12.06.24
93 – Modelismo Naval – Um outro Mini-Barco - “Barinel lI” – Uma embarcação das Descobertas, não muito conhecida -
marearte
Caros Amigos
(continuação)
As outras fontes escritas para a caracterização do barinel são dispersas e podem ser classificadas como universais e portuguesas.
Das universais, a que mais pode contribuir para esta caracterização é a “Coca de Mataró”, um modelo ex-voto anterior a 1450 que foi encontrado numa Igreja em Mataró (a norte de Barcelona) e que representa um navio do séc. XIV.
Trata-se de um modelo em madeira, aparentemente em escala (aproximada), que deve ter sido, pelos pormenores que contém, construído por alguém com conhecimentos e prática de construção Naval.
Fig. 5 – A “Coca medieval de Mataró”, original que se encontra no “Prinz Hendrik Maritime Museum of Rotterdam”.
Construído no século XV, por volta de 1450, o modelo é dos mais antigos da Europa e é um ex-voto para agradecimento de qualquer “milagre” em que tenha estado envolvido (sobrevivência de um possível (naufrágio? ataque de piratas?), ou um outro qualquer acontecimento auspicioso.
A “Coca de Mataró” tinha leme de cadaste e é considerada de influência Atlântica já que é muito parecida a uma Coca que foi descoberta afundada em Bremen (actual Alemanha) que está no Museu Marítimo da Alemanha, representativa das várias cocos que se utilizavam para o transporte de mercadorias e tropas, principalmente por parte dos ingleses e normandos, tendo aparecido no Mediterrâneo no século Xlll.
Fig. 6 - Coca alemã cujos destroços de naufrágio foram descobertos em Bremen - Alemanha
Este ex-voto de uma coca (?) permitiu o estudo da sua construção por Xavier Pastor Quifada, através do documento AH3 do Arquivo Histórico do Reino de Maiorca, bem como do modelo da mesma.
Fig. 7 – Modelo da “Coca de Mataró” a que uns chamam “Nau” outros “Navio” e ainda outros “Barinel”
Voltaremos a eles mais adiante.
A documentação internacional respeitante à informação sobre o barinel é a seguinte:
Galiza
- Na Galiza aparece referido fugazmente em 1284 como um navio de guerra e de corso, possivelmente Bretão;
Inglaterra
- Também é mencionado em documentos ingleses antes do século XIV, como fazendo parte das armadas reais;
- As principais características descritas para os barinéis ingleses é que eram de tabuado trincado, vela redonda e remos, tal como as barcas mas mais pequenos do que estas;
- Em 1416, quando começou a construção da grande Nau “Grace Dieu”, (Inglaterra, 1418) foram mandados construir dois barinéis um, de 100 tonéis (a) e 48 remos e um outro mais pequeno, de 80 Tonéis e 38 remos;
(a) Tonel – Medida de capacidade de carga usada na antiga construção naval. Tinha um rumo de comprimento e 4 palmos de goa de largura (1,5 m x 1 m).
- Em 1409 -1411 um barinel inglês tinha um mastro, uma verga, um gurupés e uma vela redonda com duas monetas (b), dois brandais e dois estais;
(b) – Monetas são acrescentos de pano de vela, cosidos na parte inferior da mesma e que serviam para aumentar aa superfície das velas, quando necessário. Pelo contrário os rizes, são pedaços de cabos cosidos nos ilhós das forras (normalmente em duas fiadas) dos rizes, que servem para diminuir a superfície das velas. Têm a mesma função das monetas mas estas foram substituídas gradualmente por aqueles já que a manobra de redução da área vélica é muito mais prática com os rizes do que com o acrescento com monetas.
- Por volta de 1422 já havia um mastro de mezena (ante a ré do grande) mas não existe (?) nenhuma referência a um mastro do traquete (ante a vante do grande);
- O barinel “Anne”, de 129 tonéis que dava apoio à grande nau “Holy Ghost" tinha um mastro grande, um gurupés, um mastro da mezena e “a mast pareill” que ainda hoje não se sabe onde se situava e qual a sua função;
- Na década de 1430 teria aparecido um de três mastros com vela redonda no grande e no traquete e vela latina no da mezena;
- Os barinéis ingleses eram navios de guerra e de corso;
- O relato de um ataque em 1416 a uma nau Francesa por barinéis Ingleses confirma que estes eram de baixo bordo pois a nau era mais alta, por volta de 12 pés;
França
- Aparece mencionado em documentação francesa do século XlV;
- Num documento redigido em latim são referidos a seguir às barcas: “navigiis, bargiis, baleneriis, e allis navigiis” o que pode indicar uma ordenação por tamanho;
- Pertenciam provavelmente à família das galés. Um dos nomeados, o “George de Tour” era ao modo de galé - “ad modium unius galee”;
- Uma outra grande nau, chamada “Jesus” tinha um barinel de apoio;
- Os barinéis de Dieppe (Normandia), parece terem sido utilizados só em missões de guerra e de corso;
- Jacques Bernard, no seu livro “Navires et gens de mer a Bordeaux (vers 1400 – vers 1550), Tomo I, explica de modo convincente o papel que o barinel desempenhou na primeira metade do séc. XV:
Ao longo da antiguidade a galé dominou a guerra no mar durante o séc. XIII e XIV mas foi depois ultrapassada pelos navios à vela, em especial a nau e só readquiriu importância militar no séc. XVI quando foi adaptada às modificações necessárias introduzidas pela artilharia. Neste entretanto, o barinel apareceu como uma espécie de versão atlântica da galé, com muito menos remadores e maior capacidade de manobra à vela.
- Em Bordéus colocavam-no na mesma família das galés por oposição às naus, e desempenhava muitas vezes funções idênticas chegando a ser confundido com elas. Num documento de 1406 refere-se que “(…) “la gualiota et los autres baleneys”:
- Tal como as galés, muitos eram propriedade municipal e de muitos nobres e estavam por longos períodos desarmados. Todos se encontravam prioritariamente atribuídos à defesa da cidade;
Fig. 8– Capa do Tomo I do livro de Jacques Bernard “Navires et gens de mer à Bordeaux, vers 1400 v ers 1550”
Espanha
Na “Cronica de D. Pedro Niño” (12) de Gutierre Diaz de Games, encontram-se referencias a barinéis, integradas na terceira parte da narrativa, que tratam das características dos “barinéis” franceses:
Fig. 9 – A capa da “Cronica de Don Pedro Niño”, publicada em Madrid no ano de 1782, que foi escrita por Gutierre Diez de Games entre os anos de 1403 e 1405.
- Eram de remo e vela, longos e baixos, e muito velozes;
- Encontra-se referido para os barinéis a existência de castelos de proa em 1405-1410 e em 1447-1448:
- No princípio, os barinéis só tinham um mastro com vela redonda, mas na primeira metade do século XV, passaram a ter dois ou três mastros, dois pelo menos com uma vela redonda;
- Em Espanha os barinéis estavam integrados nas armadas reais. As cortes de 1442 manifestaram a necessidade de “muitos navios e gales e outras fustas”, para defenderem a costa devendo andar no mar continuamente duas galés e dois “balegneres”;
- Esta crónica descreve uma batalha naval em 1403 entre uma armada espanhola comandada por Pero Niño e uma armada inglesa de urcas (cocas da Alemanha), naus (c) grossas e barinéis;
(c) – Termo genérico, empregado até fins do século XV para designar os navios de porte relativamente grande, com acastelamentos a proa e à popa, de pano redondo e que, na sua maioria, senão todos, arvoravam um só mastro
Geral
- Os pequenos barinéis teriam poucos remos (3 a 10), mas os grandes chegavam a armar dois por banco.
- Em 1378 eram pelo menos 32 com 34 a 50 remos cada;
- Em 1403-1411, está documentado um barinel com 22 remos longos e 12 remos curtos:
- Em 1409-1411, outro barinel com 60 remos;
- Á medida que era ganha confiança na vela (que era usada em conjunto com os remos), ao longo dos anos, o número de remos deve ter diminuído, sendo mesmo abandonados na segunda metade do século XV;
- Os barinéis, por serem bastante manobráveis, foram utilizados como apoio a navios maiores e em viagens de reconhecimento sem escolta;
- Os grandes barinéis possivelmente tinham castelo de proa (1405-1410 e 1447-1448);
- A grande nau “Colom” pertencia a um corsário. Um documento veneziano de 1469 diz que o navio “Colom” estava com oito naus e barinéis:
Uma carta circular dos cônsules de Barcelona, avisa que o corsário Colom chegou a Alicante com sete navios e atacou as galés do conde de Prades e que os navios do corsário eram duas naus de 1000 botas ( d ) cada, 3 naus de 700 botas cada e dois barinéis. Esta carta esclarecia que os barinéis vogavam como galés (tinham remos, donde se depreende que também podiam não ter);
(d) – Bota - Antiga medida de capacidade usada no Mediterrâneo com valores variáveis entre 450 e 750 l. Havia por vezes a equivalência de 1 tonel com 2 botas.
- Alguns navios chamados “barcha” na Galiza, e que faziam comércio com a Catalunha, eram aqui denominados “baleneres”. Estes navios tinham, em média 45 tonéis, três mastros e gurupés. O velame era uma combinação de redondo e latino, provavelmente redondo com monetas no grande e no traquete e latino na mezena;
- Em Itália também se dava o nome de barinel a uma embarcação pequena, muito manobrável;
- Também existiu, entre os árabes, uma embarcação com um nome semelhante “bariya”, mas possivelmente muito diferente, do tipo fusta ou bergantim. Existem referências, no séc. IX dessa existência. Teriam normalmente uma tripulação de 45 homens: um piloto, 3 lançadores de fogo, 1 carpinteiro, 1 panadero (?) e 39 remadores e combatentes.
Fig. 10 - Selo Inglês do séc. XIV (?), onde figura um Barinel (?), uma Coca (?), uma Nau (?)
Para Portugal, a documentação dispersa que fala em barinéis, é:
- Nas Cortes de 1436 (Évora, D. Duarte) os procuradores do Porto falam de serviços prestados durante a revolução de 1383-1385, entre os quais se destaca o envio de um barinel a Inglaterra podendo inferir-se que existiam barinéis em Portugal na década de 1380. Isto não é referido por qualquer outra fonte portuguesa No entanto uma fonte castelhana de 1397 diz que foi apresado um Barinel, junto ao porto de Vivero (Galiza) que se dirigia de Portugal para Bayona (o que não quer dizer que era necessariamente português);
- Na conquista de Ceuta, participaram alguns “valenguere”, indicados na ”Crónica de Juan II de Castela” havendo a confirmação de pelo menos um barinel nessa expedição pois, segundo o relato do espião Ruy Dias de Veja, o rei de Portugal “fez agora” um “ballyner que terá 300 tonéis e levará 40 marinheiros”;
- Muitos dos barinéis, como nos outros países, eram navios de guerra e pertenciam ao rei ou a nobres. Gonçalo Velho andava com um no Mediterrâneo em 1426. Um documento de 1443 indica três barinéis do duque de Bragança, do conde de Barcelos e de Aires Gomes da Silva;
- Uma carta real (D. Afonso V) de 1450 nomeia Pedro Vaz Teixeira como “meirinho do nosso Barinel que se ora faz na nossa cidade de Lixboa”;
- João de Queirós, dono e patrão de um barinel armado ficou, a partir de 1452 ao serviço do rei de Aragão na luta contra os mouros;
- Pelo menos quatro barinéis estão documentados em 1456 a saber: um do rei com o nome de “Santantoninho”, um outro do conde D. Duarte de Meneses, um de “Myce Francisco” e outro de que era mestre e senhorio João Gomes, morador no Algarve;
- Vasco Eanes Corte Real comandava um com 400 tonéis, no Mediterrâneo, em 1462:
- Em ações de corso está documentado o uso da parelha barinel - caravela como, por exemplo, em 1434, 1462, 1474 e 1484;
- Na década de 40, dois navios do Duque de Borgonha, um barinel e uma caravela, eram comandados por Martim Afonso de Oliveira. O barinel teria 25 tripulantes;
- Também ao serviço do Duque de Borgonha (e) esteve João Pires que em 1450 era comandante das galés e em 1452 foi nomeado patrão de um barinel para comerciar no Mediterrâneo onde foi aprisionado, no mar de Barcelona em 1453, sob a acusação de pirataria. Segundo carta do rei de Aragão, este aprisionamento foi feito por uma “nau o balener” de Burgos e uma “galeaça” de França.
Segundo os documentos aqui referidos, em meados do séc. XV o barinel já devia de ser muito parecido com a nau, tendo os dois mastros da vante redondos (traquete e grande) porque, e também, o navio de João Pires é designado barinel no documento borgonhês e nau na carta do rei de Aragão, e esta carta indica que o navio de Burgos era “nau o balaner”;
Nota (e):
O Duque de Borgonha entre 1436 e 1441 era Filipe III, “O Bom” casado com a Infanta de Portugal, Dona Isabel, irmã do Infante D. Henrique, o qual lhe enviou, entre estas duas datas, carpinteiros portugueses para construírem navios para a sua esquadra. Em 1456 construíram uma galé no porto de Écluse, em 1438 uma caravela pequena também em Écluse. Em 1438 e 1439 duas caravelas em Bruxelas e, entre 1439 e 1441 uma grande nau, em Anvers.Com esta troca de conhecimentos à margem da “Política de Sigilo” de Portugal, (se é que existiu), não é de admirar que também houvesse comandantes portuguese “João Pires” e “Martim Afonso de Oliveira” na frota do Duque de Borgonha.
Estas construções levaram para a Borgonha métodos desconhecidos dos construtores locais. Este intercâmbio de tecnologias de construção naval teve resultados duplos pois, permitiu aos construtores portugueses o domínio da construção, integrada no corpo do navio, de castelos de popa e proa, á data ainda pouco (ou nada) executada em Portugal-
In: “Um Relatório sobre a Construção de Caravelas Portuguesas em Bruxelas (1438 – 1439) ”.
Jacques Paviot e Éric Rieth, Laboratoire d’Hidtoire Maritime, C.N.R.S, Paris. (Revista Oceanos).
- Como aconteceu noutros países, o barinel desapareceu tendo sido gradualmente substituído pelo “Galeão”, navio de vela semelhante à nau mas especialmente concebido para a guerra;
- “Cumpre-me aparelhar um valente barinel” é a última referência conhecida, de 1517, numa fala que Gil Vicente põe na boca do Diabo no “Auto do Purgatório”. Por coincidência, a primeira referência conhecida a um galeão português é de 1516;
Nesta fase de transição estão documentados alguns barinéis, que seriam muito parecidos com as naus e com os futuros galeões:
- Em 1375 o rei de Portugal foi aconselhado:
“deve fazer fundamento de armar para este ano que vem para satisfação e reparo do dano que ora seus naturais recebem e tem recebido e para seus vizinhos e amigos e inimigos o recearem e haverem vergonha e medo de assim ofender os ditos seus naturais, a qual armada deve ser grossa e boa como a de agora há um ano, ou mui pouco menos, a qual poderá custar até dez mil coroas, e também mandar fazer ou comprar na Biscaia uma grossa e boa nau e um par d especiais barinéis pera guardar amparo e defensão de seus Reinos”:
- Um barinel de Biscaia, em 1461, tinha três mastros redondos e 18 remos;
- Em carta de Julho de 1499, o italiano Girolamo Sernigi diz que os navios de Vasco da Gama levou à India eram dois barinéis de 90 tonéis cada, um barinel de 50 tonéis e uma ”nau pequena” de 110.
Outras fontes indicam que eram as naus S. Gabriel e S. Rafael, talvez de 90 tonéis cada, a caravela Berrio, talvez de 50 tonéis, e uma nau de mantimentos que teria 110 tonéis;
- Um documento de 1502 manda entregar biscoito ao mestre do barinel “Figa”;
- Outro documento de 1505 contém o rol da carga que Rui Gonçalo Martins, mestre do barinel “Santa Maria da Luz” levou para Londres;
- Francisco Manuel de Melo terá levado barinéis para a India em 1505, como consta do regimento que recebeu do rei: “Partindo daqui de Quíloa havemos por bem que envies um par de barinéis quais pera isso vos parecerem os quais vão correndo a costa até o cabo Guardafum”
Resumindo de tudo o que foi dito:
- O barinel está documentado em Portugal desde a década de 1380 até 1517;
- Era uma embarcação mista de vela e remos, longa e baixa de bordo:
- De início, com um só mastro redondo;
- Ao longo da primeira metade do séc. XV passou a ter dois ou três mastros, dos quais dois pelo menos redondos (o Grande e o Traquete);
- Este modelo desapareceu em meados do séc. XV, dando origem ao Galeão;
- No fim, do séc. XV devia ser muito parecido com o futuro galeão.
Fig. 10 - Um “Galeão Português”
(da minha colecção)
Bibliografia
(8) – “Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual”, Comte Leitão, Humberto e Comte Lopes, J. Vicente, Edições Culturais da Marinha, Lisboa, 1990;
(9) – “Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499”, Pedrosa, Fernando Gomes/ Pereira, José Malhão/Guerreiro, Inácio, Academia de Marinha, Lisboa, 1997;
(12) – “Cronica de D. Pedro Niño” (El Victorial), Games, Gutierre Diez de. 1436, Editado em Madrid, 1732;
E por hoje é tudo.
Um abraço e …
Bons Ventos