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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

27.06.23

79 – Modelismo Naval 7.3.11 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


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(continuação)

 

 

Caros amigos

 

 

            8.3 – O “Contexto Humano” (1415 – 1434)

                        8.3.1 – O Infante D. Henrique (1415 – 1434) 

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O “Infante D. Henrique” - Pintura existente na “Crónica de Guiné” de Azurara

O Infante D. Henrique nasceu no Porto a 4 de março de 1394  e faleceu em Sagres, a 13 de novembro de 1460. Era o quinto filho de João I de Portugal, fundador da Dinastia de Avis, e de Dona Filipa de Lencastre.

Pouco se sabe sobre a vida do infante até aos seus catorze anos. Tanto ele como os seus irmãos (a chamada Ínclita geração) tiveram como aios um cavaleiro da Ordem de Avis.

Foi o principal impulsionador da expansão portuguesa, os chamados Descobrimentos Portugueses.

Em 1414, convenceu o seu pai a montar a campanha para a conquista de Ceuta, na costa norte-africana junto ao estreito de Gibraltar. A cidade foi conquistada em Agosto de 1415, assegurando assim ao reino de Portugal o controlo das rotas marítimas de comércio entre o Atlântico e o Levante. Na ocasião foi armado cavaleiro bem como os seus irmãos e recebeu os títulos de Senhor da Covilhã e duque de Viseu.

As principais datas da sua vida, no que diz respeito aos Descobrimentos e até ao ano de 1440, já depois de dobrado o Cabo Bojador, são as seguintes:

  1. Por convenção, os Descobrimentos Portugueses têm, como primeiro acontecimento, a conquista de Ceuta em 1415 conquista essa onde participou o Infante, seus irmãos e pai;
  2. Em 1418, o Infante D. Henrique estabeleceu-se, em quase permanência, no Algarve, repartindo o seu tempo entre Lagos, o promontório de Sagres e o Cabo de S. Vicente;

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Lagos Medieval - IX Festival dos Descobrimentos  – Câmara Municipal de Lagos

  1. Em 1419, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a ilha de Porto Santo que fará parte do futuro Arquipélago da Madeira; Aprestou por esta época uma armada de corso sua, que atuava no estreito de Gibraltar a partir de Ceuta.

Dispunha assim de mais uma fonte de rendimentos e desse modo, muitos dos homens da sua Casa, habituaram-se à vida no mar. Mais tarde, alguns deles seriam utilizados nas viagens dos Descobrimentos;

  1. Em 1420, estes mesmos navegadores em conjunto com Bartolomeu Perestrelo, descobriram a ilha da Madeira no Arquipélago da Madeira, tendo começado a sua colonização;
  2. Em 1422, o Cabo Não considerado pelos Árabes e Europeus como limite navegável para o Sul, foi ultrapassado e foi alcançado o Bojador. (Existe notícia de que os navegadores genovesesdo século XIII, Vandinho e Ugolino Vivaldi poderão anteriormente, ter navegado até este cabo antes de se perderem no mar);
  3. Em 1427, Diogo de Silves redescobriu (já havia notícia da sua existência desde o século XIV) as Ilhas Açorianas Orientais e Centrais que foram colonizadas em 1431 por Gonçalo Velho Cabral. As ilhas do Grupo Ocidental só foram descobertas por Diogo de Teive em 1452;

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Barca de Pano Redondo - Museu de Marinha

  1. Em 1433, por concessão real, foi-lhe conferido o monopólio da pesca do atum e da corvina no Algarve sendo a pesca do atum já uma atividade de centenas de anos no Algarve, (trazida pelos navegadores sicilianos e genoveses já no tempo de D. Dinis), que faziam a rota comercial para a Europa do Norte e outros países, muitas vezes com escala em Lagos, antes de enfrentarem o Atlântico Norte; Neste mesmo ano deu-se a primeira tentativa de Gil Eanes passar para além do Bojador. Por causas desconhecidas, não passou das Ilhas Canárias;

 

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Barca Pescareza (Caravela Pescareza?) - Museu de Marinha

  1. Em 1434, Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador numa segunda tentativa (depois de 12 anos da ultrapassagem do cabo Não e de 14 ou quinze tentativas feitas por outros navegadores ao longo deste tempo), possibilitando assim a continuação da descoberta da Costa Ocidental Africana. Segundo Azurara, as duas viagens de 1433 e de 1434 foram efectuadas numa “Barcha”;
  1. Em 1435, Gil Eanes numa “Barcha” e Afonso Gonçalves Baldaia num “Barinel” foram além do Bojador 50 léguas, em que acharam “terra sem casas e rasto de homens e camelos”;
  1. Em 1440, foram armadas duas caravelas para irem ao Rio do Ouro mas “ouverom aqueecimentos (acontecimentos) contrairos” aparentemente não havendo mais nenhuma informação sobre elas;
  1. Em 1441, foi armado um “navio pequeno?”, que tinha como capitão Antão Gonçalves, para ir ao Rio do Ouro carregar “coirama e azeite” (de Lobos do Mar que existiam em abundância naquela zona).

 

Neste intervalo de tempo de 19 anos que decorreu entre 1415 e 1434 existiu, muito possivelmente, atividade de experimentação nas viagens de descoberta no que diz respeito ao desenho/adaptação de uma embarcação mais própria para o tipo de navegação junto à costa, às técnicas de navegação adaptadas à nova realidade bem como aos instrumentos usados na referenciação e transposição para mapas dos lugares visitados. Seria este o desenvolvimento que o Infante pretendia. Esta experimentação foi feita na realidade com muitas tentativas e possivelmente também com muitos erros (os “acontecimentos contrários” em 1440, referido atrás por citação de Zurara que é a primeira referência a Caravelas supostamente dos Descobrimentos, poderá ter sido um dos resultados desta tentativa e erro.

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Carta de Andrea Bianco de 1448 – Costa Ocidental de África

Assim é muito possível, que, durante os 12 anos após a dobragem do Cabo Não até à dobragem do Cabo Bojador as 14 ou 15 viagens de “tentativa” de ultrapassagem do Cabo Bojador fossem bastante mais do que isso.

Durante o reinado de D. João I tiveram início os preparativos para a expansão ultramarina portuguesa incentivada pelos infantes D. Pedro e D. Henrique e pelo príncipe D. Duarte. No dia 25 de julho de 1415 partiu de Lisboa a primeira campanha militar para o Norte da África com o objetivo de conquistar a cidade de “Ceuta”.

O infante D. Henrique teve participação destacada na conquista da cidade marroquina de Ceuta, onde foi armado cavaleiro. Os mouros fizeram grande resistência, mas a cidade foi tomada pelos portugueses. Esse foi o primeiro feito que deu início à expansão marítima portuguesa.

De volta a Portugal, D. Henrique recebeu os títulos de “Duque de Viseu” e “Senhor de Covilhã”. No ano seguinte, realizou por sua iniciativa uma expedição às ilhas Canárias. Nesse mesmo ano, ficou encarregado da defesa de Ceuta onde permaneceu durante três meses.

Motivos religiosos (místicos) também despertaram o interesse do infante a novas viagens, pois, segundo a lenda, havia um reino cristão na África onde se poderia firmar uma aliança e derrotar os infiéis muçulmanos.

Em 1418, por ordem do papa Leão X, o infante foi nomeado o administrador da Ordem de Cristo, que junto com a Ordem de Avis, era a herdeira dos Templários. A enorme fortuna da Ordem possibilitou um grande número de viagens e descobertas de novas terras. Em 1419, o rei D. João I, empossou D. Henrique como governador do Algarve, região no sul de Portugal.

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Ceuta

O Infante D. Henrique, desde 1415 a 1418, após a conquista de Ceuta, conquista essa onde ele teve um papel de destaque tendo partido de si essa iniciativa com o intuito, entre outros, de obter uma posição estratégica na costa de África donde poderia iniciar a obtenção de informações sobre o interior da Costa Ocidental de África através das cáfilas dos Árabes que percorriam o deserto do Sahara pelo interior da costa, informação essa que se centrava na procura de localização do “Reino de Prestes João” e também na obtenção de dados sobre como era o ambiente físico e humano do interior e, simultaneamente, provar que a Terra e o mar não desapareciam depois do Cabo Bojador.

O que nos diz Azurara na “Crónica da Guiné”, (Edição de 1841, Paris);

No capítulo VII, p.p. 44 a 49, refere-se a cinco razões que levaram D. Henrique a iniciar as Descobertas:

“Então, imaginamos que sabemos alguma coisa quando conhecemos o seu fazedor e o fim para que ele fez tal obra….

… depois da tomada de Ceuta, sempre trouxe continuamente navios armados contra os infiéis; e porque ele tinha vontade de saber a terra que estava além das ilhas Canárias, e de um cabo, que se chama Bojador, …

… e vendo outrossim como nenhum outro príncipe trabalhava nisto, mandou ele para aquelas partes os seus navios para ter de vez a manifesta certeza, movendo-se ele pelo serviço de Deus e de El Rei D. Duarte seu senhor e irmão … E esta foi a primeira razão do seu movimento …

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O que está para o de lá

… E a segunda foi, porque considerou que achando-se naquelas terra alguma povoação de pagãos, ou alguns portos, em que sem perigo pudessem navegar, que poderiam para estes reinos trazer muita mercadoria, …

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Especiarias

… A terceira razão foi, porque se dizia, que o poderio dos Mouros daquela terra de África, era muito maior do que normalmente se pensava, … E porque todo o prudente, … fica constrangido a querer saber o poder do seu inimigo, mandou saber, para determinantemente conhecer até onde chegava o poder daqueles infiéis …

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Poder Muçulmano

A quarta razão foi, porque havia 31 anos que guerreava os Mouros, nunca achou rei cristão, nem senhor de fora desta terra, que por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo o quisesse (ajudar) na dita guerra. Queria saber se se achariam naquelas partes alguns príncipes pagãos … que o quisessem ajudar contra aqueles inimigos da fé. …

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Preste João

A quinta razão foi o grande desejo que havia de acrescentar á santa fé de Nosso Senhor Jesus Cristo, e trazer a ela todas as almas que se quisessem salvar …”.

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Cruz da Ordem de Cristo

Estes eram os objectivos das Descobertas na perspectiva do Infante para o que contribuíam fortemente o conhecimento do Infante (por pré informação de viajantes terrestres árabes da Costa oeste de África, das viagens ás Canárias e das viagens de pesca dos pescadores Algarvios). Com o monopólio da Pesca do Atum na costa Algarvia tinha perfeito conhecimento dos tipos barcos de pesca existentes incluindo as “Barcas das Armações de Atum” que se moviam com a força do vento em velas latinas.

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Restos de uma “barca” da Pesca do Atum no Algarve

Vivendo a maior parte do seu tempo de permanência em Lagos, ser-lhe-ia difícil desconhecer a existência nos mares do Algarve de uma frota pesqueira de costa e do alto que pescava no Atlântico Mediterrânico até ao norte de África e da existência de barcas pescarezas ou caravelas pescarezas, com origem mediterrânica, que usavam velas latinas – como por exemplo, a “Barca Típica de Lagos”, mas que não seriam, pelas suas dimensões as mais apropriadas para grandes viagens longínquas.

Como conclusões teremos:

4 – O Infante D. Henrique foi o grande impulsionador dos “Descobrimentos Portugueses”, e dirigiu pessoalmente a partir de Lagos, as primeiras viagens, incluindo a passagem do Bojador e dispôs dos homens da sua Casa para comandar os navios com tripulações algarvias, experimentadas como pescadores ou como marinheiros de corso, com os quais criou uma “task force” para a melhoria das condições da “Descoberta”;

5 – Conhecia o tipo de embarcações existentes no Algarve – incluindo a “Barca das Armações” movida com Vela Latina e desenvolveu toda uma acção no sentido de, com base na experiência das várias viagens ao Bojador, iniciar a criação de uma embarcação adaptada ao tipo de navegação necessário para o efeito – leve, de pequeno calado, veloz e com um aparelho que permitisse navegar mais arrimado ao vento predominante nas viagens de retorno;

 

 

                        8.3.2 – Gil Eanes (1415 – 1434)

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Gil Eanes – Lagos - Portugal

Se Gil Eanes não tivesse passado o Bojador, muito possivelmente não faria parte da história dos Descobrimentos de Portugal.

Pouco se sabe da sua vida a não ser que era natural de Lagos no Algarve e que era Escudeiro da Casa do Infante D. Henrique e não há notícia dele antes de 1433, altura em que fez a primeira viagem para o Sul para dobrar o Cabo Bojador, tentativa essa gorada já que, sabe-se pela pena de Azurara, não ter passado das ilhas Canárias.

Porque é que o Infante D. Henrique o nomeia para esta viagem não está claro. No entanto se ao fim de 12 anos e de 14/15 viagens infrutíferas (no que diz respeito à passagem do Bojador) pode-se deduzir que, independentemente da sua idade (uns julgam-no um rapaz novo, outros um homem de idade madura) deveria ter experiência náutica suficiente (possivelmente adquirida a bordo das galés de corso do Infante), além de não ser muito susceptível de ser influenciado por “lendas” e “crendices” ao contrário do que Azurara dá a entender.

Na minha opinião a passagem do cabo Bojador, não tinha ainda sido efectuada por algum receio por parte dos navegadores de se perderem ao tomarem um rumo para Oeste, (para poderem passar para o outro lado do Bojador, devido aos baixios que se projetam do cabo para Oeste. numa distância de 5 Nm (+/- 9 km) e assim perdiam de vista a costa, coisa a que deveriam ser bastante avessos, pois estavam habituados a navegar com terra â vista.

Por outro lado, também acrescia pensarem não ter grandes possibilidades de regresso, já que os ventos predominantes eram do quadrante Norte para Sul e as correntes que diziam aí existir, seria difícil voltar para Norte contra o vento e correntes, principalmente com um aparelho redondo, das barcas tipo “Nórdico”, que tinham muito pouca possibilidade de navegar para o Norte com ventos que soprem de um quadrante pela vante do través.

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Mareações e limites de bolina do navio com pano redondo - 67,5 Graus (6 quartas) – Menos arrimado ao vento

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Mareações e limites de bolina do navio com pano latino - 45 Graus (4 quartas) – Mais arrimado ao vento

NOTA: Na altura, este diagrama não existia. Mas este conhecimento existia (não tão preciso), pelo menos baseado na prática de navegação

Azurara, na “Crónica da Guiné”, dedica o capítulo IX com o título “Como Gil Eanes, natural de Lagos, foi o primeiro que passou o Cabo Bojador, e como lá tornou outra vez, e com ele Afonso Gonçalves de Baldaia”. E sobre a sua identidade nada mais aparece. Ficamos a saber o nome, a naturalidade, o feito que praticou e que voltou a passar o Bojador, desta vez acompanhado por outro navegador de nome Afonso Gonçalves Baldaia. Acresce uma outra informação, esta no texto do capítulo referido, em que Azurara diz que Gil Eanes era “seu scudeiro” e que “despois fez cavalleyro” (do e pelo Infante D. Henrique).

Quanto à idade, tanto podia ser um mancebo, como um homem já curtido nestas andanças (a iconografia sobre ele tanto o apresenta como jovem como um homem já feito). Por mim acho que era um homem bastante rodado nestas coisas de navegação marítima.

Até 1433 Gil Eanes era um ilustre desconhecido e não existe nenhuma informação conhecida que nos possa ajudar sobre quem era Gil Eanes antes de ter dobrado o cabo Bojador, ou seja, que destaque tinha e que conhecimentos possuía para ter sido escolhido pelo Infante D. Henrique para levar a cabo esta viagem.

Mas esta viagem foi infrutífera pois Gil Eanes não passou das Ilhas Canárias (tendo regressado ao “reino” com alguns cativos feitos nessas ilhas) pois, segundo Azurara, foi “tocado daquelle meesmo temor” (temores esses que já foram referidos no post 69 desta série, publicado em 00/03/23 neste blogue) que tinha levado à desistência os navegadores mandados pelo Infante nos últimos doze anos de tentativas. Terá sido por medo das trevas?

Azurara fala também da pouca vontade dos mareantes passarem o cabo Bojador, com todos os perigos e incertezas que pensavam existir nessa passagem e que todos os que tinham desistido anteriormente, o fizeram pois podiam dedicar-se mais proveitosamente na atividade de corso contra os árabes e, possivelmente, outros.

Em 1434 Gil Eanes passa o Bojador!

Após o fracasso, Gil Eanes foi enviado novamente no ano seguinte e na mesma embarcação que tinha levado no ano anterior, não antes de, segundo Azurara, que escreveu a Crónica da Guiné em 1452-1453 (no reinado de D. Afonso V), tendo-a refundido em 1460 (ano do falecimento do Infante D. Henrique) – que possivelmente pode ter conhecido quase diretamente este discurso do Infante? – ter ouvido da boca do Infante o seguinte discurso  motivacional:

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Gil Eanes ficou motivado e “dobrou o cabo a além, onde achou as coisas muito pelo contrário do que ele e os outros até ali presumiam”.

Quando regressou, o Infante mandou-o novamente na sua “barca”, acompanhado pelo “barinel” de Afonso Gonçalves Baldaia – copeiro do Infante – tendo passado novamente o Bojador, em 1435 e percorrido por volta de 50? léguas da costa em direção ao sul “Onde acharam terra sem casas (mas encontraram) rasto de homens e de camelos”.

Gil Eanes é referido novamente por Azurara como tendo feito parte, em 1444 de uma expedição à costa de África, comandada por Lançarote, que era escudeiro do Infante e Almoxarife do Rei em Lagos, tendo como 2º comandante Gil Eanes. Esta expedição, que chegou até às ilhas de “Naar” e “Tider” situadas depois da “Ilha das Garças” (descoberta em 1443 por Nuno Tristão) junto à costa, era composta por 6 caravelas e foi autorizada pelo Infante que mandou fazer bandeiras com a Cruz de Cristo tendo cada uma das caravelas levado uma. Parece que foi a partir daqui que as Caravelas da Descoberta passaram a ostentar a Cruz de Cristo na velas.

Azurara dedica a Gil Eanes um capítulo quase completo (o XXII) referente à viagem de 1444, onde Gil Eanes, nessa mesma viagem, faz um discurso motivacional às tripulações das Caravelas. Deve ter aprendido com o Infante.

Em 1447, Gil Eanes aparece novamente como capitão de uma Caravela, integrado numa frota, que foi a maior de quantas até à altura tinha sido reunida, que voltou à ilha de “Tider” a fim de a conquistar para a coroa portuguesa. Era constituída por, pelo menos, 27 caravelas parte delas de Lagos, parte de Lisboa e 4 da Ilha da Madeira.

A partir de 1447 desaparecem as referências a Gil Eanes na obra de Azurara e na História de Portugal.

Como conclusões teremos:

6 – Para o Infante D. Henrique ter nomeado Gil Eanes para mais uma tentativa, em 1434, da passagem do Cabo Bojador (12ª ou 13ª) depois de doze anos de tentativas goradas foi porque, muito possivelmente o considerava um homem corajoso, tecnicamente capaz e, fazendo parte da sua casa, empenhado em cumprir as directrizes do seu Senhor;

7 – Como hipótese de conclusão, fala-se em “barca”, mas nunca se diz se era uma Barca de pano redondo tipo nórdico, ou uma Barca de pano latino, tipo do sul do reino, podendo qualquer destas hipóteses ser viável, já que qualquer uma delas assenta no mesmo facto – a inexistência de qualquer facto;

8 – Se atentarmos bem à data de 1434, só passaram ou 4, ou 3, ou 2 ou 1 ano ou mesmo nenhum, para o aparecimento das caravelas de descobrir pois, há notícia de que nos anos de 1438/1439, se encontravam carpinteiros portugueses em Bruxelas, nas margens da ribeira de Senne, enviados de Portugal (pelo Infante D. Henrique?) por solicitação de Philippe Le Bon, Duque de Borgonha (que era casado com a Infanta D. Isabel de Portugal, irmã do Infante D. Henrique) e que aí construíram 2 caravelas, e mais qualquer coisa. (1)

 

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Philippe Le Bon e Infante D. Henrique

Quem copiou quem?

A primeira referência que Azurara nos dá sobre Caravelas refere-se a “acontecimentos contrários” em 1440:

… “ Bem he que no anno de quarenta se armarom duas caravelas afim de irem a aquella terra, (além do Cabo Bojador) mas porque ouverom aqueecimentos (acontecimentos) contrairos, nom contamos mais de sua vyagem. …”

 

(1) – in: Um Relatório sobre a Construção de Caravelas Portuguesas em Bruxelas (1438-1439) PAVIOT, Jacques e RIETH, Éric, Laboratoire d’Histoire Maritime. C.N.R.S., Paris

“Oceanos”- O Repto da Europa, Lisboa, CNCDP, Dezembro 1993.

cnf: Francisco Contente Domingues no seu livro “Os Navios do Mar Oceano – Teoria e Empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII” (página 233), diz-nos:

“O Duque de Borgonha, Filipe o Bom tinha casado com D. Isabel de Portugal em 1436. Esta D Isabel era irmã de D. Henrique e do Rei de Portugal, D. Duarte que reinou entre 1433 e 1438, bem como dos restantes Infantes da “Ínclita Geração”.

Entre 1438 e 1439, nos estaleiros de Borgonha, foram construídas uma galé e uma pequena caravela e depois, mais duas caravelas. Os trabalhos destas construções foram dirigidos pelos mestres portugueses João Afonso e outros, que introduziram na construção naval nórdica a técnica de construção de “Forro Liso” (Carvel), onde se usava exclusivamente o “Forro Trincado” e aprenderam com os Borgonheses a construir “navios de alto bordo” com técnicas que os portugueses ainda não conheciam que possibilitavam a integração dos castelos de Popa e de Proa directamente durante a construção do casco. Este “intercâmbio” deve-se à iniciativa do Infante e do Rei D. Duarte e foi de mútuo aproveitamento. Se havia “política de segredo” nesta fase dos Descobrimentos, não parece! (1438/1439) ”.

É de notar que os carpinteiros eram mestres e portanto dominavam perfeitamente a técnica de construção de Caravelas de Descobrir (só assim se entende que tenham sido enviados para servir o Duque da Borgonha, cunhado do Infante D. Henrique), perícia essa que só seria possível adquirir se por detrás estivessem alguns anos de prática nesse tipo de construção (tentativa e erro pois não existiam planos desenhados, só a experiência!) o que nos leva a pensar que já eram decorridos alguns anos de experiência nesse sentido.

Apesar do termo “carvel” ser usado na Europa indiscriminadamente com o sentido de construção em “casco liso” e também como nome da embarcação “caravela”, esta dualidade não existe na documentação analisada (1) pois o termo usado pelo escrivão do Duque de Borgonha é “caravelle”, não levantando assim qualquer dúvida do que se trata.

Por agora é tudo. 

(continua)

Um Abraço e …

Bons Ventos