nesse mesmo ano zarpou de Lagos com essa intenção mas, por qualquer razão não explicada (temor, impossibilidade técnica de continuação, avaria, mau tempo?) não passou das Canárias, tendo voltado a Lagos.

Azurara na “Crónica da Guiné” põe, na boca do Infante D. Henrique, num suposto diálogo com Gil Eanes, no ano a seguir ao seu regresso da viagem falhada, o seguinte “monólogo”:

«Mas logo no anno seguinte, o iffante fez armar outra vez a dicta barca, e chamando Gil Eannes a departe, o encarregou muyto que todavya se trabalhasse de passar aquelle cabo, e que ainda que por aquella vyagem mais nom fezesse, aquella terya por assaz. “Vós nom podees”, disse o iffante, “achar tamanho perigoo, que a esperança do gallardom nom seja muyto mayor; e em verdade eu me maravilho, que maginaçom foe aquesta que todos filhaaes, de ha cousa de tam pequena certidom, ca se ainda estas cousas que se dizem tevesem alga autoridade, por pouca que fosse, nom vos darya tamanha culpa, mas quereesme dizer que por openyom de quatro mareantes, os quaees como som tirados da carreira de Frandes, ou de algus outros portos pera que comumente navegam, nom sabem mais teer agulha nem carta pera marear; porem vos hii todavya, e nom temaees sua openyom, fazendo vossa vyagem ca com a graça de Deos, nom poderees della trazer se nom honra e proveito. «

E, com este “discurso motivacional” do Infante, Gil Eanes lá foi e desta vez passou “ao de lá” do cabo por volta de 50 (Azurara - 278Km) ou 30 (João de Barros - 167Km) léguas marítimas, tendo ido a terra donde trousse, como prova da sua passagem do Cabo, uma “Rosa do Deserto” para o Infante.

Passado que foi o “Cabo Bojador” vamos examiná-lo de uma perspectiva mais recente, embora com, por volta de 157 anos de diferença para menos do ano actual.

Nas minhas deambulações pelas bibliotecas do Mundo – digitalmente é claro – encontrei na Biblioteca da Universidade de Stanford já há bastante tempo, uma obra em dois volumes de um 1º Tenente da Armada Real Portuguesa que deambulou pela costa Ocidental de África, num barco – do qual já soube o nome e para meu desgosto, esqueci-o – por um período de 4 anos e 4 meses, durante o qual fez o reconhecimento da Costa Ocidental de África desde o cabo Espartel até ao cabo das Agulhas.

Para mim foi um óptimo achado, até porque atualmente todos os roteiros antigos existentes da Costa de África contam-se pelos dedos de uma mão, que eu conheça (e já são muitos).

Existem roteiros e “Pilot Charts” modernos muito mais atuais e pormenorizados mas perderam o espírito de “aventura” dos antigos, em que as costas são descritas tendo em conta os pontos conspícuos da mesma (conhecenças) que, em conjunto com cartas marítimas possibilitam uma navegação mais segura, através da localização das embarcações e do traçar dos rumos.

Nada tenho contra o desenvolvimento – até porque este roteiro, só o tenho porque está digitalizado. Perderam foi o “romantismo” do “outrora”.

Alexandre Magno de Castilho

1 º Tenente da Armada – Engenheiro Hidrográfico

Alexandre Magno de Castilho.jpg

Fotografia feita, possivelmente no “Atelier Vicente” (hoje Museu Fotográfico da Madeira - Funchal) para onde se deslocou em 1866, por casamento com Carlota de Almeida Affonseca

1º Tenente.jpg

Placa de Identificação do “1º Tenente da Armada do Reino, Engenheiro Hidrográfico, Lente na Escola Naval e Viajante", que não sei onde está!

 

Descrição e roteiro da costa Ocidental de África: desde o Cabo de Espartel até o das Agulhas

Alexandre Magno de Castilho

Lisboa – Imprensa Nacional - 1866

Cabo Espartel.jpg

“Cabo Espartel” – Marrocos (em baixo, à direita)

Em 1866 foi publicada pela Imprensa Nacional Portuguesa, uma “Descrição e Roteiro da Costa Ocidental de África”, resultado do trabalho executado pelo 1º Tenente da Armada Alexandre Magno de Castilho na costa ocidental de África que, a partir de 1861 e durante 52 meses, fez o levantamento para a “Descrição e Roteiro”, tendo como base cartas de navegação executadas anteriormente e percorrendo em ambas as direcções a costa ocidental de África desde o Cabo Espartel (no atual Marrocos e que dista, em linha reta, mais ou menos dois quilómetros de Gibraltar, linha essa que convencionalmente, separa as águas do Mediterrâneo do Atlântico) ao Cabo das Agulhas (na atual África do Sul), onde existe o que também se convencionou ser a linha divisória entre o Atlântico e o Índico.

Cabo das Agulhas.png

Cabo das Agulhas” – África do Sul

É nesta obra que vou basear a descrição do Cabo Bojador e das águas que o rodeiam.

Bojador.jpg

Cabo Bojador visto por quem vem do Sul (possivelmente com “drone”)

Confesso que tanto esta fotografia, tal como a anterior de “Cabo Bojador, 589 anos depois” publicada no Post 69 me levantam sérias dúvidas de que estejam bem identificadas pois elas nada dizem. Só que respondem a uma pesquisa de “Imagem do Cabo Bojador”. Poderá ser que não sejam! No entanto penso que as duas fotografias são do mesmo cabo, a do Post 69 visto do Norte e esta visto do Sul.

 

O Roteiro está dividido em 19 capítulos cada um deles correspondente a um sector da costa, com determinadas distâncias diferentes, que variam entre 160 milhas náuticas, o sector mais pequeno, indo até as 700 milhas náuticas, o maior.

Começando com um 1º sector dedicado à “Costa compreendida entre os cabos de Espartel e de Cantim; cerca de 310 milhas”, Marrocos/Norte de África e acabando com o 19º sector que abrange a “Costa compreendida entre o Rio Orange e o cabo das Agulhas; cerca de 580 milhas”, África do Sul/Sul de África, inclui neste percurso dois sectores que nos interessam particularmente para o nosso caso: o 2º Sector entre o cabo Cantim e o cabo Bojador (o final do mesmo) e o 3º Sector entre o cabo Bojador e o cabo Branco (o princípio do mesmo).

É de chamar a atenção para que esta costa confina com o Oeste do deserto do Sahara e é particularmente ventosa. Basta reparar na quantidade de dias em que somos assolados, principalmente no Sul do país, pelas poeiras que levantam voo vindas do deserto. Estes ventos que sopram do interior do deserto para as periferias do mesmo tomam principalmente direcções entre os quadrantes Norte e Oeste.

Por outro lado as temperaturas elevadas, por vezes extremas durante o dia e o acentuado arrefecimento noturno que, quem já andou pelo deserto conhece, leva ao aparecimento pela madrugada de bancos de nevoeiro junto à costa (por vezes prolongando-se bastante para o alto mar) e a área a norte e sul do Cabo Bojador está plenamente no meio destas características – deserto quase até ao mar, sujeita a elevadas amplitudes térmicas.

O significado imediato disto é que estamos perante uma costa composta essencialmente por dunas de areia que, como toda a gente sabe, assumem as formas mais diversas mudando-se constantemente de sítio. Valem muito pouco como pontos conspícuos que possam ser balizados pelos navios que demandam o Sul ou o Norte. Ou seja, servem pouco para a navegação.

Por outro lado, o nosso interesse imediato diz espeito a uma barca que venha do Norte para o Sul e depois do Sul para o Norte no ano de 1434, ano em que as “Caravelas de Descobrir” ainda não existiam (?), as ajudas à navegação que era feita por marcação das conhecenças eram parcas e havia a necessidade da navegar arrimados à costa. Quanto muito o piloto de um navio tinha conhecimento dos percursos (neste caso só parcialmente), sabia usar uma bússola, e tinha acesso a alguma instrução que lhe permitisse ler um possível portulano que lhe proporcionava o estabelecer de determinada rota. Mas isto ainda era muito para aquele tempo.

Vamos então ler, pela pena do 1º Tenente Alexandre Magno de Castilho quais são as conclusões sobre o mar que revolteia ao redor do Cabo Bojador que embora mais atual, não seriam muito diferentes das que Gil Eanes enfrentou. Ainda não havia “aquecimento global”.

(continua)

 

Um Abraço e…

Bons Ventos

 

 

 

 

31.03.23

72 – Modelismo Naval 7.3.4 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg

 

 

(continuação)

 

 

Caros amigos

 

Gil Eanes . Selo.jpg

Em 25 de Novembro de 1984, o professor Doutor Luís de Albuquerque, numa comunicação apresentada à Academia de Marinha com o título “Gil Eanes, o Cabo Bojador” inicia-a com uma pergunta:

“A primeira questão que se impõe levantar neste momento é, sem dúvida, a seguinte: quem foi Gil Eanes?”

E, na sequência desta frase acrescenta:

“A pergunta já foi certamente feita por vários historiadores muito bem apetrechados, e apesar disso, a resposta parece não poder ir para além das notícias que se recolhem em Azurara”. (na “Crhonica do Descobrimento e Conquista da Guiné”).

Capa Crónica da Guiné.jpg

A capa da Crónica de que aqui se fala

O próprio título da comunicação dá a entender que narrar o que se sabe de Gil Eanes é quase o mesmo que narrar o que se sabe sobre o Cabo Bojador e da sua Passagem em 1434 e pouco mais. O resto da narrativa é normalmente dedicada ao Infante D. Henrique. E este pouco mais, ainda deu para o Doutor Luís Albuquerque escrever uma comunicação com por volta de 13 páginas em A4. Com muita “dedução” e diversos ângulos de abordagem. Eu não vou fazer mais perguntas que já sei não terem resposta e vou abordar a inexistente biografia de Gil Eanes com a informação que se sabe ou melhor, que eu sei, pois não esgotei as possíveis fontes.

Vamos então “respigar” desta comunicação e de outras fontes, principalmente da Crónica atrás indicada, a informação pertinente para o nosso caso.

 

6 - Contextos para a “Barca de Gil Eanes”

6.1 – O Contexto Humano               

6.1.2 – Gil Eanes – O “Navegador”

 

É devida uma explicação prévia por eu apodar Gil Eanes de o “Navegador”, parecendo querer  roubar o cognome do Infante, que neste post é nomeado como o “Mentor”. Não tenho nenhuma intenção de reescrever a História dos Descobrimentos e muito menos a de Portugal (convenhamos que ambas precisavam de uns “retoques”) mas sim de lhes chamar pelos cognomes que correspondem, neste contexto, àquilo que realmente me parece que foram na prática – o Infante como, indubitavelmente, o ideólogo, o planeador e o impulsionador da aventura dos Descobrimentos (há quem diga que foi o seu irmão D. Pedro que o impulsionou) e Gil Eanes como um dos executores – a par de muitos outros, uns que figuram na história e outros que não figuram na história – de todas as directrizes dadas pelo Infante, com ampla liberdade de atuação (aparentemente), que levaram à concretização do “sonho” do Infante e dos desígnios de Portugal.

Depois deste meu discurso introdutório ao Cartão de Súbdito do Rei (CSR) do navegador Gil Eanes, discurso esse que, ao relê-lo, me parece um pouco “patrioteiro requentado”, vamos então aos factos.

À falta de um, temos cinco Gil Eanes. Vários são os casos em que, na nossa História, para um lugar aparecem vários candidatos homónimos, com características muito semelhantes o que torna por vezes impossível eleger só um para o lugar.

Segundo João Martins da Silva Marques, no seu livro “Descobrimentos portugueses: documentos para a sua história", citado por Luís Albuquerque, existem os seguintes candidatos ao lugar:

1297 – Um texto cita um tal de Gil Eanes, como um marinheiro turbulento envolvido numa luta em Lisboa – andou à pancada demasiado cedo para ser o Gil Eanes o do Bojador;

1414 – Existe um documento, com data de 15 de Janeiro que fala de um outro Gil Eanes que possuía propriedades em Lisboa e, em ...

1421 – Aparece um terceiro Gil Eanes, mestre de um dos dois navios que se encontravam ancorados em Southampton, Inglaterra, navios esses que deviam ter transportado armamento e cavalos dos embaixadores do Rei de Portugal, que poderia ser o candidato perfeito, se não se desse o caso do Gil Eanes do Bojador ser navegador do Infante D. Henrique, que se encontrava no Algarve, de família Algarvia? e residente no Algarve. Este Gil Eanes poderá ser o mesmo referido no documento de 1414 e o mesmo que entre ...

1385 e 1433 – Noutro documento sem data precisa (mas ao qual se pode atribuir um intervalo de datas),  Gil Eanes tem casa em Lisboa e possui terras no limite da cidade;

1433 – Em 8 de Dezembro, o rei D. Duarte faz “mercê do cargo de escrivão dos navios que fossem ao porto da cidade de Lisboa a um Gil Eanes. Luís Albuquerque diz que se inclina para que este Gil Eanes seja também o mesmo apresentado anteriormente e não o nosso Gil Eanes do Bojador isto porque Gil Eanes ainda não tinha feito nada de notável que justificasse a recompensa de tal cargo que, certamente, teria uma boa “tença”, além de que ter um cargo destes no porto de Lisboa e viver em Lagos, seria difícil.

Assim os cinco candidatos foram, primeiramente reduzidos a dois e depois a nenhum quer por questões cronológicas quer por impossibilidade geográfica.

A única fonte fidedigna (razoavelmente) que nos resta, fixa-se assim em Gomes Eanes de Zurara e na sua “Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné”. Outros cronistas que poderiam interessar (João de Barros / 1496 – 1570) e Rui de Pina / c. 1440 - c. 1552) foram “beber” a Zurara a história deste período, sendo mais modernos em relação à data em que este escreveu esta crónica que foi em 1452 e 1453 tendo sido refundida em 1460 pelo próprio autor. Assim, a informação que as importantes obras dos cronistas João de Barros e Rui de Pina possam conter para este caso, não poderá ser tão importante como a de Zurara que é contemporâneo dos acontecimentos aqui abordados e, “quem conta um conto …”.

Zurara refere na crónica atrás indicada (com link a seguir) a figura de Gil Eanes (Gil Eannes em português arcaico) fornecendo alguns dados que permitem um mínimo de certeza na sua identificação bem como da sua actividade ao longo de alguns anos.

 

“Crónica do Descobrimento e Conquista de Guiné” de Gomes Eanes de Azurara por mandado de El Rei D. Afonso V

Edição do Visconde da Carreira com Introdução e Notas do Visconde de Santarém, publicada em Paris por J.P.Aillaud em 1841.

Aqui: https://archive.org/details/chronicadodesco00zuragoog

Nota: Se estiver interessado numa consulta direta da Crónica da Guiné, as indicações a vermelho no texto abaixo referem-se ao número de página da Crónica e não ao número da página do PDF. Para o número de página do PDF do link fornecido, terá de usar o valor que o segue, a preto, que é o número da página do PDF. Isto pressupondo que fazem o "download" do livro.

Vamos então estabelecer o CSR de Gil Eanes com os dados que se sabem e que são considerados como válidos:

  • Nasceu em Lagos, segundo João de Barros, que nos dá esta indicação na 1ª Década da Ásia. Gomes de Azurara é omisso neste assunto da naturalidade;
  • A data de nascimento não se encontra em nenhum documento atualmente conhecido;
  • Foi escudeiro do Infante e Cavaleiro da sua Casa (Cap. IX, p. 56) (110);
  • Em 1433 faz um 1ª Viagem com o objetivo de passar o Cabo Bojador mas não passa das Canárias (Cap. IX, p. 57) (111). Segundo novamente João de Barros na mesma obra já indicada, a desistnecia de seguir para o Cabo Bojador deveu-se a ” por lhe os tempos não terçarem bem”; (Terçarem vem do verbo terçar. Atualmente, o mesmo que: passarem, transporem, transpuserem, atravessarem, cruzarem, encruzarem, galgarem. No tempo de João de Barros não sei qual o sentido, Hoje, pode ser “mau tempo”;
  • Em 1434 faz uma 2ª Viagem também com o objectivo de ultrapassar o Bojador para o Sul (Cap. IX, p. 58) (112). “… ca daquela viagem, menospreçando todo o perigo, dobrou acabo a alem …”. Segundo João de Barros, o nome de Bojador que foi dado ao cabo, foi-lhe dado por Gil Eanes, o que parece não estar certo pois, em cartas anteriores a esta passagem, já existiam duas desta zona, conhecidas desde o séc. XIV, onde este cabo já era denominado de “C. de Buider” e “Cavo de Imbugder”. A explicação de João de Barros é interessante mas, infelizmente, não deverá ser a correcta;

Rosas de Santa MAria.png

“Rosas de Santa Maria”, planta que Gil Eanes trouxe ao Infante como prova da sua passagem para o outro lado do Bojador.

 

  • No ano de 1435 Eanes faz uma 3ª Viagem na sua “barca”, para lá do Bojador, (Cap. IX, p. 59) (113) desta vez acompanhado de um “barinel” sob o comando de Afonso Gonçalves Baldaia, copeiro do Infante, a quem D. Henrique tinha entregado este comando. Passaram 50 léguas para além do Bojador tendo ... “achado terra sem casas, e (com) rasto de homens e de camelos” na “Angra dos Ruivos”, no ponto mais ao sul da viagem. João de Barros, na Década já referida, diz a mesma coisa mas limita a viagem a 30 léguas. Esta informação encontra-se no Cap. V das Décadas que trata desta viagem de Eanes e Baldaia e que é iniciado com - “O ano seguinte de trinta e quatro”, - que deverá ser lido como “o ano seguinte (ao) de trinta e quatro” pois, logicamente trata-se de 1435. Ou então foi engano de João de Barros pois os acontecimentos que aborda, segundo Gomes de Azurara, dizem respeito a este ano;

 

  • Em 1444, uma 4º e última Viagem acontece (Cap. XIX p. 107 (161) e XX, p. 114 (168)), com Gil Eanes integrando uma frota de 6 caravelas como capitão de uma delas que, sob o comando de Lançarote que tinha sido escudeiro e moço de camara do Infante D. Henrique e que, na altura, era Almoxarife de Lagos (uma espécie de Diretor de Finanças), nomeado pelo Infante. Esta frota foi em resgate à costa de África e tem a particularidade de ter pintado nas velas, por ordem do Infante, a Cruz de Cristo, tendo inaugurado uma prática que foi continuada em todas as viagens posteriores.

Nesta viagem, Gil Eanes desempenha um papel, não sei se de relevo se só notório, (pois Azurara refere-o várias vezes durante esta viagem, pondo-o a falar para as tripulações da frota), chegou à “Ilha das Garças”, “Ilha de Tiger” e “Ilha de Naar”, estando as duas primeiras identificadas individualmente em carta da costa de África de 1533 e assinaladas, sem identificação, na Carta Portuguesa de Domingos Sanches de 1618 e a primeira e a última, na Carta de África no Atlas Português da Biblioteca Real de Paris.

A frota, nesta viagem, chegou até ao “Cabo Branco” na costa de África.

Azurara descreve toda a acção dos portugueses, Gil Eanes incluído, nesta expedição de resgate descrevendo, com alguma minúcia o porquê, onde, quando e de que maneira os portugueses atuaram, ao serviço de Deus, para resgatarem 235 (ijexxxv) almas mouras e terem-nas trazido para Portugal. Na chegada a Lagos, foram feitos lotes de escravos (sem atender aos laços familiares e de amizade) e distribuídos pelas pessoas da tripulação e outras (principalmente outras). Azurara, na Crónica da Guiné, no cap. XXV, descreve a cena numa forma muito neo-realista e pungente. Foi a primeira vez que se venderam escravos em Portugal. E penso que na Europa também. O Infante recebeu 1/5 dos escravos.

Mapa 4 viagens Gil Eanes.jpg

Assinalada a vermelho, o percurso de Gil Eanes nas 4 viagens na costa Noroeste de África desde o Cabo Bojador (1433/4) ao Cabo Branco (1444)

O mapa base para este traçado publicado na “História dos Descobrimento Portugueses” de Damião Peres

Este é o C.S.R de Gil Eanes, possível. A partir daqui, Gil Eanes desaparece da História e não se encontra qualquer outra referência a ele, quer em crónicas, quer em documentos avulsos. Sumiu!

Pode-se adiantar a hipótese, como alguns o fazem , de que faleceu em resultado de escaramuças acontecidas na 4ª viagem, o que resolveria definitivamente o assunto ou, pelo contrário, dar atenção a um tal de Gil Eanes que é referenciado em Lisboa em  1478 como tesoureiro e feitor do resgate e tráfico da Guiné, cruzando com uma outra informação que o dá como estudante na Universidade de Lisboa, que é temporalmente possível  e  contribuír assim para a continuação desta demanda.  Tudo é possivel!

 

6.2 -  O Contexto Geográfico

6.2.1 – Lagos

Lagos foi, nos anos iniciais dos Descobrimentos a base das embarcações que partiram em direção ao Sul, na descoberta das potencialidades da costa Oeste de África, das suas geografias, gentes e bens, Sul esse que, acreditava-se, daria a possibilidade de passar para o índico e desviar o centro de comércio com o Ocidente, na altura nas mãos dos “mouros”. Lagos tem uma fundação de séculos e é essa história sintetizada que aqui se aborda.

 

História de Lagos (Portugal)

 

Adaptação da: Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

Vista A+erea de Lagos atual.jpg

Vista aérea de Lagos atual

 

Linha de Tempo

Cronologia da história de Lagos até ao final da primeira fase dos Descobrimentos 

1899 (BCE) – Fundação de Lacóbriga onde se situa a atual Lagos (aproximadamente);

935 (BCE) – Fenícios na Península Ibérica: Os Fenícios, vieram do próximo Oriente e chegaram até ao atual cabo S. Vicente no Barlavento Algarvio, perto da povoação de Lacóbriga, tendo-se envolvido em confrontos com as populações locais. Para lidar com a situação pedem auxílio aos Cartagineses;

600 (BCE) – Os Cartagineses vêm para a Península Ibérica onde se estabelecem. Nesta altura também os Gregos aportavam pelas costas da Península. Segundo Plínio, o Velho, este encontro entre Fenícios, Cartagineses e Turdetanos (onde se incluem os lacobricenses) e, mais tarde, também os Celtas, foi benéfico para o desenvolvimento, nomeadamente na progressão das técnicas agrícolas (exportação de grandes quantidades de trigo, vinho, cera e azeite, enquanto uma indústria piscatória e a existência de salinas, possibilitava a exportação de peixe;

Monte Molião.jpg

Monte Molião, que preserva partes de uma estrutura defensiva (amuralhada) celta que remonta a finais do século V e III (BCE).

 

Séc. IV (BCE) – Destruição de Lacóbriga por um sismo acompanhado de maremoto e a cidade foi conquistada pelos Cartagineses;

250/300 (BCE) – Cidade reedificada pelos Cartagineses, possivelmente num outro local diferente do anterior mas dentro do perímetro da baía e voltou a prosperar graças à produção pesqueira e agrícola e à apanha de coral continuando a ter um porto protegido no abrigo da baía que era procurado pelos navios de passagem e como destino de carga e descarga de mercadorias;

206 (BCE) – A cidade de Gades (Cádis) rende-se aos Romanos que tinham sido chamados pelos Celtiberos. Guerra entre Roma e Cartago (Guerras Púnicas);

155 (BCE) – Guerra Lusitana entre os Romanos e as tribos Lusitanas, comandadas por Viriato;

149 (BCE) – Após a morte de Viriato o comando dos Lusitanos ficou a cargo de Sertório;

76 (BCE) – Cerco de Lacóbriga pelos Romanos. Sertório rompe o cerco. Os Romanos retiram para a zona da Andaluzia. Lacóbriga continua na posse de Sertório como um importante porto comercial;

72 (BCE) – Sertório é assassinado;

44 (BCE) – Conquista de toda a Ibéria pelos Romanos, Lacóbriga incluída, que passou a chamar-se Lacóbrica;

Barragem Romana.jpg

Vestígios da barragem romana da Fonte Coberta, em Lagos

 

Idade média

409( CE) – Invasão da Península Ibérica pelos povos Alanos, Vândalos e Silinges;

(CE) - Common Era e (BCE) – Before Common Era

411 – Divisão da Península entre Romanos e as tribos invasoras, ficando a Lusitânia nas mãos dos Alanos;

415 – Os Romanos pedem ajuda aos Visigodos, após pilhagens levadas a efeito pelos Alanos, Vândalos e Silinges. Os Visigodos vieram em auxílio dos Romanos;

622 – Lagos já é sede de Bispado;

624 – Os Visigodos passam a dominar a totalidade da Península Ibérica;

Mapa Península Iberica em 411.png

Mapa da divisão da Península Ibérica em 411

 

Domínio Muçulmano

712 – Início da conquista da Península Ibérica pelos Muçulmanos muito rapidamente, tendo derrotado os Visigodos na batalha de “Guadalete”;

713 – Os Muçulmanos já tinham conquistado Sevilha, Mértola e outras cidades importantes;

714 – Conquista de Évora, Santarém e Coimbra pelos Muçulmanos;

716 – Tomada de Lagos que passou a chamar-se Halaq Al-Zawaia , o que, segundo alguns autores, significa "Mosteiro Muçulmano". Durante o domínio muçulmano, Lagos decaiu grandemente, passando a ser uma aldeia. Possivelmente, o Castelo de Lagos foi construído durante a ocupação Muçulmana;

 

Reconquista Cristã e independência portuguesa

Fases da Reconquista.jpg

Fases da reconquista da Península Ibérica

796 – Afonso II das Astúrias, atacou Lisboa;

844 – Os Normandos fizeram várias expedições à Península atacando Lisboa, Beja e a região do Algarve;

1130 – Nesta década, Afonso Henriques inicia uma campanha contra os Muçulmanos;

1139 – Batalha de Ourique entre Afonso Henriques e os Muçulmanos;

1140 – Auto proclamação de Afonso Henriques como Rei de Portugal;

1143 – Tratado de Zamora que confirma D. Afonso Henriques como Rei de Portugal;

1147 – Libertação de Lisboa;

1165 – Libertação de Évora;

1166 – Libertação de Serpa;

1169 – D. Sancho I conquista os castelos de Alvor, Silves e Albufeira (incluindo Lagos que foi, provavelmente, doada ao Bispado de Silves);

1190 – Lagos, nesta altura, quase só uma aldeia, foi entregue pelo Bispado de Silves ao Mosteiro de S. Vicente de Fora, a pedido do rei;

1191 – Reconquista de Lagos pelos Muçulmanos pela mão do Emir de Sevilha, Abu Iuçufe Iacube Almansor;

1234 – O Rei D. Sancho II liberta Aljustrel;

1238 – O mesmo para Mértola;

1240 – O mesmo para Alvor;

1249 – D. Afonso II reconquista o resto do Algarve. Lagos foi reconquistado entre 1241 e 1244. Os Muçulmanos deixaram a cidade em ruínas que depois foi ocupada por pescadores, tendo renascido. Alguns anos depois após este renascimento, a cidade começou a ser atacada sistematicamente pelos Muçulmanos vindos do Norte de África que capturavam gado e pessoas, estas últimas para servirem como escravas. Todo este contato ao longo de muitos anos, com os Muçulmanos, deixou profundas marcas na cultura de Lagos;

 

Descobrimentos Portugueses – 1ª Fase

Partida Vasco da Gama Índia 1497.jpg

A partida de Vasco da Gama a Índia em 1497

Quadro de Roque Gameiro

Séc. XIV (primeira metade) – Batalha naval juto ao Cabo de S. Vicente, entre Afonso IV de Portugal e Afonso XI de Castela, batalha essa vencida pelos Castelhanos;

1305 – Carta de D. Dinis onde autoriza João de Menezes a lançar armações no Algarve para a captura do atum. Por esta altura imigrantes Sicilianos iniciaram a pesca da Baleia (reinado de D. Afonso III ou de D. Dinis) bem como a apanha de coral;

1383 _ 1385 - Pouco depois da reconquista de Lagos, iniciou-se o serviço militar obrigatório? tendo as tropas de Lagos destacado-se nas Guerras Fernandinas e na Crise de 1383 _1385;

 1397 – Apreendidas pelo Almirante Castelhano Diego Gonzalez Mendonça  várias galés portuguesas que traziam farinha de Génova, tendo mandado afogar cerca de 400 marinheiros portugueses, por vingança pela morte de seu pai na batalha de Aljubarrota;

1410 – D. João dispensa os habitantes de Lagos de pagarem sisa das transações comerciais com os Venezianos que vinham negociar a Lagos. A população de Lagos, nesta época, seria de entre 1500 a 2000 habitantes.

 

No século XV, iniciou-se o ciclo dos Descobrimentos Portugueses.

Estatua Gil Eanes Lagos.jpg

Estátua do navegador Gil Eanes, no Jardim da Constituição, em Lagos

 

Parte da Primeira fase dos Descobrimentos

(1415 - 1434)

O ciclo dos Descobrimentos Portugueses e Expansão, iniciou-se no século XV, com as primeiras conquistas ainda durante o reinado de D. João I, incentivadas pelos infantes D. Henrique, D. Pedro e D. Duarte, tendo este último sido o herdeiro do trono.

 A cidade de Lagos foi um dos principais portos durante os descobrimentos, tendo sido o ponto de partida de várias expedições navais nos Séculos XV e XVI. Com efeito, fez parte da primeira campanha militar contra o Norte de África, que partiu de Lisboa em 25 de Julho de 1415 para conquistar a cidade de Ceuta. A armada, que era composta por mais de 200 barcos, atingiu Lagos no dia seguinte à partida de Lisboa,  onde se demorou alguns dias.  No dia 28, o rei revelou o verdadeiro destino da expedição, e o seu pregador anunciou a bula da Santa Cruzada sobre todos os que faziam parte da campanha. Depois, a armada partiu com destino a Ceuta onde chegou a 21 de Agosto. No regresso, o rei e Nuno Álvares Pereira desembarcaram em Lagos, de onde seguiram juntos até Évora.

Em 1419, o Infante D. Henrique saiu da corte e instalou-se em Lagos/Sagres, no Algarve, onde iniciou os seus planos para a futura expansão ultramarina portuguesa  Nesse ano, foi descoberta a Ilha da Madeira, tendo alguns dos homens que acompanharam João Gonçalves Zarco sido naturais de Lagos, destacando-se Lourenço Gomes e António Gago. No regresso, Zarco terá dado a notícia da descoberta ao Infante em Lagos, como foi descrito por Francisco de Paula Medina e Vasconcelos na sua obra Zargueida. Em 1422, foi feito um censo à população do Algarve, onde se apurou que existiam 11.235 fogos, dos quais 5.325 eram de Lagos.

Sob as ordens do infante,  o navegador Gil Eanes, natural de Lagos, dobrou o Cabo Bojador em 1434, feito considerado de grande importância no âmbito da exploração da costa de África.  No regresso, o navegador ofereceu ao Infante D. Henrique um barril com terra e algumas flores retiradas do cabo. Em 1435, Gil Eanes, em conjunto com Afonso Gonçalves Baldaia, fez outra viagem ao longo da costa africana, tendo passado novamente o Cabo Bojador, e chegado à Angra dos Ruivos ou dos Cavalos, a cerca de 50 léguas a Sul.  .  Em 25 de Setembro de 1433, D. Duarte deu ao Infante D. Henrique o monopólio da pesca do atum nas costas algarvias, e em 1440 tinha autorizado estrangeiros a explorar as armações de atum e sardinha.

Em 1434 Gil Eanes Passa o cabo Bojador, tendo saído do porto de Lagos e retornado ao mesmo porto, incólume.

E esta história termina aqui!

Para quem quiser aumentar o seu conhecimento sobre a história de Lagos pode sempre ligar-se a este endereço que tem a história completa:

Aqui https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Lagos_(Portugal)

(continua)

 

Bons Ventos e ...

Um Abraço

22.03.23

71 – Modelismo Naval 7.3.3 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

ib-04.1.jpg

 

(continuação)

 

Caros amigos

 

6 – Contextos para a “Barca de Gil Eanes”

Até agora vim carreando para os Posts, duma forma avulsa, diversa documentação e informação conhecida que pode ajudar na classificação morfológica da “Barca de Gil Eanes” bem como ajudar numa maior aproximação ao seu aparelho. Tenho a consciência de que muito ficou por pesquisar. Para poder argumentar de uma forma mais fundamentada, vamos agora explorar os “contextos” onde a “Barca de Gil Eanes” apareceu e operou. Quem são os intervenientes, onde aconteceu, em que alturas, qual era o desenvolvimento da náutica na época, etc. Necessariamente poderá haver alguma dedução especulativa neste ou naquele assunto e aqui vou-me valer de uma prerrogativa dos historiadores embora continue a arrogar-me como “não historiador”.

Citando o Professor Catedrático Doutor João Paulo Oliveira e Costa, a páginas 263 do seu livro “Henrique, o Infante“, diz o seguinte:

“A história positivista, escrupulosamente dependente dos documentos, pára aqui. No entanto, se mais não se pode afirmar, creio que cabe ao historiador a formulação de hipóteses verosímeis, mesmo que saiba que estas nunca terão resposta. O questionar dos factos estranhos ajuda, certamente, a compreender melhor o contexto em que esses mesmos acontecimentos sucederam”.

Basta mudar a palavra Historiador por “contador de histórias” e temos o meu caso. No entanto, eu vou tentar questionar melhor os contextos para poder esclarecer melhor alguns factos estranhos.

 

                     6.1 – O Contexto Humano                       

6.1.1 – O infante D. Henrique – “O Mentor”

O Infante D. Henrique não necessita de nenhuma apresentação específica pois é uma figura histórica Portuguesa, mundialmente conhecida. Por cá, nem tanto! Nem todos os aspectos da sua vida se encontram suficientemente conhecidos por indocumentados e a sua história tem sido contada de uma forma, por vezes, bastante incorrecta. Desde longa data!

Existe um período na vida de D. Henrique que nos interessa particularmente nesta demanda. O período (ou períodos) em que ele assentou arraiais no Algarve e o que fez nesse (s) período (s).

Andou pelo Algarve e a nós, aqui, só nos interessam dois aspectos da sua vida. O seu contributo como Henrique, o "Navegador" nos Descobrimentos Portugueses e a sua estadia no Algarve durante 15 anos que medeiam entre 1415, a conquista de Ceuta e a dobragem do Cabo Bojador em 1434. É este o período que irei tentar caracterizar numa perspectiva da preparação e do início dos Descobrimentos. E, mais uma vez, reforço que este não é um trabalho de História. Não quero contestar nada, só constatar! Só quero construir o modelo da “Barca de Gil Eanes” da melhor maneira.

O Infante D. Henrique, o Navegador.jpg

O Infante D. Henrique, Duque de Viseu, o “Navegador”

Tendo sido o grande impulsionador dos Descobrimentos com certeza que ficou algum rasto no que diz respeito a esta actividade  que o ocupou, entre muitas outras. Com o apoio de Zurara e outros, vamos ver então o que é que ele fez.

Painel azulejos 1864.jpg

Painel de azulejos de Jorge Colaço  (1864 – 1942) na estação ferroviária de São Bento , representando o Infante D. Henrique durante a conquista de Ceuta

O Infante D. Henrique, em 1415, encontrava-se numa armada – em companhia de seu pai, D. João I e de seus irmãos Pedro, futuro conde de Coimbra e Duarte, futuro Rei de Portugal – que partiu de Lagos com destino ao Norte de África em 23 de Julho, à conquista de Ceuta, praça-forte árabe e muçulmana e ponto fulcral para o controlo da ligação entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

D. João I.jpg

Rei de Portugal D. João I,

D. Pedro.png

Infante D. Pedro, Duque de Coimbra

Principe D. Duarte.png

     Príncipe D. Duarte, futuro Rei D. Duarte  

Os Descobrimentos Portugueses foram o conjunto de conquistas, navegações e comércio realizados pelos portugueses em viagens e explorações marítimas que começaram em 1418 com a descoberta das ilhas de Porto Santo e da Madeira.

Descobrimentos viagens.png

Descobrimentos, viagens e explorações portuguesas: datas e primeiros locais de chegada de 1415-1543, principais rotas no Oceano Índico (azul), territórios portugueses no reinado de D. João III  (verde)

Há unanimidade nos historiadores em considerar a conquista de Ceuta como o início dos Descobrimentos e do Império Português. A aventura ultramarina seria iniciada pela acção do Infante D. Henrique, reconhecido internacionalmente como o seu grande impulsionador, e continuada pelo seu sobrinho e protegido Infante D. Fernando, duque de Beja e Viseu e mais tarde por D. João II e futuros reis portugueses.

Planisferio de Cantino 1502.jpg

Planisfério de Cantino  (1502), a mais antiga carta náutica portuguesa conhecida, mostrando o resultado das viagens de Vasco da Gama à Índia, Colombo à América Central, Gaspar Corte Real à Terra Nova e Pedro Álvares Cabral ao Brasil, com o meridiano de Tordesilhas assinalado. (Biblioteca Estense Universitária de Módena)

Até ao século XIX, considerava-se que a única motivação do reino português para as conquistas africanas em Marrocos tinha sido de ordem religiosa e espírito de cruzada.

Rotas da seda.jpg

As importantes rotas comerciais da seda e das especiarias, bloqueadas pelos Otomanos em 1453. Com a queda de Constantinopla motivaram a procura de um caminho marítimo pelo Atlântico, contornando a África 

Mas havia também outras razões para a conquista de Ceuta, mais de um século depois resumidas pelo carmelita Frei Amador Arrais, ligando-as à acção de D. Afonso IV na Batalha do Salado - “El-Rei Dom João o primeiro, começou a conquista de África, tomando Septa, Baluarte da Cristandade, & Chave de toda Hespanha, Porta do comércio do poente para levante".

Os muçulmanos dominavam o estreito de Gibraltar e eram poderosos em Granada. Pela sua posição geográfica, Ceuta era uma base naval que podia servir de apoio à navegação entre a península itálica e Portugal, permitindo também reprimir ou tolher a pirataria dos mouros nas costas do Atlântico.

 

Primeiras expedições no Atlântico

 

Rotas Henriquinas c. 1430-1460.gif

As rotas henriquinas (c.1430-1460): ventos (verde), correntes (azul) e rotas (vermelho). Quanto mais para Sul, maior a volta necessária para regressar 

As primeiras navegações estão associadas à figura do Infante D. Henrique a partir da base que estabeleceu no Algarve, em Lagos e em Sagres (posteriormente com a sua "Vila do Infante") , onde o acompanhavam um grupo de cartógrafos, astrónomos, pilotos e por vezes outras personalidades sabedoras das teorias aplicadas às navegações. Além dos interesses materiais, o príncipe ambicionava estabelecer uma aliança com o Preste João, um príncipe cristão de que havia notícia e que governava as terras da Etiópia. Graças a essa aliança, pensava-se recomeçar as Cruzadas e expulsar os muçulmanos da Terra Santa.

Preste João.jpg

Representação do Preste João no trono, mapa da África oriental no Queen Mary's Atlas, Diogo Homem, 1558, Museu Britânico

Por trás deste movimento, como dirigente governativo, esteve o seu irmão Infante D. Pedro, 1.° Duque de Coimbra assim como um grupo vasto de religiosos cristãos e judeus, mercadores e armadores profissionais, interessados e participantes nas navegações, responsáveis por uma série importante de iniciativas e que o Infante liderou. Entre eles, o seu aventureiro sobrinho, Infante D. Fernando, duque de Beja, pai do futuro D. Manuel I, que deu toda a continuidade a esses intentos.

Infante D. Fernando.jpg

O Infante D. Fernando, Duque de Beja

As ilhas do Porto Santo e da Madeira

Em 1418, ainda no reinado de D. João I e sob a liderança do Infante D. Henrique, dá-se o redescobrimento da ilha de Porto Santo por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira e. no ano seguinte da ilha da Madeira pelos dois navegadores em conjunto, curiosamente em dois batéis que construíram na ilha de Porto Santo, onde se rncontravam e não nas barcas que tinham trazido de Lagos, porto de origem desta viagem. Trata-se de um redescobrimento pois já havia conhecimento da existência dessas ilhas no século XIV, segundo revela a cartografia da mesma época, principalmente em mapas italianos e catalães. Eram ilhas desabitadas que, pelo seu clima, ofereciam possibilidades de povoamento aos Portugueses e reuniam condições para a exploração agrícola.

Os arquipélagos da Madeira e das Canárias despertaram, desde cedo, o interesse tanto dos Portugueses como dos Castelhanos; por serem vizinhos da costa africana erepresentarem fortes potencialidades económicas e estratégicas.

Madeira e Porto anto.jpg

Arquipélago da Madeira

As primeiras incursões portuguesas (cerca do ano de 1420) em busca de escravos deram-se nas Ilhas Canárias, já habitadas por um povo de origem berbere, os "guanches", que opuseram uma feroz resistência. 

A disputa destes territórios deu origem ao primeiro conflito ibérico motivado por razões expansionistas que só terminou com a assinatura do Tratado das Alcáçovas - Toledo em 1479.

 

Os Açores

Em 1427, dão-se os primeiros contactos com o arquipélago dos Açores por Diogo de Silves. Ainda nesse ano é descoberto o grupo oriental dos Açores, São Miguel e Santa Maria. Segue-se o descobrimento do grupo central – Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial. Em 1452, o grupo ocidental – Flores  e Corvo – é descoberto por Diogo de Teive.

Arquipélago dos Açores.jpg

Arquipélago dos Açores

A costa ocidental de África

As anteriores descobertas aqui referidas tiveram como base a abordagem do Atlântico que banhava a costa Noroeste de África e que foi, pouco a pouco, percorrida pelas embarcações mandadas e armadas pelo Infante, embarcações essas que, tudo o indica, eram barcas e por vezes barinéis, pelo menos até c.1440 (a primeira referência a Caravelas nos Descobrimentos), barcas essas muito possivelmente construídas no Algarve, em “ribeiras” (estaleiros), em Lagos e noutras mais para sotavento, segundo métodos e morfologias usadas na época na construção naval artesanal e tradicional.

Caravela de dois mastros.jpg

A caravela, navio utilizado pelos portugueses a partir do século XV (uma das réplicas existentes)

Na altura o Infante, por razões várias e não perfeitamente definidas até agora, tinha feito do Algarve, onde possuía fortes interesses económicos, mais concretamente em Lagos onde tinha um palácio e a sua base, de cujo porto partiam as embarcações que demandavam o Atlântico rumo ao Sul.

Estes interesses atrás referidos eram de vária ordem, desde concessões de grandes áreas de terreno e povoações até à concessão de monopólios das salinas (?) e das “almadravas” (armações) de pesca do atum, em número considerável naquela época e que tinham sido introduzidas nos mares do Algarve por influência dos Fenícios, com algumas dúvidas, mas seguramente pelos Sicilianos.

Para o efeito, o Infante parece ter-se rodeado de um grupo de pessoas locais experientes, de construtores navais abalizados, marinheiros conhecedores dos mares do norte de África, geógrafos e cartógrafos com capacidade de traduzir informações orais em desenhos legíveis e toda uma outra plêiade de técnicos necessários para concretizar as inovações náuticas e tecnológicas que foram necessárias para a continuação da descoberta da costa Africana até ao seu final no Bojador, que muitos diziam ser muito perto mas que ele julgava ser mais longe e levar à descoberta de um caminho que possibilitasse chegar ao Índico e ao Oriente.

Nau.jpg

A nau foi um tipo de navio dos séculos XV e XVI, criado pelos Portugueses especificamente para as viagens oceânicas. (réplica)

Este grupo foi conhecido mais tarde, como a famosa “Escola de Sagres” que mais modernamente se pode demonstrar que nunca existiu como tal. Existiu, isso sim, um conjunto de pessoas que, não de uma forma organizada mas sistematizada, trabalharam em conjunto para concretizar uma ideia do Infante perfilhando-a, no sentido dela poder ser posta em uso, possivelmente em conversas tipo “tertúlia” onde eram debatidos, quando necessário e à medida que as coisas iam acontecendo, os diferentes aspetos dos problemas a enfrentar, segundo as várias perspectivas técnicas e pontos de vista individuais, tendo criado entre si uma relação de trabalho baseada numa só ideia e num só objetivo. Se isto pode ser considerado uma “Escola”, então sim, pode-se considerar a sua existência como tal, não de “Sagres” mas sim de “Lagos”.

Sagres fez parte também da vida do Infante no Algarve já que serviu de refúgio ao Infante nas horas más, de reflexão e lhe serviu como habitação na sua "Vila do Infante"-

Ponta-de-Sagres.jpg

Ponta de "Sagres"

Isto para mim tem lógica e poderá ter sido assim. Mas nunca teremos nenhuma certeza na perspetiva da tal “História Positivista”!

Independentemente de outras possíveis razões que tenham conduzido o Infante, a acção das Navegações com o intuito de descobrir mais Mundo é a que nos interessa. Neste caso!

Caravela Redonda.jpg

Caravela Redonda portuguesa, incorporada nas frotas para a índia (e outras frotas) em vez (ou a par) da Caravela Latina de dois mastros. A Caravela Redonda foi pensada para ser uma Caravela de guerra. (modelo)

Lagos, nesta altura, já era uma povoação em franco crescimento e com um desenvolvimento bastante avançado, tendo em conta o atraso crónico existente na totalidade do Reino. A povoação, culturalmente, tinha sofrido ao longo dos tempos toda uma série de influências benéficas e também maléficas por parte dos Cartagineses, Romanos, Celtiberos, Fenícios, Muçulmanos, mas também mais recentemente dos Venezianos, Gregos, Sicilianos e outros povos do Mediterrâneo. E, como qualquer povo, sofreu aculturações várias, tendo integrado na sua própria cultura, muitas das práticas, ideias e pontos de visto das várias civilizações. Uns bons e outros menos bons.

O porto de Lagos era um porto muito procurado por diferentes embarcações que comerciavam entre o Norte da Europa e o Sul, em especial do Mediterrâneo, quer como abrigo dos ventos rijos no Atlântico vindos do setor Norte, quer para trocas comercias, quer para descanso e aguada na sua baía. Barchas nórdicas ou de propriedade portuguesa, Galés, Fustas, Barinéis, etc. Dentro deste etc. inclui-se, certamente Barcas do Levante, uma embarcação com um formato parecido com a Barcha, com diversas dimensões, e também com um só mastro, mas com uma diferença enorme no que diz respeito ao aparelho velico que era latino. Todas estes povos e embarcações contribuíram grandemente para a cultura Lacobricense, bem como para o desenvolvimento da área, que tinha de responder aos diferentes tipos de necessidades que estas embarcações traziam, quer técnicas quer pessoais.

Miniatura de Barca LAGOS.jpg

Miniatura Portuguesa de Embarcação em Lagos do século xvi onde figuram, africanos e europeus

Aparentemente parece ser uma “Barcha” tipo, da Europa do Norte, com casco trincado, vela redonda (quadrangular), mastro com “Cesto de Observação”  (1), no topo e aguentado para os bordos por “Enxárcias”, leme que parece ser de “espadela”, já muito próximo da curva da popa  ( depende da capacidadeddo pintor para representar a perspectiva) e castelos de Popa e de Proa, não incorporados na estrutura da embarcação, só adaptados posteriormente.

(1) - No plano de construção da "Barca", do Museu de Marinha que me forneceram, este cesto vem como sendo o "Cesto da Gãvea". Sem dúvida que o é, em linguagem moderna! No entanto, estamos a falar de um apetrecho que estava colocado no mastro de uma barca com um só mastro, que não tem mastaréu da Gávea (vejam como é que em linguagem náutica vernácula se chamava a este mastaréu e o significado de uma expressão de sentido ofensivo que muitos de nós, em especial os que foram educados em colégios internos na Suiça, usam quando se zangam com alguém e que assim passa a ser inócua, (Ver aqui:  É assim mesmo.docx ) que é o mastro que se liga por cima do mastro real, se existir vela de Gávea na embarcação, o que não é o caso.

Por outro lado, o termo "Gávea" não foi usado na terminilogia naval portuguesa até, pelo menos, 1460, que é a data de limite superior do livro "Terminologia Naval Portuguesa Anterior a 1460 " de Maria Carbonell Pico, que pesquisou a documentação náutica anterior a essa data e o termo não consta do léxico. As primeiras referencias à "Gávea" aparecem, segundo o "Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual"  dos Comandantes Humberto Leitão e J. Vicente Lopes, em Gaspar Correia nas "Lendas da India" c. 1556 (2 vezes) e no "Livro de Marinharia" de Bernardo Fernandes em 1514 (também 2 vezes). E esta miniatura também é do século XVI.

Assim, parece que no tempo do  Gil Eanes - séc XV - não se devia chamar "cesto da gávea" mas sim qualquer outra coisa parecida com isto. Talvez "cesto de observção" como eu lhe chamo, que tem a ver com a função/tipo de uso, ou para ser mais consentâneo com a época,  "cesto de ver". Mas podem continuar a chamar-lhe cesto da gávea, mesmo erradamente!

Há notícia deste tráfego, como também da atividade intensa de embarcações dedicadas à pilhagem em atividade de corso ou de autêntica pirataria que, na época era comumente praticada por todos e em todos os países e não tinha a carga negativa que hoje lhe atribuímos. Era normal.

O Infante D. Henrique e o Infante D. Pedro mantiveram uma frota de corsários (cada um a sua) quase em permanencia no Estreito de Gibraltar no mar do Norte de África. Para isso, pagavam ao Rei, 1/5 do total das presas, arrecadando o resto. Podiam-no fazer pois tinham obtido autorização para isso, através do que se chamava “Carta de Corso”. Esta era uma prática comum em toda a Europa e acho que também no resto do mundo conhecido. Quem não tinha carta era “pirata”. Esta era a única diferença. Outros tempos! E daí, talvez não sejam!

Galeão.jpg

Galeão português, embarcação de grande tonelagem, utilizado como transporte de pessoas e carga e por vezes fortemente armados. (modelo)

Durante a presença do Infante D. Henrique no Algarve, desde a sua ida, até à dobragem do Cabo Bojador,  os acontecimentos mais importantes e que nos servem de referência foram os seguintes:

 

Linha de Tempo do Infante D. Henrique (de 1415 a 1434)

  • 1415 – Participação na tomada de Ceuta no Norte de África, onde foi armado cavaleiro junto com seus irmãos. Uma enorme armada concentrada em Lagos, partiu em 23 de Julho. A tomada de Ceuta deu-se a 21 de Agosto. Nesta altura também recebeu os títulos de Senhor da Guarda e de Duque de Viseu;
  • 1416 – Em 18 de Fevereiro foi encarregado do governo de Ceuta. Cabia-lhe organizar, no reino, a manutenção daquela praça-forte em Marrocos. Ceuta era um porto nevrálgico para controlo do tráfego marítimo do estreito de Gibraltar, bem como para obter mais informação sobre o interior de África;
  • 1418 – Regressou a Ceuta na companhia do Infante D. João, Senhor de Reguengos, Colares e Belas, o seu irmão mais novo. Os infantes comandavam uma expedição de socorro à cidade, que sofreu nesse ano o primeiro grande cerco, imposto conjuntamente pelas forças dos reis de Fez e de Granada. O cerco foi levantado e D. Henrique tentou de imediato atacar Gibraltar, mas o mau tempo impediu-o de desembarcar: Manifestava-se assim uma vez mais a temeridade e fervor anti muçulmano do Infante. Ao regressar a Ceuta recebeu ordens de seu pai para não prosseguir tal empreendimento;
  1. Também neste ano dois dos seus escudeiros, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, fizeram o reconhecimento da ilha do Porto Santo, no arquipélago da Madeira;
  2. Estas ilhas já estavam assinaladas em portulanos e textos desde o século anterior. As ilhas revelaram-se de grande importância, vindo a produzir grandes quantidades de cereais, minimizando a escassez que afligia Portugal. O arquipélago foi doado a D. Henrique por D. Duarte I de Portugal, (seu irmão) sucessor de D. João I, em 1433;

Brasão de D. Henrique.png

Brasão de armas de D. Henrique.

 1419 – Neste ano, os mesmos navegadores que tinham feito o reconhecimento de Porto Santo no ano anterior, partiram desta ilha para o (re)descobrimento da Madeira;

  1. O Infante D. Henrique voltou para o reino nos primeiros meses deste ano, tendo fixado residência em Lagos, no Algarve. Várias expedições foram feitas por sua iniciativa ou com a sua permissão. Por esta altura formou uma armada de corso, que atuou no estreito de Gibraltar a partir de Ceuta. Dispunha assim de mais uma fonte de rendimentos e desse modo, muitos dos seus homens habituaram-se à vida no mar. Mais tarde, alguns deles foram utilizados nas viagens dos Descobrimentos;
  2. Entre 1419 e 1422, o Infante D. Henrique começou a enviar tripulações suas com a incumbência de chegarem o mais ao sul possível, entendendo esse possível como a passagem do Cabo Bojador (obstáculo impeditivo do progresso para o Sul – Zurara). Isso nunca aconteceu e as embarcações, em alternativa, dirigiam-se à costa para, invariavelmente fazerem o resgate de peles de lobos-marinhos e de óleo dos mesmos e, algumas vezes, para tentar “filar autóctones”;
  • 1420 – Em 25 de Maio, D. Henrique foi nomeado Governador da Ordem de Cristo, cargo que deteve até ao fim da vida.  No que concerne ao seu interesse na exploração do oceano Atlântico, o cargo e os recursos da ordem foram decisivos ao longo da década de 1440. Desde que ficou com a tutela da Ordem, as velas das embarcações dos Descobrimentos passaram a usar a Cruz de Cristo;
  1. Entre 1419 e 1422, D. Henrique começou a mandar embarcações para irem o mais longe possível para o Sul, o que incluía a passagem do Cabo Bojador, um obstáculo geográfico, com alguns perigos, que foram grandemente aumentados pelas "estórias" da existência do outro lado, de mar fervente, sol que queimava as embarcações, monstros horripilantes que matavam as tripulações e a possibilidade de que as embarcações, se sobrevivessem  a estas horríveis condições, caíssem no vácuo, pois o mar terminava ali;

cAPA DAScRONICAS DA gUINÉ.jpg

Capa das "Crónicas dos Feitos de Guiné  (Paris códex), com a frase "talent de bien faire  ("vontade de bem fazer"), a divisa do Infante D. Henrique.

O retratado, de acordo com a mais recente historiografia da arte, é o rei D. Duarte I, seu irmão. Esta gravura é atribuída a D. Henrique erradamente já que as análises apontam que a página onde se insere não pertence ao manuscrito. Uma investigação de 2018, em Paris, identifica este retrato como sendo o Infante D. Pedro, alterando o significado global dos Painéis de S. Vicente.

  • 1427 – O navegador do Infante, Diogo de Silves descobre as primeiras ilhas dos Açores. Outra data aponta este descobrimento para 1431, feito por Gonçalo Velho.Também estas ilhas desabitadas foram depois povoadas pelos portugueses;
  1. Mapas do século XIV apontam a existência de ilhas nas coordenadas dos Açores;
  • 1433 – Desde uma data entre 1419 a 1422 D. Henrique começou a enviar embarcações para tentar passar o Bojador. Segundo um documento de chancelaria, mandou 15 vezes as suas embarcações para passar o dito cabo, coisa que nunca aconteceu. Zurara diz na “Crónica da Guiné” que foram enviados durante 12 anos.
  1. Neste ano de 33 mandou Gil Eanes, escudeiro que pertencia à sua casa, que tenta passar o Cabo Bojador mas não chega além das Canárias;
  • 1434 – Gil Eanes contornou o Cabo Bojador numa “”barca”, dissipando o terror que este promontório inspirava abrindo as portas do Mar Oceano em direcção ao Sul. No ano seguinte, navegando com Afonso Gonçalves Baldaia descobriram Angra de Ruivos e este último chegou ao Rio de Ouro, no Saara Ocidental. Entretanto, após a derrota portuguesa de Tânger em 1437, os portugueses adiaram o projecto de conquistar o Norte de África.

O Sonho do Infante.jpg

O sonho do Infante, por José Malhoa

A informação para este Post foi encontrada nas seguintes fontes:

Gomes Eanes de Zurara - "Crónica dos Feitos da Guiné" - c.1452/1453;

Oliveira e Costa - "Henrique, o Infante" - 2017;

Damião Peres - "História dos Descobrimentos Portugueses" - 1992

Por hoje é tudo!

 

(continua)

Bons Ventos e…

Um Abraço

 

 

 




 

 

 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 




 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Modelo

Encontro-me, de momento, envolvido numa “empreitada” de “fabrico” de um modelo do Bote Baleeiro dos Açores, numa escala de 1:20, segundo planos cedidos gentilmente pela Secretaria Regional de Cultura do Governo Regional dos Açores via “Museu do Baleeiro” do Pico, ilha com a qual tenho fortes ligações, planos esses que são o resultado de um levantamento efetuado nas Ilhas, em que se elaboraram, perante os botes reais, os planos de construção, ao pormenor, e na escala usada pelos mestres construtores, 1:20, de 3 botes baleeiros icónicos na cultura Açoriana, a saber: o bote “Santo André” de Santa Maria/S.Miguel, o bote “Cintrão” de Santa Maria adaptado a motor, e o bote “Santa Maria”, construído nas Lajes do Pico pelo mestre António dos Santos da Fonseca. Foi este último que mereceu a minha atenção.

Este “fabrico” é feito segundo o método de “Shell first”, perfeitamente dominado pelos mestres construtores dos Açores e que exige a feitura de um molde, que posteriormente serve de base á colocação das tábuas de forro que formam o casco, sendo depois “desenformado” e complementado com os acabamentos necessários, método este que é o usado na construção real destes botes sendo coisa que não é tão simples e linear como possa parecer para quem, como eu, nunca construiu nada por este método.

Simultaneamente, havendo muitos tempos mortos, para permitir uma boa secagem na moldagem das ripas que formam o forro e que são encharcadas com água (originalmente são “cozidas a vapor” em instalações rudimentares) para permitir a moldagem à forma e só depois sendo coladas, iniciei a construção de uma “barca” dos Descobrimentos, muito provavelmente, o primeiro tipo de embarcação usada nessa odisseia.

Comprei os planos existentes no “Museu de Marinha”, o que à partida achei suficiente mas que depois me deixaram cheio de dúvidas sobre o aspeto real da “barca” em especial desta, que eu chamei “a barca de Gil Eanes”, o que ninguém pode saber, só especular, já que as fontes são praticamente omissas. O que mais me chamou a atenção, estando habituado a planos de construção quase reais ou reais, foi a ausência de planos de pormenor com uma excepção: os desenhos 5 e 6 são dedicados á explicação de como construir um casco “trincado”.

Não sei se era ou não era “trincado” (ponho as minhas dúvidas que o fosse) mas pelo sim pelo não, preferi reduzir os planos para a escala de 1:120 e fazer um ensaio sobre o modelo a essa escala e simultaneamente reunir material de consulta que me permitisse ajuizar com maior realidade – se é que isso é possível tendo em conta o assunto e a confusão estabelecida – sobre como era a minha “Barca” de Gil Eanes.

Poderão dizer que fazer 3 coisas ao mesmo tempo é muita coisa para um homem só. Não são simultâneas, são programadas e o tempo não me falta ou melhor, o tempo em dias porque já me vai faltando o tempo em anos!

O resultado parcial desta minha pesquisa até agora, traduz-se nos conteúdos destes “posts” e no modelo que apresento a seguir.

 

 

 

 

 

 

 

Barca 1 – Não tem casco “trincado” pois considerei o seguinte:

A barca não terá sido comprada ao norte da Europa, mas sim construída nas “ribeiras” do Algarve (Lagos?) pois na fase em que se encontravam os Descobrimentos que era mais de “teste tecnológico” e que se deveria basear na “tentativa e erro”, só funcionaria, como aliás funcionou, com a introdução da aprendizagem (técnica ou de marinharia) logo a seguir, nos navios, testando os novos resultados.

Por outro lado em Portugal, com talvez a excepção da zona acima do Douro, não se tinha experiência na construção de cascos em “casco trincado”. A influência no país, sobretudo a Sul, foi mais do Mediterrâneo onde o “casco liso ”predominava há séculos com bons resultados.

Interessante referir que foram os Portugueses que, por esta época, levaram o “casco liso” para o Condado de Borgonha, sendo esta técnica aplicada com êxito – aumento da “eslora” das “cocas” sendo depois largamente difundida pela Europa do Norte.

Portanto, com muitas probabilidades de ser assim, o casco desta “barca” era, tradicionalmente “liso”.

 

Barca 2 – Vela quadrada neste caso retangular (vela redonda) e “cesto de observação” e mastro do gurupés

A vela redonda era usada em embarcações com um certo porte, que efetuavam viagens longas e em itinerários conhecidos que permitissem navegar com ventos do través para a popa. Esta vela teria “rizes” (aquelas “cordas” penduradas da vela em duas fiadas) que permitiam aumentar ou diminuir a superfície velica exposta à ação do vento para efeitos de mareação. Era “envergada” numa verga perpendicular ao plano longitudinal da embarcação, verga essa cujos ângulos em relação aos bordos (bombordo e estibordo) podiam variar conforme as mareações necessárias ao rumo/melhor andamento, através da manobra de dois cabos (um por bordo), chamados “braços” e que saiam dos 2 “lais da verga” (pontas da verga) e deveriam morar ante a ré do mastro).

Na proa da embarcação existe um mastro (pau) que em princípio é o “gurupez” (forma antiga para “gurupés”) onde as “bolinas” da vela a BB e a EB fazem o retorno para a sua morada ante a proa do mastro. Estes cabos caíram em desuso nos navios de vela redonda (embora alguns ainda as tenham) e serviam para levar para a frente as testas das velas redondas (as duas partes laterais), melhorando o ângulo de incidência do vento para aumento da bolina da embarcação. Segundo os planos, este mastro era amovível fixando-se á estrutura da embarcação atado por um cabo ao capelo (aquela peça na parte superior da roda de proa).

 

 

 

Barca 3 – Brandais e água

 

 

 

Barca 4 -

 

 

Barca 5 -

 

 

Barca 8 -

 

 

Barca 9 -

 

 

Barca 10 -

 

Barca 12 -

 

 

Barca 13 -

 

 

Barca 14 -

 

 

 

 

Barca 16 -

 

 

Barca 17 -

 

 

 

 

 

Barca 19 -

 

 

Barca 20 -

 

 

Barca 21 – Barca de Casco Trincado de origem da Europa do Norte

 

 

Barca 22 – Barca “Piscareza”, de origem Mediterrânica, adaptada em Lagos, Algarve

 

 

20.03.23

70 – Modelismo Naval 7.3.2 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


marearte

 

ib-04.1.jpg

 

(continuação)

Caros amigos

Além da influência (pouca mas pertinente) da Europa do Norte na Construção Naval, Portugal sofreu outras influências em simultâneo e ao longo dos tempos, anteriores e ulteriores, umas com maior intensidade, outras muito localizadas, influências essas que também deixaram marcas nesta atividade. Para procurar uma melhor argumentação para qualquer conclusão que se possa tirar, vamos analisar algumas situações que possam ter contribuído para a “barca” de Gil Eanes

 

5 – Outras Influências

Portugal tem duas costas bastante distintas em termos de agitação marítima e de regime de ventos e correntes: a costa Atlântica, “menos amiga” das navegações, que vai de Norte a Sul desde a foz do rio Minho até Sagres e a costa Algarvia (que, apesar de ser também Atlântica, já tem algumas características Mediterrânicas) que vai de Oeste para Este desde Sagres até à foz do Guadiana,” mais amiga” da navegação.

Apesar desta distinção entre Atlântico e Mediterrâneo, quando o mar “se zanga” é tudo a mesma coisa e as técnicas usadas na navegação são sempre as que melhor se adaptam às reais condições.

Barca (Barcha) e Barinel (Varinel) designam os dois tipos de embarcações mais utilizadas nas descobertas henriquinas até à segunda ou terceira viagem posteriores à passagem do cabo Bojador por Gil Eanes.

Eram navios relativamente primitivos, na maior parte dos casos sem coberta e com uma tonelagem que variava entre os 30 e os 100 tonéis - Oliveira Martins dizia que as “barchas” eram navios de 100 tonéis com uma coberta, utilizados largamente no comércio marítimo nos tempos de D. Fernando.

Outros investigadores referem que as barcas henriquinas eram geralmente de 30 tonéis e os barinéis mais não seriam que barchas maiores também com uma só vela vela e remos e, apesar de já existirem caravelas à data do Infante D. Henrique no Algarve – 1419 – a maior parte das viagens henriquinas foram feitas em barcas e barinéis.

A  embarcação de Baldaia já anteriormente referida, foi chamada de “Talhim” que devia significar que era telhada ou seja, provido de uma coberta para resguardo de gentes e vitualhas e para defesa das investidas do mar ou apenas um rudimentar castelo de popa telhado, e não poderia ter menos de 50 tonéis dado transportar cavalos.

Foi com barcas telhadas que João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz encontraram a ilha de Porto Santo arrastados por um temporal como explicou o comandante Quirino da Fonseca.

O mesmo comandante e historiador refere como pertencendo à mesma tipologia náutica, “as Naves e as Barchas” sendo as primeiras mais possantes, mas umas e outras com formas rotundas, raras vezes excedendo a capacidade de 100 tonéis.

As barchas aparelhavam de ordinário com um só mastro, onde cruzava horizontalmente a única verga, nesta se fixando uma grande vela quadrangular.

As barchas, segundo o Almirante Amadeu de Carvalho Andrade andavam pelos 10 a 20 m de comprimento e 2,5 a 3,5 metros de boca e 1,5 a 1,65 m de pontal.

Capa livro.jpg

Um livro de divulgação, sem linguagem “gongórica”, feito para os “marinheiros de sequeiro” ou seja a maioria dos Portugueses. Muito simples e interessante, até a própria “dedicatória”: “Escrevo para quem sabe menos do que eu; do pouco que sei alguma coisa lhes transmito”

Geralmente eram de boca aberta, isto é, sem convés corrido ou teriam uma só coberta quando destinadas a viagens longas. Este autor diferencia barcha de barca, considerando o primeiro termo como um navio de maior porte. Outros autores utilizam a grafologia barcha apenas para designar as mais antigas aos tempos do Infante, provavelmente de séculos antes.

A tipologia da barcha que existiu no Mediterrâneo

Na obra do alemão Joseph Furttenbach “Architectura Navalis” (1629) - quase 200 anos após as datas que estamos a analisar - encontramos a descrição da chamada “barca comum” do Mediterrâneo e um desenho representativo da mesma com popa de painel e dois mastros, tendo cada um uma verga para vela latina.

Capa livro Alemão.jpg

Página de frontispício da obra “Architectura Navalis”, onde aparece um genérico (tipo índice), que nomeia os vários tipos de embarcações que vão ser abordados, e contém a frase “und ein gemeine Barca” (e uma Barca média)

 

Eneias e Achates na costa da Líbia.jpg

Enéias e Achates na costa da Líbia  (1520) – Dossi Dosso  - Duas barcas em construção

Encontramos este tipo de navio em construção num quadro de Dossi Dosso de 1520 pelo que se tratava de uma barcha muito posterior ao início dos descobrimentos portugueses.

Furttenbach diz que a barca comum tinha em geral uma equipagem de seis homens que podiam ser utilizados como remadores na falte de vento ou nas manobras de aproximação aos portos.

A barcha comum apresentada na obra de Furttenbach tinha 52 “palmi” de comprimento (12,912m), uma coberta corrida e uma popa longa que estreitava bastante para terminar num painel de reduzida dimensão. A boca da barca comum tinha 15,5 “palmi” (3,849m).

Barca Media-Mediterraneo.jpg

“Architectura Navalis”, Furttenbach – Desenho 18 – Barca média (13m)

Legenda: Grundriss – coberta; Stamenale estrutura

Profilo – Perfil; Prooa – Proa; Palmi – Escala (petitpas)

Esta barca comum fazia o transporte costeiro de grande quantidade de mercadorias, principalmente produtos provenientes da agricultura e dela derivaram os “galleone” italianos que abrangiam uma vasta quantidade de tipos de navios como as “freggatte” destinados à navegação em alto mar e com possibilidades de serem armadas.

De qualquer forma, à excepção do leme axial (1), um artefacto relativamente moderno, a arquitetura naval das barcas assenta em navios redondos de grande antiguidade, quase dos tempos dos fenícios.

*************************

(1) - Dois tipos de leme:

  • Leme axial: que consiste num plano vertical, preso ao casco da embarcação na zona da popa, alinhado com a quilha. Nas embarcações modernas com mais de um leme, estes estão alinhados com o eixo proa-popa.

Apesar de ser atualmente o tipo de leme mais difundido, só foi universalmente adotado por volta do século XIV, já existindo, portanto, na época em causa (século XV). Isto não quer dizer que o leme de esparrela tenha desaparecido. Coexistiram!

  • Leme de esparrela: que consiste num remo, ou similar, colocado lateralmente no bordo de sotavento. Era o sistema utilizado nas embarcações de casco trincado, tais como os dracares e as barcas do Norte da Europa.

                             *************************

A Barca Pescareza/Caravela Pescareza

Estas barcas de pesca, que aparecem a par da caravela pescareza (2), e que são muitas vezes confundidas devido à sua semelhança, era um barco aberto de pesca com velame latino semelhante a vários tipos que navegaram nos rios e costas portuguesas, do oeste e algarvias antes da chegada dos barcos com amplos painéis de popa.

 

Porto de Lisboa.png

Panorama do Porto de Lisboa (Tejo) no século XVI, onde estão representados vários tipos de navios que se conseguem identificar:  um Galeão no centro da pintura que tem à sua esquerda, em primeiro plano duas Naus e, um pouco mais atrás destas, figuram duas Caravelas Redondas, tendo por detrás mais uma Nau que tem à sua esquerda uma Caravela de dois mastros. À direita do Galeão está uma Caravela de dois mastros, possivelmente mais uma Nau que se encontra em fabricos, a que se segue uma outra Caravela de dois mastros. Num plano mais afastado veem-se três Caravelas ou Barcas de um mastro (possivelmente de pesca) que enquadram uma outra Nau possivelmente também em fabricos. Por toda a pintura encontram-se espalhadas uma série de Caravelas ou Barcas de um mastro possivelmente dedicadas  algumas à pesca e também outras ao transporte fluvial de passageiros e de cargas.

*************************

(2) – Quando se fala de Caravelas, é comum referir que Portugal já tinha Caravelas pelo menos desde 1255, data do Foral de Vila Nova de Gaia que o recebeu das mãos do rei Afonso III, sendo este o documento português mais antigo onde se refere o termo “caravela”. No entanto, muitas pessoas usam este argumento num contexto dos Descobrimentos, o que não é correto pois as Caravelas dos Descobrimentos ou mais corretamente Caravelas Latinas só existiram, oficialmente, desde o ano de 1440, ano em que se sabe, pela pena de Zurara, que o escreve na Crónica dos Feitos da Guiné, final do cap. XI: “Bem é que no ano de 40 se armaram duas caravelas a fim de irem àquela terra (do Rio do Ouro), mas porque houveram acontecimentos contrários (?) não contamos mais de sua viagem“. É esta a primeira referência às caravelas com esta tipologia. As caravelas referidas no foral eram caravelas de pesca ou barcas de pesca e, atendendo à data, com muita possibilidade de terem pano redondo.

Azulejos.jpg

Azulejo que representa o Tejo, “Museu Nacional do Azulejo - Vista Panorâmica de Lisboa antes de 1755 – Gabriel del Barco (1648-d.) ”, na zona do Ribeira das Naus, onde figuram, além de uma embarcação grande –  pode ser um Galeão mas parece mais uma Nau– uma série de outras mais pequenas que incluem embarcações de uma vela, Barcas ou Caravelas e, mais à esquerda, uma barca com vela de pendão (poderá ser uma Fragata?).

*************************

A “Barca” típica de Lagos

Mas a verdadeira “barca pescareza” era típica de Lagos nos tempos do Infante e foi utilizada pelos seus navegadores nas primeiras viagens das descobertas, sendo um navio muito simples e aberto sem coberta como vem aqui retratado em modelo”.

Tinha esta referência no meu “caderno de citações” que uso quando leio, para anotar frases ou referências sobre diversos assuntos que me interessam e podem ser úteis mais tarde mas que, ao contrário do que seria de esperar, não a anotei nem com data nem com fonte de onde provêm.

Já me tinha acontecido outras vezes e, algumas dessas vezes, procurei na internet e consegui localizar. Fiz o mesmo com esta e… apareceu!

Trata-se de um artigo num “site” da “Barca de Pesca do Alto de Sesimbra” sobre a barca “Amor ao Ofício”, construída de raiz que atualmente não vai à pesca mas faz passeios turísticos-

Pela redação da citação, penso, que vem de outro lado que não está referenciado. Mas… vale o que vale.

Tem em anexo um plano de construção, e apresenta uma fotografia de uma barca idêntica “ao vivo” ou melhor, várias fotografias das quais retenho a que representa uma Barca antiga, na faina da pesca.

É de notar que a “Barca Nova” é motorizada (devendo usar raramente a vela, como é norma nestes barcos “antigos” turísticos, muitas das vesez por ausência de vento), que a colocação do mastro é diferente em relação à fotografia da “Barca Velha” e que o plano apresentado neste conjunto é de uma barca de dois mastros e não de um (um mais deslocado para junto da proa e o outro colocado ao centro da embarcação, o que deviam ser os lugares corretos).

Barca do Alto Sesimbra.jpg

A “Barca” do Alto de Sesimbra, atual (turismo)

 

Plano de Barca do Alto de Sesimbra.jpg

O “Plano” da Barca do Alto de Sesimbra (cortes)

 

Barca Velha.jpg

A Barca do Alto de Sesimbra, em ação - "Velha"

Por hoje é tudo!

(continua)

Um Abraço e...

Bons Ventos