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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

26.04.23

76 – Modelismo Naval 7.3.8 – Um outro Minibarco – A Barca ou “Barcha”


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(continuação)

Caros amigos

 

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A “Barca” dos Descobrimentos?

7 -Tecnologia Nautica no Início dos Descobrimentos – Meados do século XV

Em 1433, ano da viagem frustrada de Gil Eanes ao Bojador para o ultrapassar, viagem essa que não passou das Canárias, a aventura das Descobertas tinha só começado havia 13 anos, em 1419 – não atendendo à data “oficial” das Descobertas como sendo a da tomada de Ceuta em 1415 vamos oficiosamente avança-la para a data mais aceitável de 1419, quando os Portugueses puseram as “boots on the ground” (independentemente de já terem sido feitas outras navegações anteriores).

Esta é data em que, ao que consta, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a ilha do Porto Santo e no ano seguinte em 1420, com base na ilha do Porto Santo onde se encontravam na primeira acção de povoamento em conjunto com Bartolomeu Perestrelo, descobriram a Ilha da Madeira, havendo quem diga que Bartolomeu Perestrelo não esteve presente pois tinha regressado a Portugal.

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“O Barinel” dos Descobrimentos?

Portanto, os Descobrimentos tal como os entendemos, tinham só 13 anos de idade à data da passagem do Cabo Bojador em 1434.

Um outro dado a reter é que, antes de se passar o Cabo Bojador, em direcção ao Sul, houve que resolver anteriormente uma outra situação que era a do Cabo Não, um obstáculo que só foi ultrapassado pelos Portugueses em 1422 por razões náuticas mas, principalmente por razões psicológicas tendo em conta o ambiente de crendice no sobrenatural existente na época medieval, com forte influência no meio marítimo. Por fim foi passado o Cabo Não, por alguém não identificado mas logo a seguir apareceu um outro cabo, o Cabo Bojador que apresentava os mesmos problemas sobrenaturais que foram transferidos do Cabo Não mas acrescidos, agora sim, de um problema difícil de resolver que tinha duas situações náuticas na sua base.

Uma primeira tinha a ver com a necessidade das embarcações rumarem a Oeste durante algum tempo para ultrapassarem os baixios que se apresentavam á frente da projecção do cabo no mar alto, também para Oeste, e por isso corria-se o risco de perder a costa de vista o que na altura era considerado problemático pois toda a navegação tinha como base a costa à vista.

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A “Caravela” dos Descobrimentos

 

Uma segunda era relacionada com o aparelho velico das embarcações que, na altura eram, como se pode depreender das informações dadas por Zurara na sua “Crónica de Guiné” “barcas”. Só assim, “barcas” fosse lá que tipo de embarcação fosse na altura! Sendo de pano redondo, segundo o que se sabia e a interpretação da maioria dos historiadores talvez por “simpatia”, teriam muita dificuldade em voltar para trás rumando contra os ventos dominantes.

Durante doze anos foram feitas 14 ou 15 tentativas por vários marinheiros para passar o Cabo Bojador a mando do Infante D. Henrique, sempre sem sucesso.

Gil Eanes à primeira tentativa em 1434 – sim, a primeira, porque a anterior de 1433, nem sequer a tentou segundo informação de Zurara, tendo-se ficado pelas Canárias e voltado para Lagos, por qualquer razão obscura que Zurara não esclarece – consegue passar para o outro lado do Cabo, ir a terra, colher um barril de “Rosas de Santa Maria” e voltar para Lagos, rumo a Norte, donde vinham os ventos dominantes. É obra!

O Almirante Gago Coutinho, um digno explorador e sabedor destas coisas de navegação nos Descobrimentos, defendeu que Gil Eanes regressou pela Volta do Mar, inaugurando assim uma série de itinerários que foram tomando vários nomes (Volta da Mina, Volta da Guiné, Volta da Índia) que consistia no aproveitamento dos ventos dos Açores que correm de Oeste para a costa portuguesa tendo a sorte o ter conseguido descolar da Costa de África (zona do Bojador) para Oeste com ventos dominantes N-S, não sabendo até onde e também não sabendo onde se situava e até se existia vento que o pudesse levar até Oeste dos Açores para apanhar os ventos que o empurrariam para Este em direção a Lagos.

De facto os Açores já estavam descobertos (ou redescobertos) desde 1427 e colonizados desde 1431. Mas tenho dúvidas que Gil Eanes já soubesse alguma coisa deste regime dos ventos no Arquipélago dos Açores.

Poderá ter sido assim? Poderá. Mas também poderá ter sido de outra maneira.

Entendendo por “Tecnologia Nautica” o conjunto de técnicas e de práticas ligadas à navegação e construção das embarcações, no início dos Descobrimentos a tecnologia existente nessa altura – independentemente de outras influências, por exemplo dos países nórdicos – estava fortemente marcada pelos saberes do Mediterrâneo, já adaptados às necessidades da navegação no Atlântico Mediterrânico mas ainda necessitando de outros ajustes para se poder navegar no grande “Mar Oceano”, sendo esse o objectivo principal – a navegação para o Sul em direcção ao Oriente.

 

7.1 – Tecnologia Náutica c.1434

Na data atrás referenciada, já os portugueses navegavam no chamado Atlântico Mediterrânico e no Mar Mediterrânico. Estas viagens permitiram o contacto com os navegadores Italianos (Sicilianos Genoveses e Venezianos) bem como com o Norte de África que, em conjunto com a própria experiência de navegação, permitiu o acumular de uma soma de conhecimentos ligados quer à navegação quer à construção de barcos de tipos específicos a que se somava toda a experiência já obtida na navegação Atlântica para e desde a costa Ocidental/ Norte da Europa, bem como rumo ao Sul ao longo da costa Noroeste de África até ao Cabo Bojador, obstáculo ainda não ultrapassado por questões técnicas de navegação bem como pelos “medos” herdados da época medieval. Nesta altura a navegação era feita á vista da costa por rumo e estima de distâncias.

 

7.1.1 – Instrumentos de Navegação

Da variada panóplia de instrumentos hoje existentes só muito poucos existiam nesta época pois, a simplicidade (embora pouco rigorosa) da navegação, não exigia muito mais. Até um dia!

 

Prumo de mão 

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Prumo de Mão

Encontrado no Galeão Sacramento do séc. XVII

Museu Naval, Rio de Janeiro

O “prumo de mão” foi seguramente dos primeiros instrumentos a aparecerem como auxiliares de navegação – talvez mais propriamente a “vara” de madeira ou de cana, da qual os marinheiros se serviriam para “apalpar” o fundo do mar em pequenas profundidades – prumo de mão esse que é constituído por um peso, na altura de pedra, mais tarde de metal (chumbo ou ferro) atado na ponta de um cabo com um comprimento adequado á função e que era lançado ao lado da embarcação e “media” a profundidade. Muito possivelmente os primeiros foram “calhaus não rolados” tendo possivelmente depois, com base no uso prático, sido esculpidos em forma de tronco de cone e furados no topo para passagem do cabo.

Mais tarde, talvez ainda no advento dos prumos de pedra mas mais no tempo dos prumos de metal, estes eram escavados na base formando uma cavidade que era preenchida com um material moldável e pegajoso (talvez sebo ou outra gordura moldável e insolúvel) que, ao ser puxado para bordo trazia consigo, colada, uma “amostra” do tipo de fundo existente na área – areia, lodo, conchas, ou rocha – o último determinado pela ausência de quaisquer detritos. Isto permitia a escolha de um fundo para ancoragem no qual as âncoras fizesse melhor fixe e não garrassem.

É um instrumento que já aparece referenciado numa notícia de Heródoto (484-420 BCE) a propósito de uma sondagem efectuada no Mediterrâneo, nas proximidades do delta do Nilo.

Ainda hoje, em algumas embarcações atuais, se poderão encontrar prumos de mão, aí presentes para poderem ser usados na eventualidade de falha das novas tecnologias. Marinheiros de pouca Fé!

Este era seguramente um instrumento que se encontrava na “Barca de Gil Eanes”.

(Fonte: “Medir Estrelas” – António Estácio dos Reis p. 21)

 Ampulheta

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Ampulheta de 30 minutos ou “relógio” na linguagem de bordo, durante os Descobrimentos.

O tempo passa ao ritmo da areia, é o que se pode dizer quando é medido com ampulheta, instrumento que foi usado a bordo dos navios dos Descobrimento para medir o tempo.

Era um instrumento pouco fiável no que diz respeito à contagem do tempo pois o orifício de passagem da areia de um depósito para o outro com o tempo alargava com o atrito e a ampulheta “andava” mais depressa. Mas este era um problema que se levantava em termos de navegação astronómica, coisa que não preocupou Gil Eanes nesta viagem.

No entanto deve ter sido um instrumento a bordo da Barca de Gil Eanes pois a sua utilização também era a de determinar o tempo de duração dos quartos de vigia para rendição dos tripulantes de serviço e neste caso, havia a tentação de virar a ampulheta antes de esgotar completamente a areia encurtando assim o tempo de vigia.

Muito provavelmente este instrumento (talvez mais do que um) viajou com Gil Eanes.

(Fonte: “Medir Estrelas” – Estácio dos Reis p. 24)

Agulha de Marear 

 

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Agulha de Marear – séc. XVIII

Feita na Real Fábrica do Trem do Rio de Janeiro. 1790. Museu de Marinha, Lisboa

A “Agulha de Marear” ou bússola – da qual pouco se sabe do seu aparecimento – pode ter sido inventada por um filho do “Império do Meio” há pelo menos 2000 ou 3000 anos desta data. Basicamente deve ter sido, no seu início, constituída por um pedaço de arame de ferro “cevado” com uma pedra chamada magnetite (magnetizado) que era posto num estreito tronco de bambu e colocado a flutuar num recipiente com água.

O seu uso a bordo das embarcações, segundo reza a história, ficou-se a dever a um napolitano que modificou a bússola por volta de 1302, ligando o ferro a uma rosa-dos-ventos, ficando assim independente do movimento das embarcações.

As rosas de ventos na Grécia antiga (Torre dos Ventos em Atenas) começaram por ter dois ventos (rumos) que evoluíram até aos doze rumos, passando, na primeira metade do século XVI, a ostentarem dezasseis rumos.

Em 1367, na Carta Portulano dos irmãos Pizzigani já se encontra traçada uma rosa-dos-ventos na sua forma atualmente conhecida de trinta e dois rumos traçado esse que nos tem orientado até hoje. O rumo Norte era identificado pelo desenho de uma Flor de Liz e o Este era identificado pelo desenho de uma Cruz. Os rumos entre si distam 11֯ e 15’ (uma Quarta).

A agulha de marear não indica diretamente o Norte Geográfico mas sim o Norte Magnético tendo a sua leitura que ser compensada pelo valor da Declinação Magnética que vai variando ao longo dos anos e dos locais do planeta. Esta situação só foi descoberta na segunda metade do século XV, já depois da viagem da Barca de Gil Eanes.

Apesar de ser, na altura, um instrumento um pouco “desnorteado”, esteve seguramente presente nesta viagem já que, Gil Eanes partiu de Lagos em direção ao Bojador, contornou-o, deu a volta e voltou a Lagos, aparentemente sem grandes problemas. Até porque a navegação que se fazia de momento, era de Rumo e Estima o que exigia uma Agulha de Marear.

São estes os instrumentos possíveis de elencar como usados por Gil Eanes. Todos os outros inventados ou adaptados de já existentes para outros usos, só apareceram mais tarde com o advento da navegação astronómica que só começou a ser praticada pelos portugueses não se sabe bem quando e essa data é origem de forte controvérsia em Portugal (Almirante Gago Coutinho, Comandante Teixeira da Mota, Comandante Quirino da Fonseca, etc.) e internacionalmente (Portugal, Espanha, Itália, Brasil, etc.). Há quem defenda que só foi depois da morte do Infante D. Henrique, que não se podem considerar como observações astronómicas náuticas as que foram feitas em terra, embora integradas em expedições navais, ou que foram iniciadas em meados do século XV (c.1450).

De qualquer forma sabe-se que não foi antes da “Barca de Gil Eanes” ultrapassar o Cabo Bojador em 1434.

(Fonte: “Medir Estrelas” – Estácio dos Reis p. 30)

 

7.2 – Cartografia

A navegação era, no tempo de Gil Eanes, feita basicamente com Carta e Bússola (ao que se chamava Rumo e Estima) e, acessoriamente, se e quando necessário, com o recurso ao Prumo de Mão, principalmente em manobras de fundear e que fornecia dados de profundidade do mar.

Este método foi desenvolvido nas águas do Mediterrâneo e consequentemente também passaram para o Atlântico Mediterrâneo onde se foi, quando e se necessário, adaptando às condições do novo mar e, também com o início dos Descobrimentos Portugueses passaram a ser integradas no conhecimento, a maioria das vezes empírico, dos marinheiros acompanhando-os em direcção ao Sul.

Durante a primeira metade do século XV, quando os Portugueses iniciaram as viagens de descoberta e exploração da costa do Noroeste de África, estava em pleno uso o método de Rumo e Estima para determinar o posicionamento de uma embarcação numa Carta Portulano cruzando a distância estimada do percurso efectuado com o rumo, com base na agulha de marear.

Era um método meio certo e meio errado, já que o rumo tinha como base a indicação da agulha de marear, cujo Norte é o magnético (pondo de lado o erro da declinação que, na altura, nem se sabia o que isso era) e um ponto no cruzamento com a distância percorrida que era determinada pela experiência e fantasia do piloto. Era o chamado “Ponto de Fantasia”. Podia bater certo mas teria sempre um erro de precisão que, em viagens curtas e à vista da costa não teria grande importância (caso do Mediterrâneo) ou, ao contrário, podia levar a que o navio se perdesse por acumulação de erros, em viagens de alto-mar sem vista da costa (caso das viagens no Mar Oceano).

Só com o advento dos Instrumentos astronómicos (Quadrante, Astrolábio, etc.) é que se conseguiu determinar a latitude que passou a ser introduzida no Portulano, em conjunto com o rumo e com a estima da distância “fantasiada” pelo piloto. Conseguia-se assim uma maior aproximação à realidade, com o senão de que se continuava a trabalhar com cartas portulano que tinham sido desenhadas com base em distâncias estimadas e rumos magnéticos que, ao lhe serem aplicadas escalas de latitude, se revelaram necessitadas de adaptação geométrica.

 

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Carta Náutica Portuguesa 

Esta Carta é uma “Carta Portulano” que mantem as “loxodrómicas” (loxodrómica é a linha que, à superfície da Terra, faz um ângulo constante com todos os meridianos, que nesta carta estão representadas pela “teia de aranha” formada pelas diferentes linhas que saem dos diferentes Rumos das Rosas dos Ventos e se cruzam entre si), à qual foi aplicada uma escala de latitudes passando a ser, tecnicamente, uma “Carta Náutica”. (Carta de Latitudes?)

Biblioteca Estense, Modena

Portulanos

O “Portulano” aparece pela primeira vez com o “Périplo do Mar Eritreu” possivelmente no séc. V BCE e era um conjunto de orientações técnicas escritas sobre a navegação no Oceano Índico Ocidental.

Para o Mediterrâneo, aparece o primeiro “Portulano” no séc. I CE (alguns fragmentos do “Périplo do Mar Interior”) e por volta do séc. XIII aparece um roteiro chamado “II Compasso da Navegare”.

Na realidade, estes Portulanos não o eram no conceito que hoje lhes damos pois eram documentos escritos com instruções de navegação e outras. Hoje, a este tipo de instruções damos o nome de “Roteiros” (que ainda são editados em muitos países do Mundo, essencialmente para navegação costeira).

Com a generalização da “Agulha de Marear” os Portulanos (Roteiros) passaram a incluir informação sobre os rumos magnéticos e as distâncias entre os portos das principais rotas.

O passo seguinte terá sido o desenho das costas e dessas rotas visualizando graficamente o que estava escrito, passando a haver um mapa que acompanhava as instruções escritas. Um pouco como os Mapas Turísticos de hoje. E também a cores. Mas sem publicidade!

É interessante como esta prática se manteve até hoje, embora hoje as Cartas Náuticas e os Roteiros apareçam separadamente, por vezes editados por entidades diferentes mas, em Portugal, foi uma prática que, ao ser adoptada, segundo dizem possivelmente por iniciativa do Infante D. Henrique, depois da passagem do Cabo Bojador, quando a informação começava a ser muita e se apresentou a necessidade de haver uma forma de a arrumar compreensivelmente, se estendeu até hoje.

A prova de que essa organização da informação ligada à navegação se manteve é, por exemplo, o “Regimento de Pilotos e Roteiro das Navegações da Índia Oriental “editado em 1642, já em pleno século XVII, pelo Cosmógrafo Real, em Lisboa.

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Capa do “Regimento de Pilotos e Roteiro das Navegações da Índia Oriental “

editado em 1642, já em pleno século XVII

 

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Uma folha do mesmo Roteiro anterior com instruções a seguir para entrar nos portos do Porto e de Aveiro com os devidos cuidados.

 

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Do mesmo roteiro, a “carta portulano” das barras do Porto (à esquerda) e de Aveiro (à direita), em que estão referenciados os rumos com base numa Rosa dos Ventos de 16 rumos (o Norte é assinalado por uma Flor do Liz do lado esquerdo da rosa) e ao longo dos rumos e espalhados pelo mar encontram-se as profundidades encontradas em cada um dos possíveis percursos.

O roteiro português mais antigo que se conhece é o que foi transcrito no manuscrito de Valentim Fernandes e que se supõe ser ainda do séc. XV, segundo o Comandante Fontoura da Costa. O roteiro começa com a frase «Este livro he de rotear…»

Esta divagação sobre Roteiros e Portulanos, não se enquadra na “Barca de Gil Eanes”, pois ele não usou nenhum roteiro escrito, que ainda não havia, embora deva ter usado uma espécie de  Portulano com as rotas já percorridas até à data de 1433. Possivelmente o “roteiro” era “oral” e terá sido obtido em conversa com outros navegantes (e deviam de ter sido muitos, pelo menos 14) que já tinham feito aquela viagem.

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Carta Pisana – a mais antiga carta portulano ainda preservada (já em mau estado), datada dos finais do séc. XIII. Atualmente pertence à coleção da Biblioteca Nacional em Paris

A “Carta Portulano” aparece primeiramente no Mediterrâneo e baseia-se no processo de navegação chamado de “rumo e estima” em que eram seguidas as linhas que saiam dos diferentes rumos da agulha de marear e a distância percorrida era “estimada”.

As cartas eram desenhadas sobre pergaminho, que foi o único material encontrado até hoje neste tipo de cartas. Os dados para o desenho das costas eram os que constavam dos roteiros e/ou os que eram fornecidos pelos navegantes.

A carta era iniciada pelo traçado da “teia” das linhas de rumo que saiam das Rosas-dos-ventos existentes pelo menos uma central, por vezes mais duas laterais e por vezes algumas mais e depois era traçada a linha da costa a que a carta dizia respeito.

Portugal teve uma forte contribuição com cartógrafos para a feitura das mais bem elaboradas cartas no mundo dos Descobrimentos, cartas essas hoje conhecidas graças ao facto de terem sido elaboradas para deleite e contemplação e por isso conservadas de geração em geração nas famílias e depois preservadas em museus.

Essas cartas nunca foram usadas a bordo. A sua feitura devia de repousar nas informações dos navegantes passadas aos cartógrafos que depois as “desenhavam” e embelezavam consoante a sua inspiração e destinavam-se às classes possidentes que, muito possivelmente as tinham encomendado para deleite próprio ou para oferta de agrado a outras pessoas. Estas foram as que passaram para a posteridade.

É com certeza verdade que os pilotos e os capitães das embarcações necessitavam, para facilitar as viagens, da informação anterior das mesmas, quando a havia. Mas também é certo que as cartas desenhadas pelos cartógrafos, em termos de informação útil só a davam a “traços largos” já que os “traços finos” desapareciam no emaranhado de informação.

Ao contrário dos “Roteiros” a informação útil destas cartas era bastante menor. Possivelmente os pilotos a bordo tentavam fazer esboços para seu uso pessoal, que lhes fossem úteis para a navegação e possivelmente faziam-no a um pormenor bastante fino que não era possível transferir posteriormente para as grandes cartas elaboradas nas “oficinas” de cartografia, por falta de espaço útil nessas mesmas cartas.

Estes desenhos de base do pessoal navegante naturalmente não seriam mais do que esboços e o material de suporte não seria impermeável à água salgada e à degradação pelo salitre. Seria com certeza pergaminho de baixa qualidade. Por isso desapareceram!

Existe um problema com um possível portulano que pudesse existir com base em todas as viagens realizadas pelos diferentes navegadores do Infante até ao Cabo Bojador, anteriores a 1433.

O livro “Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499”, no capítulo II com o título de “Tábuas, Cartas e Roteiros” da autoria de Inácio Guerreiro ao falar das Cartas, no ponto 2.1, pág. 286, diz o seguinte: (cópia directa do livro)

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Se as conclusões são estas, que o Infante D. Henrique só iniciou a elaboração de uma Carta Portulano que abrangesse a descida da Costa Ocidental de África em 1443 segundo uma carta privilégio mandada passar por D. Pedro, Regente do Reino em nome de seu sobrinho D. Afonso, carta essa posteriormente corrigida em menos 400 léguas em 1446, segundo Zurara, então Gil Eanes em 1434 passou o Bojador só com informações verbais, sem portulano algum. E de facto, só a partir da passagem do Bojador é que começou a haver o cuidado de cartografar o que era descoberto.

 

Resumindo

Gil Eanes, na sua Barca, quando passou o Cabo Bojador, deveria de levar com ele os seguintes instrumentos de apoio à navegação: um ou vários Prumos de Mão, uma ou várias Ampulhetas, uma ou duas Agulhas de Marear e, quanto muito um Esboço da Costa e uma Mão Cheia de Informações Orais prestadas pelos navegadores anteriores a ele pois, conjugando as anteriores informações, seria o que estava disponível. Possivelmente também levava um Piloto já conhecedor da rota até ao Cabo Bojador.

 

 

Quatro Cartas Portulano elaboradas a partir do meio do século XV até finais do mesmo século, que já contêm informação sobre as viagens no Atlântico, efectuadas pelos Portugueses.

 

1 – 1448 – Andrea Bianco

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Carta de Andrea Bianco de 1448

É a primeira representação cartográfica dos descobrimentos geográficos portugueses para além do Bojador.

Biblioteca Ambrosina, Milão

2 – 1471 – Anónimo

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Carta Náutica Portuguesa de c. 1471.

Estudada por Fontoura da Costa numa edição da Agência-Geral das Colónias de 1940, esta carta anónima foi a primeira das três cartas quatrocentistas portuguesas de que houve conhecimeno em Portugal apenas a partir de 1938

Biblioteca Estense, Modena

3 – 1483 – Pedro Reinel

Carta 3- Pedro Reinel - 1483.jpg.png

"Pedro Reinel me fez": Portulano de Pedro Reinel (c. 1483), actualmente nos “Arquives Departementales de la Gironde”, em Bordeaux.

 

 4 – 1492 – Jorge de Aguiar

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Carta Náutica de Jorge Aguiar de 1492

É a única carta portuguesa conhecida do século XV que tem uma legenda de autor com a data em que foi desenhada. A sua existência nos Estados Unidos da América foi revelada em Coimbra em 1968.

Beinecke Rare Book and Manuscript Library, Yale University

“Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499” Inácio Guerreiro

E por agora é tudo.

 

Um abraço e...

Bons Ventos

 

(continua)