18.05.24
91 – Modelismo Naval – Baleação – Portugal 2
marearte
“Portugal Continental II” – “Brasil” – “Madeira” – “ S. Tomé e Príncipe” – “Cabo Verde” – “Angola” – “Moçambique” – “Açores”
(continuação)
Caros Amigos
Portugal Continental – História Geral da Baleação
A caça à baleia já existia sem dúvida no tempo das cortes de Leiria em 1254, porque aqui o rei mandou aplicar ao pagamento de uma dívida existente a um mosteiro os rendimentos "que eram retirados do azeite das baleias bem como outras coisas do porto de Sair de Atouguia."
Além disso, no século XIII, quando a actividade piscatória no porto de Atouguia continuava a florescer, os numerosos baleeiros possuíam casas no Baleal ("os rendimentos das casas que o rei mandou construir no Baleal onde vivem os baleeiros"), e possuíam um número razoável de embarcações dedicadas a esta pesca.
9 – Portugal. Zonas de Baleação
Na zona do Porto, inquéritos de 1258 dizem que os pescadores de Lordelo trabalhavam no rio Douro e no mar, pagando apenas renda ao monarca pela pesca de baleias e outros animais como golfinhos e atuns, renda essa que chegava a metade da produção Acrescenta-se que isto já acontecia no tempo de D. Sancho I, indicando que esta pesca remonta ao último quartel do século XII ou mesmo antes.
Em 12 de abril de 1280, numa carta do rei D. Dinis passada ao concelho de Atouguia da Balea, ordenava que trinta remadores daquela povoação prestassem serviço anual ao rei, por mar, na sua frota, durante seis semanas, com as suas armas. e provisões (Monumenta Henricina, 1960-1974).
Também na costa algarvia encontraremos importantes centros baleeiros, a partir do século XII. , Segundo os foriais dos vários concelhos desta província, da época de D. Afonso III e subscritos pelo seu sucessor, nomeadamente os de Aljezur em 1280, de Cacela em 1283 e de Porches em 1286, a coroa conservou para si as baleações ali existentes:
“A baleia também foi utilizada durante muito tempo na culinária, porque a sua carne, cortada em grandes pedaços, era certamente uma iguaria cobiçada pelo comércio dos arrastões que se dedicavam ao negócio do peixe, tão consumido em Portugal.”
10 – Representação da Época Paleolítica de habitantes de uma aldeia na observação de baleias no mar
Pelo menos seria muito apreciada pela nobreza, já que, na despensa do rei D. Afonso III, num período de doze anos e três meses, foram gastas quase três mil peças de baleia. Embora não se conheça o tamanho médio de cada uma destas unidades, é certamente indicativo de um elevado consumo de carne de baleia:
“Recibo passado por D. Afonso III aos seus tios, em 1279, no dá a conhecer a entrada na ucharia (cozinha? despensa?) régia (…) de 2658 vagens (peças) de baleia (…) tudo resultado de serviços e colheitas de aldeias piscatórias”.
Mostra-se mais uma vez que, nesta época, não só eram aproveitados os animais jogados nas praias, mas também das baleias que eram mortas no mar. Este facto é posteriormente reforçado pelo contrato de arrendamento de todas as baleias desde “a foz do Minho até à foz do Guadiana” que o rei celebrou em 1335 ou 1336 com o comerciante Vasco da Serra, que continha a seguinte cláusula: “e o referido inquilino deve ter todas as baleias de coca, bazaranhas, roazes, sereias, e todos os peixes semelhantes a estes que os baleeiros matam."
Ao longo do século XIV, este tipo de pesca manteve-se, em centros piscatórios que iam desde o extremo oeste da costa até à costa algarvia. D. Afonso IV concedeu, em 28 de Setembro de 1340, todas as "baleações" do reino (do Minho ao Guadiana) a Afonso Domingues, e obrigou-o a fornecer o sal necessário em troca de determinadas rendas anuais. O mesmo monarca declarava ainda, numa carta datada de 1352, que morriam muitas baleias em Tavira (Castro, 1966b), e que morriam também baleias no Porto e carroceiros, almocreves, vinham carregá-las e distribuí-las pelo resto do território.
Depois continuou a ser “um objecto muito importante da nossa indústria nacional, a baleação nas costas do Algarve”. A caça à baleia também interessou aos lacobrigenses, que viram a confirmação dos privilégios dos perfeitos baleeiros em março de 1359. Supõe-se que a confirmação denuncie que a indústria já existia no reinado anterior.
É do tempo de D. Afonso IV, uma carta de socorro do concelho de Tavira de 1 de setembro de 1352 indicando que ali morriam muitas baleias.
Em Setembro de 1367, a actividade baleeira na Atouguia ainda seria importante e os seus baleeiros seriam muito necessários na zona, porque os pescadores da região conseguiram que o rei anulasse o imposto que anteriormente tinham pago, substituindo-o por outro.
11 - Representação do Desmancho de uma Baleia
Além disso, prometiam vinte de todos os peixes que capturavam e pescavam no mar, em troca de não fazerem parte do habitual recrutamento de trinta remadores do concelho para as galeras, nem de servirem nas caçadas reais às baleias . A Atouguia registou grande actividade comercial e continuou a ser famosa pelo seu Baleal. No Foral da Portagem de Lisboa de finais do século XIV, a baleia é indicada como proveniente de Atouguia, e também do Algarve. Em 1367, D. Fernando doou ao bispo de Asubíes uma porção de cada baleia capturada no Algarve.
Outro indicador da importância económica da actividade baleeira é o facto de em 1370 terem sido concedidos a Aires Gomes da Silva os direitos reais de Atouguia, com excepção das baleias que ficaram para a Coroa.
Na costa ocidental, para além de Atouguia da Balea, esta actividade foi notada na região entre Sines e Sesimbra em 1375. Mais concretamente, nas zonas de Almada, Sesimbra, Palmela, Setúbal e Alcácer.
O atum e as candorcas (peixe-espada) e golfinhos,eram pescados, admitindo até poder vir morrer em Sesimbra, Sines ou qualquer outro local “alguma baleia ou baleato ou sereia ou coca ou roaz ou musaranho ou outro peixe grande”.
12 - Representação da lenda da Ilha Baleia de São Brandão
(A lenda narra várias aventuras fantásticas, como aquela em que São Brandão encontrou uma baleia em cima da qual rezou, mantendo-se em comunhão com Deus. Em seguida, atracaram na Ilha dos Pássaros, onde ficaram durante dois meses e onde se aprovisionaram de mantimentos, partindo depois rumo ao Oriente.
A lenda da Ilha de S. Brandão, transmitida oralmente, tornou-se popular, aproximadamente, a partir do século X, quando um anónimo, provavelmente um monge irlandês, escreveu o livro Navigatio Sancti Brandani, onde se relata a existência de uma ilha, descoberta por S. Brandão, que considerava ser o Jardim do Éden.
São Brandão nasceu em 484 d. C., em Tralee, na região de Kerry, na Irlanda. Foi batizado e educado pelo bispo Erc de Kerry. Tornou-se abade, fundou vários mosteiros e morreu em 577, em Annaghdown (Eunachdunne), condado de Galway. É através das suas viagens marítimas, em busca do Paraíso, que S. Brandão se torna célebre na História e na literatura como "Brandão, o Navegador".
A versão mais conhecida da história da Ilha de S. Brandão foi escrita por Benedeit, por volta de 1130.)
Baleação em Portugal a partir do Século XV
Nos séculos XV e XVI a zona costeira de Atouguia da Balea foi preenchida, e Peniche (anteriormente uma ilha) juntou-se ao continente. As atividades piscatórias dos pescadores de Atouguia, como a baleação, foram perdendo progressivamente a sua importância. O centro da população piscatória de excelência mudou e na Atouguia, praticamente sem rio nem sapal, as atividades agrícolas começaram a predominar.
Embora não saibamos exactamente se a actividade baleeira continuou a existir noutras zonas, vários topónimos persistiram ao longo do tempo que demonstram a importância histórica da actividade, como o Osso da Baleia, a Cruz da Baleia e as diversas Baleeiras, existentes em vários pontos do Norte para Sul do país. A título de exemplo, podemos referir a localização da Baleeira perto de Sesimbra presente no mapa de 1560 de Fernando Álvares Seco.
Existem ainda outros indícios de que a caça à baleia diminuiu em meados do século XV. Em 14 de janeiro de 1445, o regente D. Pedro emitiu uma carta na qual, a pedido do infante D. Henrique, privilegiou até vinte homens para viverem continuamente no lugar da Baleia, para que este fosse povoado.
Na nota desta carta, Balea é considerada lugar pertencente a D. Henrique, ainda que não tenha sido encontrado o diploma da sua doação ao infante, população certamente do termo do extinto concelho de Atouguia da Balea, actual concelho de Peniche.
13 – Gravação de 1619/1620 representando Botes Baleeiros (Holandeses/Ingleses), em uso no início do Séc. XVII
O nome Balea será provavelmente uma alteração do topónimo do Baleal, dado à localização geográfica referida, onde anteriormente se referia a construção de habitações para pescadores e baleeiros. Esta carta sugere que o local teria sido despovoado nessas datas, sem que ali ocorresse nenhuma atividade pesqueira ou comercial significativa, certamente devido à cessação da atividade baleeira na área.
As baleias afastaram-se da costa em meados do século XV, segundo um documento de 1486:
"antigamente se construíam casas onde as baleias eram salgadas e nas quais, deitadas em terra como esta, já podiam existir 30 a 40 anos”. Mas no reinado de S. Sebastião muitas encalharam no Algarve, “de onde se abastece a fábrica do rei”.
Ao contrário do que acontecia no século XII, quando a pesca destes cetáceos era abundante, na Ericeira, como noutras zonas marítimas, mais tarde, no século XVI, a raia, o pregado e a pescada ocuparam os lugares mais importantes nas pescarias.
É provável que a diminuição do número de animais disponíveis tenha levado à substituição das espécies alvo das pescarias e de algumas artes de pesca em particular, como forma de rentabilizar a actividade e o negócio.
Também da leitura dos fóruns manuelinos, parece que a captura de baleias, ainda que continuasse a ser um direito real, era uma actividade que nesta época já não era desenvolvida com a frequência de antes :
“Além disso, todas as baleias e outros peixes reais que chegam à costa ou os pegam e matam de qualquer forma são nossos, o que não será aprovado para qualquer rendimento da referida Aldeia. E o nosso lojista irá sempre recolhê-los para nós.(...) E como algumas outras coisas estão excetuadas no referido Foral Antigo, não são mencionadas aqui neste Novo, porque na referida Aldeia não foram utilizadas para tanto, desde que não haja memória deles, e alguns já têm sua provisão por Leis e Ordenações destes Reinos.”
Esta passagem repete-se nos foros do século XVI para Vila Real de Santo António, Lagos, Faro, Aljezur, Asubíes, Loulé, Castro Marim, Tavira, o que indica que, pelo menos na costa algarvia, a caça à baleia perderia a sua importância. No século XVII, no Livro dos Direitos das Mercadorias, para a vila de Faro consta o título "Baleas":
“E também são nossas todas as baleias e outros peixes gigantes que desembarcaram ou foram capturados e mortos de qualquer forma, que não serão adequados para qualquer venda na referida cidade (...)”
Antes desta data, as zonas mais comuns para a pesca da baleia em Portugal eram a costa algarvia (Porto Novo, Tavira, Lagos, Asubíes, Medo Branco), a costa de Setúbal e Sesimbra, a zona de Atuoguia da Balea e Baleal, a Póvoa do Varzim e a periferia costeira do Minho. Mas a importância da caça à baleia diminui claramente a partir de meados do século XV. Na verdade, a partir do século XVI, e após os descobrimentos portugueses, esta actividade estabeleceu-se definitivamente nos mares Atlânticos, nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
Isto também acontece como resultado da diminuição global da pesca no continente, onde se registou uma diminuição generalizada dos recursos explorados.
Na verdade, os documentos que nos chegaram a partir do século XVII praticamente não se referem à caça à baleia nos mares temperados portugueses e mostram esta actividade quase exclusivamente para o Brasil.
14 – Fragmento de uma peça representando uma cena de caça às Baleias.
Séc. XVIII Sañez Recuart.
A história marítima portuguesa também dá notícias da saída de baleeiros portugueses para caçar baleias nos mares do Norte, desde o século XII, de forma contínua, à semelhança dos pescadores e baleeiros do Golfo da Biscaia. Mas, efectivamente, a partir dos séculos XV e XVI, as descobertas e experiências ultramarinas transportam grande parte do interesse, antes centrado nas águas costeiras do Reino, para o grande Mar Oceano e para a fauna e recursos marinhos das ilhas e das novas Costas Atlânticas.
Se parece verdade que as grandes baleias deixaram de ser o alvo preferencial das capturas dos portugueses no Reino, a partir desta altura manteve-se a caça aos golfinhos, pelo menos em algumas zonas do país. No livro do tombo da vila de Sesimbra datado de 1728, há referência à captura de golfinhos ou atuns, quando se referiam a “pescadores que pescavam aos domingos e dias santos”:
“Que os pescadores da dita vila e termo e os que vieram de fora do litoral, que todos e cada um deles (...) declarem e paguem à dita Igreja o dízimo de todos os peixes e sardinhas e atuns que eles pescam e pegam na costa do mar e como trabalham aos domingos e feriados, e dias santos para guardar qual dízimo a referida Igreja receberá sempre dos referidos pescadores e sua companhia pelas obras e ornamentos da referida Igreja.”
Mais referências à captura destes pequenos cetáceos aparecem no mesmo livro, na “Carta de João Paes, Vigário Geral, sobre as condenações dos pescadores a serem para a Igreja de Sezimbra”.
Esta próspera fase continental continuaria em crescendo, em Portugal e nos países vizinhos, até ao século XVI, onde se produziu uma profunda recessão, da qual demoraria muitos anos a emergir.
Assim, nos séculos que decorreram entre meados do século XVI e meados do século XIX, muito pouco se falou sobre a caça à baleia em Portugal,
15 – Bote Baleeiro Holandês em 1620 á caça da Baleia, no Ártico
Pintura de Cornelis Claesz
A análise histórica da caça à baleia em Portugal tem sido pouco abordada na historiografia e nunca foi dedicado nenhum trabalho aprofundado a este tema. Na verdade, esta análise, e principalmente a procura das fontes, tem-se revelado uma tarefa árdua cujos resultados só agora começam a ser visíveis.
Se até 2011 se tinha encontrado um total de 38 fontes históricas que referiam a caça à baleia medieval e início da modernidade em Portugal, desde então tem sido possível aumentar consideravelmente este número. Actualmente, temos um total de 58 fontes relacionadas com a caça à baleia portuguesa neste período, distribuídas entre os séculos XII e XVII.
A história que eu vou contar a partir daqui, baseia-se nos factos conhecidos a partir do sécuko XVI até aos nossos dias.
Com base na bibliografia (2)
Bibliografia
(2) – “Eubaleaena” nº 14
Secção Científica da Coordenadora para o estudo dos Mamíferos Marinhos, 2014, Nigrán, (Ponte Vedra, Espanha).
“A Baleação Medieval e no início da Era Moderna em Portugal: Que nos dizem as Fontes?”, BRITO, Cristina e JORDÂO, Vera
Traduzido e adaptado do Galego
(continua)
E por hoje é tudo.
Um abraço e…
Bons Ventos