15.08.23
80– Modelismo Naval 7.3.12 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”
marearte
(continuação)
Caros amigos
8.4 – O “Contexto Geográfico”
8.4.1 – Lagos (1415 - 1434)
A antiguidade do lugar de Lagos vai até â pré-história quando, muito provavelmente, já se procurava sustento nas águas dos rios e depois também no mar, usando embarcações rudimentares feitas de troncos entrelaçados, muito possivelmente, cobertos com pele de animais. Esta antiguidade chegou aos nossos dias através de evidências arqueológicas existentes.
Desde essa altura até hoje, fortes influências de outros povos foram passando e deixando raízes, muitas delas adotadas e ainda hoje existentes.
A actividade marítima e as que apareceram consequentemente a ela ligadas foram evoluindo tendo atingido, no século passado, o seu auge e, como noutras povoações marítimas, foram perdendo a sua relativa importância e algumas actividades extinguiram-se dando lugar a outras mais “lucrativas”. Assim aconteceu em Lagos cuja área ao longo de séculos sofreu e absorveu fortes influências de outros povos.
“Fundada” em 1899 (BCE), na área hoje abrangida pela cidade e arredores, foi-lhe posteriormente dado o nome de Lacóbriga e foi sujeita às influências dos Fenícios, dos Gregos, dos Cartagineses, dos Romanos e mais tarde dos Celtas e dos Gregos (a partir de 600 (BCE), que aportaram às suas costas, (além da permanência dos “mouros”) influência essa que, (descontando a violencia que na época acompanhava este tipo de contactos) trazendo novas técnicas, foi benéfica para o desenvolvimento, principalmente da agricultura com novas formas de cultivar a terra que contribuíram para o aumento da produção do trigo, do vinho, da cera e do azeite e, na área da pesca, com a “industrialização” de produtos transformados, através da salga do peixe para exportação aproveitando a existência de salinas e também através do aproveitamento das sobras de peixe transformando-as em “garum” (condimento liquido à base de restos de peixe) muito usado entre os romanos, gregos, fenícios e cartagineses, que “curtia” em tanques de alvenaria e era depois exportado para todo o Mediterrâneo em “ânforas”. A produção de “garum” foi efectuada em toda a costa portuguesa (incluindo o Algarve). Esta produção foi recuperada em Portugal no ano de 2021, 1.500 anos depois, no sítio arqueológico descoberto na zona de Tróia (Portugal), que é considerado como “o maior centro industrial de salgas de peixe do Império Romano.”
Um terremoto destruiu Lacóbrica que foi reedificada pelos Cartagineses entre 250 e 300 (BCE).
No ano 712 (CE) os mouros iniciaram a conquista da península Ibérica e em 716 Lagos foi conquistada passando a chamar-se “Halaq Al-Zawala”. Os mouros permaneceram por volta de 800 anos no “al-Andaluz” deixando muitos traços culturais na Península Ibérica, incluindo em Lagos.
Em 796, Afonso II das Astúrias atacou Lisboa e, em 1139 deu-se a batalha de Ourique e em 1249 D. Afonso II de Portugal consolidou a reconquista do Algarve tendo sido Lagos integrado na coroa portuguesa entre 1241 e 1244.
Durante a ocupação dos invasores, as suas técnicas e modos de vida tiveram forte influência no Algarve e em Portugal. Lagos, devido ao seu posicionamento na costa algarvia, logo na saída/entrada de quem transitava do Atlântico Mediterrânico para o Atlântico e vice-versa, quase desde a sua fundação teve um papel importante como entreposto comercial e ponto de apoio à navegação trocando produtos comerciais e tendo um forte intercâmbio técnico-cultural com os povos que aportavam nas suas águas.
Tecnologicamente, absorveu desses povos novas técnicas de pesca, principalmente do atum (almadravas ou armações), que era abundante no Algarve, sendo a zona do Barlavento Algarvio a mais beneficiada desta rota de migração dos cardumes de atum, vindo do Atlântico para desova no Mediterrâneo, (atum de direito - Maio/Junho), viagem essa feita com uma rota junto à costa que começava a norte do Cabo de S. Vicente (costa Oeste) e contornava toda a costa Sul do Algarve directa ao Mediterrâneo. No regresso do Mediterrâneo (atum de revés - Julho/Agosto), os cardumes bordejavam a costa em sentido contrário até alturas de Faro, fazendo depois uma inflexão da rota para o mar alto, directos ao Atlântico.
As “Armações“ que existiram no Algarve e as rotas dos cardumes de Oeste para Leste e após a desova, em sentido contrário infletindo para Sudeste por alturas de Faro. No esquema, em baixo fica a Ponta de Sagres e em cima Vila Real de Stº António.
A modernização das armações (almadravas) para a pesca do atum, da corvina e da sardinha terá chegado ao Algarve, no tempo do rei D. Dinis (1279-1325), pela mão dos Sicilianos e dos Genoveses. (1) As pescarias de atum, no reinado de D. Fernando (1367-1383), estavam nas mãos de Sicilianos que se tinham estabelecido em Lagos. No tempo da permanência do Infante D. Henrique (desde 1418), as armações já se encontravam espalhadas por toda a costa Algarvia, e representavam um bom rendimento incluindo para o tesouro do reino. Em 1418 o Infante D. Henrique estabeleceu-se quase em permanência em Lagos estabelecendo aí a “base” dos Descobrimentos. Em 1433, recebeu, das mãos do seu irmão, o rei D. Duarte, o monopólio da pesca do atum nas costas algarvias.
(1) – Possivelmente já existiam nos tempos da permanência dos árabes na Península Ibérica
Esta arte de pesca do atum, embora se tivesse espalhado por toda a costa do Algarve, teve uma especial incidência no Barlavento Algarvio na costa Sul que vai de Silves até ao Cabo de S. Vicente e na costa Oeste até alturas da Arrifana (atual Carrapateira), em pleno Atlântico. (Ver mapa acima)
Uma peculiaridade destas armações era terem ao seu serviço, em número elevado por cada armação, “barcas” (as chamadas posteriormente “barcas das armações”), que serviam para as várias tarefas de pesca, desde o transporte dos pescadores para os locais onde estavam montadas as armações, como também para o transporte do peixe capturado para terra. No entretanto, serviam como apoio para o copejo do atum.
É de crer que tais barcas, diferiam das nórdicas pelo menos em dois aspetos: seriam também bojudas mas mais afiladas, também de boca aberta e movidas a velas latinas já que vieram do Mediterrâneo, mar este onde a vela latina era prevalecente e onde existiam “Barcas” de todo o tipo, do Levante ao Poente.
Barcas da Armação em plena faina - Tavira
Na dissertação do mestrado de José Marcelino Correia Castanheira, “A Pesca no Algarve Medieval” (2021) é citada a seguinte passagem contida na “História da Marinha Portuguesa” do Investigador, Professor Filipe Vieira de Castro, director do “Ship Reconstruction Laboratory - Texas A&M University”: Barca era “uma designação genérica, relativa a navios que podiam ter configurações diferentes, sem que as diferenças entre elas tivessem sentido geográfico ou cronológico. Ao que tudo indica, a barca era uma embarcação de múltiplas utilizações, desde o transporte fluvial de pessoas e bens, à pesca nos rios e nos mares, junto à costa, ou servia ainda como apoio a embarcações de maior dimensão. Numa palavra, seria uma embarcação para todo o serviço”.
Em Lagos existia (existe?) uma barca chamada “Barca Típica de Lagos” de vela latina (Barca Mexeriqueira/Caravela Pescareza?)
Barca do Levante-Mediterrâneo
Como conclusões teremos:
9 – Lagos foi importante como cidade costeira do Algarve, no contexto dos descobrimentos quer pelo seu porto, quer pela sua construção naval, bem como por ser um viveiro de marinheiros criados nas atividades da pesca do alto e longínqua – existe notícia das pescas algarvias se terem expandido para sul até ao Norte de África e mais para Sul ate à zona das Canárias – e também dos marinheiros treinados nas atividades de corso que os portugueses praticavam em todo o Atlântico Mediterrâneo. Foi nestas classes profissionais e nos barcos usados na sua actividade piscatória que o Infante recrutou a maioria dos seus marinheiros para a Descoberta;
10 – Lagos, pela sua localização, serviu de charneira entre a tecnologia náutica da civilização Nórdica e a da civilização Mediterrânea, fazendo a síntese entre as duas e adaptando o melhor de cada uma, com uma forte influência desta última. No que diz respeito aos Descobrimentos, Lagos presenciou o seu nascimento desde 1418 até ao falecimento do Infante D. Henrique em 1460 momento em que a base dessa odisseia foi progressivamente transferida para Lisboa, não deixando Lagos de conservar ainda durante muitos anos a sua importância como ponto de partida de algumas expedições.
8.4.2 – O Bojador (1415 – 1434)
Em 1415, o Rei de Portugal D. João I, reuniu uma frota de guerra em Lagos e, com o apoio dos seus exércitos e dos seus filhos, entre eles o Infante D. Henrique passou à costa do Norte de África e conquistou a cidade portuária de Ceuta (junto ao estreito de Gibraltar), ponto estratégico importante para domínio e controlo sobre o tráfego marítimo no Atlântico Mediterrânico, bem como eventual ponto de contacto com a civilização Árabe que aí existia e que se estendia por toda a costa Noroeste de África.
Esta data é normalmente tida como o marco histórico do início dos Descobrimentos mas parece ser mais efectivo, para este trabalho, avançar essa data para 1418, altura da chegada do Infante D. Henrique ao Algarve – apesar de já lá ter estado de passagem em 1415 – que se apresenta, para mim, como data mais consentânea com o início dos Descobrimentos.
- Henrique estabeleceu-se em Lagos e, embora esta permanência não tenha sido contínua, daí motivou e orientou (liderou) toda a aventura dos Descobrimentos,
Fazendo fé na informação dada por Azurara na sua “Crónica do Descobrimento e Conquista de Guiné” de que o Bojador foi passado por Gil Eanes com uma “barca” no ano de 1443 e que esta mesma passagem ocorreu “após 12 anos de tentativas” não conseguidas, podemos situar o início “efectivo” dos Descobrimentos no ano de 1422, ano da possível primeira tentativa da passagem do Bojador, não conseguida.
Se, por outro lado, fizermos fé também na informação que nos chega de uma carta de 22/10/1443 existente na Chancelaria Regia que nos diz que o Infante “mandou lá bem XIIIj (14) (no original que se encontra arquivado na Torre do Tombo encontra-se Xiij (13), posteriormente emendado para Xiiijj (15) vezes) antes que soubesse parte da dita terra”, isto só nos pode dizer que, durante 12 anos foram efectuadas 14 viagens (2). Não existe nenhuma contradição entre as fontes pois, só complementam o número de anos com o número de viagens. No entanto, a única informação que se tem deste período dos Descobrimentos – de 1422 a 1443 – 12 anos em que Azurara não fala dos Descobrimentos – é uma carta da chancelaria real de 1443.
(2) – Apesar desta informação, que obtive depois de redigir este texto, mantenho o número de 14 viagens, que é precisamente o termo intermédio entre 13 e 15.
Sabendo-se que o Infante D. Henrique chegou a Lagos em 1418, apontar como o ano de inicio das viagens de Descobrimento só em 1422 é aceitável, pois, apesar da “ansiedade do Infante”, houve que dar tempo ao tempo para o seu estabelecimento e para o levantamento e organização das condições existentes no Algarve para um apoio eficaz, quer no recrutamento de meios humanos necessários ao projecto quer também na existência de materiais e condições técnicas para a realização das mesmas. Lagos, na altura, já reunia essas condições, incluindo a sua maior proximidade geográfica dos objectivos, faltando só a sua organização.
Pragmaticamente e em termos navais, esses objectivos estavam contidos nas várias etapas necessárias para descer a costa Oeste de África de forma a fazer a ligação com o “oceano do outro lado”.
No entanto essa descida da costa, necessariamente acompanhada pela sua identificação e exploração se e quando necessária, exigia uma navegação junto à costa até pela ausência de meios mais sofisticados que permitissem uma navegação de altura, á época ainda não disponíveis.
Nestas viagens, existiam dois obstáculos ainda desconhecidos (ou já referenciados desde o início), que eram a passagem do Cabo Não (26֯ 47’ N) e a passagem mais a Sul do Cabo Bojador (28֯ 07’ N), +/- 160 nM ou 296,5 Km entre um e outro. Muito possivelmente o Cabo Não foi ultrapassado de uma forma rápida (não há notícia de quem o fez) já que este ponto da costa não apresentaria grandes perigos (e não apresenta hoje em dia para a navegação de pesca e recreio que passa junto à costa). Estas dificuldades á navegação costeira, como era de temer pelas “estórias” que eram contadas sobre esse cabo, não passavam mesmo de “estórias”, credíveis para os marinheiros da época, segundo Azurara nos diz na obra já referida.
Depois da passagem do Cabo Não possivelmente estas “estórias” passaram a estar focadas no outro cabo mais a sul deste, agora com uma certa razão: o Cabo Bojador.
“Progresso no Reconhecimento da Costa Africana de 1434 a 1445: Do Cabo Bojador ao Cabo dos Mastros”
In; “História dos Descobrimentos Portugueses” - Damião Peres
“Jaz o cabo de Não com o cabo Bojador, nordeste e sudoeste, e toma a quarta de leste e de aloeste (para Oeste) e tem na rota sassenta léguas; mas o piloto que for avisado deve fazer o caminho de aloeste-sudoeste trinta léguas, e as outras trinta do sudoeste e da quarta aloeste, e fazendo isto irá fora do Bojador, em mar, dele oito léguas. E não deve fazer outro caminho, porquanto este cabo do Bojador é muito perigoso por causa de ṹa muito grande restinga (baixio) de pedra que dele sai ao mar mais de quatro ou cinco léguas (22 a 28 Km – légua de 20 ao grau) (3); na qual se já perderam alguns navios de mau aviso. E este cabo é muito baixo e todo coberto de areia, e tem o fundo tão aparcelado (4) que está homem em dez braças e nã vê.”
In: “Esmeraldo de Situ Orbis”
Duarte Pacheco Pereira- Manuscrito de 1506 (5)
(3) – Se um navegador considerasse que cada um dos 360 graus tivesse 18,5 léguas, cada légua marítima teria 6 006,00 metros. Devido a essas variações, a medida da légua era expressada de várias formas:
- Légua de 18 ao grau, equivalente a 6 172,84 metros.
- Légua de 20 ao grau, equivalente a 5 555,56 metros (medida oficial da légua marítima).
- Légua de 25 ao grau, equivalente a 4 444,44 metros.
(4) – No “Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual” dos Com.tes Humberto Leitão e J. Vicente Lopes, o verbete para aparcelado diz: “Que tem as características de parcel – isto é, com fundos relativamente pequenos que vão aumentando muito gradualmente” – e tem um abonamento retirado do “Livro de Marinharia” (pág. 68) de Bernardo Fernandes que diz: “Esta baía (a Angra do Infante) é aparcelada de 10 a 12 braças e o fundo é todo limpo”. Isto “serve também para justificar o significado que é dado a parcel “ no mesmo Dicionário (págs. 394 e 395).
(5) – Este “roteiro” do Caminho Marítimo para a Índia foi escrito em 1506 e dedicado ao Rei D. Manuel I por Duarte Pacheco Pereira, navegador e cosmógrafo português e nunca foi divulgado publicamente pois, devido ao seu conteúdo, entrou no “rol” da “Política de Sigilo”. Que se saiba, manteve a forma de manuscrito até 1892, data em que foi publicado a partir de duas cópias descobertas, a primeira numa biblioteca de Lisboa e a outra na cidade portuguesa de Évora.
O manuscrito era, de facto, tão precioso, que, em 1573, uma cópia foi remetida secretamente para Filipe II da Espanha por um espião italiano, Giovanni Gesio, aa serviço na embaixada espanhola em Lisboa. Pela missão, Gesio foi regiamente recompensado, encontrando-se o recibo do pagamento pelos seus serviços atualmente na biblioteca do Mosteiro do Escorial, na Espanha.
Apesar de todas os entraves psicológicos provenientes das “estórias” que vinham de longa data (e também de haver alguma oposição por parte de alguns sobre o dinheiro que estava a ser gasto nas descobertas bem como posteriormente no povoamento das ilhas (re) descobertas, alegando que Portugal tinha falta de súbditos e era necessário olhar para a situação do reino, entraves esses que, estou convicto, não tiveram tanto peso assim nas dificuldades da passagem do Bojador.
As narrativas tradicionais, que vinham de antanho, focalizadas na impossibilidade de sobreviver para além do Bojador e na existência de outras ameaças (contra as quais já existia informação em contrário obtida pelo Infante) bem como, mais tarde, a elevada despesa das Descobertas, com poucos resultados, mas que na realidade estava a ser suportada pelo Infante e posteriormente também pela Ordem de Cristo, seriam facilmente desmontadas perante um grupo restrito de navegantes empenhados nas expedições. Poderá ter tido algum peso no início mas não demorariam 12 anos a serem esclarecidas.
Por outro lado, há que considerar que, na realidade existiam (e ainda existem), condições meteorológicas e hidrográficas na área com elevado grau de dificuldade para todos os que bordejavam a costa na descida para o Sul em especial os que usavam embarcações de pano redondo. Na realidade essas condições tinham a ver mais com a dificuldade no regresso do Sul pois a ida, tinha ventos favoráveis.
A primeira situação meteorológica era resultante das grandes diferenças de temperaturas entre o mar e o deserto do Sahara com que confinava, provocando fortes ventos de convecção junto à costa e frequentes nevoeiros.
O regime de ventos existentes na costa noroeste de África é predominantemente, no sentido Norte-Sul. Mas este regime não é só predominante depois do Bojador. Sensivelmente após a passagem do paralelo 34֯ N (região de Rabat/Marrocos) os ventos sopram com alguma intensidade predominantemente na direcção do quadrante Sul que empurravam as embarcações até ao Bojador. E o mesmo se passava do Bojador para Sul, situação essa que não se conhecia antes da passagem, mas que foi posteriormente comprovada.
Também o regime das correntes a Norte do Bojador, embora com pouca velocidade, carregava as embarcações também na direcção do Sul e o mesmo acontecia com as correntes após o Bojador que também corriam para Sul, mas aqui com o problema de, logo a seguir ao Bojador, poderem arrastar as embarcações para um carrossel de pequenas correntes circulares.
Nada disto seria problemático se não houvesse um regresso que teria de ser feito contra a linha de vento predominante.
Mas o grande problema (ver a passagem anteriormente citada em (5) do Roteiro “Esmeraldo de Situ Orbis”) era (e é) a existência de uma “muito grande restinga (baixio) de pedra que dele sai ao mar mais de quatro ou cinco léguas (22 a 28 Km), que obriga as embarcações a tomarem um percurso para Oeste que, segundo Duarte Pacheco Pereira devia passar a oito léguas (+/- 45 km) fora do cabo. Para safarem a restinga de pedra o percurso deveria, após a passagem do Cabo Não, tomar um rumo para Sudoeste durante 30 Léguas e depois um rumo para Sudeste durante mais 30 Léguas. Seria uma espécie de triangulação, que levava as embarcações a passarem assim a “restinga” de quatro a cinco léguas em frente do Cabo Bojador safo a 3 ou 4 léguas.
Isto foi escrito em 1506 (numa época em que a navegação pelos astros já existia a bordo) e Gil Eanes passou o cabo em 1434, 72 anos antes, quando os meios auxiliares de navegação eram parcos, e a perda de vista de terra era problemática, na medida em que os navegadores da época, segundo o Infante (pela pena de Azurara, na obra já citada, cap. IX), por estarem habituados às idas e vindas a Flandres e a outros portos para onde navegam amiudadamente por rotas conhecida e possivelmente com costa à vista, “nom sabem mais teer agulha nem carta pera marear”.
Complementarmente (com base no Cap. VIII da obra do Azurara) surge uma dúvida sobre a veracidade da totalidade das 14 tentativas goradas para a passagem do Bojador pois, segundo este autor, muitos dos navegantes que fizeram estas viagens (que não se sabe quem foram) puseram em dúvida a bondade do projecto, pois Azurara escreve que “era grande a dúvida de qual seria o primeiro que quisesse arriscar a sua vida em semelhante aventura”; “que antes deles nunca ninguém se tinha atrevido a passar o Cabo”; “que proveito pode trazer ao Infante a perdição das nossas almas, juntamente com os corpos, porque comprovadamente seremos homicidas de nós mesmos?”; “mas eles não voltavam de mãos a abanar pois se falhavam a tentativa e não cumpriam o mandado do seu senhor, uns iam à costa de Granada e outros corriam o mar de Levante (Mediterrâneo), até que capturavam grossas presas de infiéis com que se tornavam honradamente para o reino”.
Como conclusões teremos:
11 – Na realidade, o Bojador, representava um forte desafio para os navegantes da época. Descontando o receio causado pelas “Lendas e Estórias” acreditadas na Europa, muitas criadas na Antiguidade Clássica, aumentadas pela crendice dos povos e posteriormente agravadas pelos Muçulmanos para precaver a passagem dos Cristãos a África mas, tirando este facto da equação, fica a situação reduzida estritamente a um problema de navegação naval que se prende com a inexistência de instrumentos tecnologicamente evoluídos que permitissem a libertação da navegação por conhecenças, navegação essa que exigia a existência de pontos conspícuos nas costas para orientação das embarcações;
12 – O receio transforma-se assim num facto real que pode ter resolução pelo homem socorrendo-se das técnicas existentes e fazendo o melhor possível para viabilizar um projecto;
13 – Das 14 viagens feitas para tentar passar o Cabo Bojador durante 12 anos, quantas realmente chegaram lá perto ou se dispersaram para outras águas em actividades de corso, com muito mais lucro (do Infante e tripulações) e menos risco das tripulações?
(continua)
Um Abraço e…
Bons Ventos