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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

15.08.18

30 - Modelismo Naval 7.6 - "Cutty Sark" 2.5


marearte

 

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(continuação)

 

Caros amigos

 

A viagem 19 começou com a matricula da tripulação em Londres em 14 de Maio de 1888. Provavelmente, devido ao episódio de desmastreação na viagem anterior, o imediato James Dimint, de 48 anos, deixou o navio e foi substituído pelo segundo oficial Thomas W Selby. Também incluído no complemento do navio, estava o aprendiz de 15 anos Richard Woodget, o filho mais velho do capitão, que fazia a sua primeira viagem de mar. Mas, filho ou não do capitão, o jovem Richard não recebeu nenhum favoritismo de um pai que tratava todos os homens a bordo com igualdade. Deixando a doca da Índia Oriental para Sidney em 17 de Março de 1888, o “Cutty Sark” carregou um suplemento de pólvora em Gravesend e fazendo-se à vela no dia seguinte, largou o rebocador em Dungeness.

A passagem do “Cutty Sark” para Sidney não foi nada fora do normal, tendo percorrido 320 milhas em 27 de Julho, o seu melhor dia. Chegando ao porto de carga em 5 de Agosto de 1888, teve que aguardar mais de um mês antes de meter lastro de estabilidade e 4.496 fardos de lã que foram acondicionados no porão. Deixando Sidney, em 26 de Outubro, com destino a Londres, o capitão Woodget aparentemente havia carregado pouco lastro de estabilidade, o que resultou num maior bordo livre. Três dias depois de sair de Sidney, em 29 de Outubro, com mau tempo, o navio adernou devido ao deslocamento da carga. Nesta situação o capitão mandou abafar os sobrejoanetes e os sobrinhos.

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A escala na proa do “CuttySark” – que se encontra atualmente em Greenwich – indica a profundidade a que se encontrava a base da quilha do navio em relação á linha de água, em determinada altura (1).

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(1) O bordo livre para essa determinada altura seria assim a distância vertical entre a superfície da água e o convés do navio. Estas escalas encontram-se em ambos os bordos do navio quer à proa, quer à popa.

Por outro lado, existe no casco do “Cutty Sark”, gravado pela “Lloyds”, um sinal gráfico que indica qual é a linha de água aconselhada para o navio estando ele carregado. Esta linha é conhecida pela linha de Plimsoll, que deriva do nome do deputado inglês Samuel Plimsoll, e começou a ser usada em 1876, o que significa que foi inscrita no casco do “Cutty Sark” posteriormente a 1869, data do seu lançamento.

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Atualmente o registo é bem mais complicado mas possivelmente mais eficaz. Embora continue a manter uma linha de água base, foram acrescentadas toda uma outra série de indicações consoante as condições de navegação.

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Em 31 de Outubro, o desastre alcançou o “Cutty Sark” quando o navio estava na posição de 46o Sul e 162o Leste. Durante o “quarto da modorra”, às 3 da manhã, o quarto de serviço estava no convés a estibordo a bracear as vergas orientando-as em relação ao vento. Foi então que uma enorme parede de água veio trovejando cair no convés vinda de barlavento. Aqueles que a viram ou se aperceberam que alguma coisa vinha aí sobre eles seguraram-se, não indo na onda. Mas em tais casos, dificilmente há tempo para alertar os outros. Cada um deve ter um sexto sentido que só é adquirido com a experiência. Mas infelizmente, o aprendiz de 17 anos, Sidney Cooke, que estava a fazer a sua primeira viagem no mar, nunca tinha tido essa experiência. Ele ainda tentou segurar-se a um cabo de bracear enquanto o convés rapidamente se encheu até ao topo da borda falsa, mas na escuridão da noite, o jovem foi arrastado sobre as redes de segurança e caiu no mar furioso. Infelizmente, nada mais foi visto do jovem aprendiz.

Nesses casos, não há nada que possa ser feito pelo capitão para tentar um resgate. Primeiro e mais importante, o jovem estava vestido com fato de oleado e botas de mar e devido a isso, terá mergulhado como uma pedra. Em segundo lugar, mesmo que o capitão conseguisse virar o navio em volta, devido à intempérie teria sido perigoso para o navio e para todos a bordo. Teria de virar em redondo para se aproximar novamente e tentar determinar a posição onde o homem terá caído ao mar e mesmo que ele pudesse ter feito atempadamente estas manobras, estava um vento muito rijo e um mar muito bravo para arrear um barco. E estava muito escuro.

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O clipper “Torrens” a navegar na tempestade com dois tripulantes a trabalharem no pau da bujarrona. De notar que o único apoio é o cabo para os pés que corre ao longo do comprimento da bujarrona – bem como ao longo das vergas dos outros mastros. O resto é força de mãos e jogo de cintura para acompanhar o “remexer” do navio. Não se nota se existe algum cabo a ligá-los (tipo “arnês”) a qualquer ponto fixo do navio. Julgo que não, já que a prática normal era os marinheiros não ligarem muito a essas “mariquices”. Faziam mal!

Desenho de John Richardson

O “Cutty Sark” passou dos 64o Sul para encontrar “os ventos”, mas tudo o que conseguiu encontrar foram ventos de Leste o que resultou numa passagem do cabo Horn só a 3 de Dezembro após 38 dias, 13 dias mais do que o habitual. O melhor dia do navio na viagem para casa foi de 306 milhas. O navio “Loch Vennacher” ganhou a corrida da lã para Londres naquele ano com uma passagem de 84 dias,” Salamis” ficou em segundo lugar com 85, enquanto que o “Cutty Sark” chegou em terceiro com 86. O “Cutty Sark” desarmou em 21 de Janeiro de 1889.

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O “Loch Vennacher” (2)

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(2) Era um clipper de casco de ferro, de três mastros que operou entre a Grã-Bretanha e a Austrália desde os finais do séc. XIX a 1905 ao serviço da “Loch Line”. Foi construído nos estaleiros “Thomson’s” em Clyde, Glasgow e foi lançado em Agosto de 1875.

Afundou-se em Setembro de 1905 com toda a tripulação a bordo perto da “West Bay” tendo sido encontrados destroços do navio na costa sul da ilha de Kangaroo, no Sul da Austrália.

Em 1976 foram descobertos na zona da posição atrás assinalada os restos do naufrágio do navio a 12 m de profundidade pela “SUHR - Society for Underwater Historical Research”, Austrália.

O navio tinha 1.485 T, um comprimento de 76,23m, uma boca de 11,66m e um calado de 6,81m e durante toda a sua existência sofreu vários acidentes ao ponto de ser considerado “um navio sem sorte”.

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Depois dos barcos a vapor terem afastado os veleiros do comércio do chá, as estações de reabastecimento de carvão foram melhor estabelecidas na rota para a Austrália. Além disso, as modernas máquinas de vapor de expansão tripla deram aos “steamers” uma maior potência de vapor. Os resultados foram que as cargas para os veleiros, mesmo para os Antípodas, se tornaram mais difíceis de consignar. Com esses fatos e depois de desarmar em Janeiro de 1889, o “Cutty Sark” teve que esperar três meses antes de poder consignar uma car

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A zona do porto de Londres onde ficava a “West India Dock”

 

A nova viagem do “Cutty Sark”, como invariavelmente acontecia, começou com a matricula da tripulação em 2 de Maio de 1889 e, ao deixar a doca da Índia Oriental dois dias depois, o clipper foi carregar a partida habitual de pólvora em Gravesend para começar a viagem número vinte. Nesta viagem, 8 AB’s e nove aprendizes foram matriculados. York Atkinson foi promovido a 3º oficial e o complemento do navio tinha 23 tripulantes. Nada fora do comum aconteceu nesta viagem até que o navio se aproximou da costa sudeste da Austrália. Entre as datas de 23 e 24 de julho, o “Cutty Sark” teve um bom desempenho e registou 332 milhas mas, no dia seguinte, quando avistaram o promontório de Wilson – a ponta mais austral de Austrália – o rumo do navio foi alterado para a ENE.

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O mastro do traquete do “Cutty Sark”
 

Pouco depois do meio-dia, quando o vento desacelerou, o “Cutty Sark” estava a fazer entre 10 e 11 nós quando o navio símbolo da “P&O - Peninsular & Oriental Steam Navigation Company” o “SS Brittania”, passou o “Cutty Sark” pelo oeste. Desenvolvendo uma velocidade de 15 nós, o orgulho da poderosa linha deixou o casco do “Cutty Sark” para trás, até desaparecer na linha do horizonte. Mas depois do “Cutty Sark” ter passado o cabo Howe, quando alterou o curso para NE, o vento mudou para um oeste forte e firme. Este vento refrescante tocou o clipper em frente na sua maior velocidade.

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O “SS Britannia” (3) que foi ultrapassado pelo “Cutty Sark” no dia 26 de Julho de 1889 à 01h00 AM durante o “quarto da modorra”. O pessoal do Britannia estava a dormir.

 

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(3) O “SS Britannia” de 6.525 toneladas foi construído por “Caird & Co” de Greenock para a “P&O-Peninsular & Oriental Steam Navigation Company” e lançado em 18 de Agosto de 1887. Nos seus ensaios marítimos de 15 de Outubro de 1887, os seus motores de expansão tripla deram uma velocidade de 16,5 nós. Registado no dia seguinte, ele serviu a linha “P&O Line” até ter sido abatido ao efetivo e desmantelado em Gênova, em 1909.

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O “Cutty Sark” a voar sobre a água à velocidade de 17,5 nós – a maior que atingiu – a ultrapassar por estibordo o “SS Brittania” o vapor mercante mais rápido do mundo, aquela luzinha branca que se destaca sobre o fumo de carvão na parte média da direita da fotografia. Com propriedade, ”ficaram a ver (o) navio(s)”.

 

O clipper saltou para a frente como um galgo. Como de costume, o seu “mais velho”(4) capitão Woodget estava junto à balaustrada do convés da popa; uma posição onde passou a maior parte de sua vida no mar. Então, na primeira hora do “quarto da modorra”, quando o clipper corria como um galgo, uma miríade de luzes do navio de passageiros apareceu por cima do resbordo de proa do “Cutty Sark”. Na verdade, era o mesmo navio que havia passado o “Cutty Sark” no início da tarde – o novo e poderoso “SS Brittania”. A hora e a data foram registadas como sendo 1h AM em 26 de Julho de 1889. Com seus mastaréus do joanete curvados perigosamente para a frente e os cabos e as velas esticadas como cordas de violino até quase ao ponto de rutura, o clipper singrava impulsionado por um vento e um mar perfeitos, tanto para ele quanto para a ocasião.

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(4) Este “mais velho – old man” é um “calão” da Marinha Mercante Inglesa e é usado por “capitão”, no mesmo sentido que na África Subsaariana é usado ou seja, como tratamento respeitoso a pessoas importantes e de destaque.

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Os vigias dos navios a vapor geralmente não eram obrigadas a relatar as luzes que apareciam atrás da esteira do navio, de modo que o homem da gávea do “Brittania” provavelmente nunca se preocupou em olhar para trás. Mas na ponte do navio de passageiros, que na época era considerado o navio mercante mais rápido existente, o 2º oficial, Robert Olivey, viu uma luz vermelha a aparecer no seu quarto de estibordo. Ao ver que não havia luzes de mastro para acompanhar esta única luz vermelha, deve ter pensado que era estranho, pois apenas um navio de vela apresentaria uma tal luz. Certamente que não poderia ser um navio à vela a tentar ultrapassar o “Brittania”! Mesmo na época, os mais recentes navios de guerra da Royal Navy teriam dificuldade para o acompanhar - e muito menos passar por ele. Mas quando essa luz vermelha começou a ganhar relevo e a passar ao lado dele, a verdade impressionante atingiu-o em cheio. De fato, uma pequena embarcação de vela estava a ultrapassar o poderoso “Brittania” da “P&O Lines”.

O oficial de quarto tinha enviado recado para o capitão Hector aparecer e testemunhar por si mesmo o espetáculo inacreditável. No entanto, com o “Cutty Sark” atingindo mais de dezassete nós – ou vinte milhas por hora – rapidamente ficou a uma milha de distância do navio a vapor. Muito diferente do grande navio a vapor que deixava uma esteira em ebulição à sua volta e atrás de si, o clipper deixou apenas um fluxo de deslizamento estreito e calmo. Então, quando o navio de vela mais rápido do mundo ultrapassou o vapor mais rápido do mundo, a sua luz vermelha de bombordo foi-se desvanecendo lentamente enquanto ele se afastava, até desaparecer. Foi substituída por uma luz branca. A luz de popa do “Cutty Sark”!

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 A popa do “Cutty Sark” que a tripulação do “SS Britannia” não chegou a ver. Vislumbrou-a!

O “Cutty Sark” na doca seca de Greenwich em Agosto de 1994

 

Todos os marinheiros de vela da altura nada mais desejavam do que poder acenar a um vapor numa ultrapassagem, em especial um de uma linha de passageiros. Esta ultrapassagem foi a maior conquista de todos os tempos e tornou-se no ponto de discussão nas tabernas dos portos durante muitos anos. Foi pena que fosse de noite no momento dessa ultrapassagem histórica. Por isso os marinheiros do “Cutty Sark” não poderam gozar o privilégio de arrastar um cabo sobre a popa, convidando a “chaleira fumegante de estanho” a apanhar um reboque!

Na continuação de seu sprint épico e depois de ancorar no porto de Sidney, o “Cutty Sark” estava a acabar de arrumar as velas quando o navio de passageiros chegou. Uma hora depois, às 10 da manhã. Nos vinte anos anteriores, o “Cutty Sark” já tinha passado por vários vapores, mas passar o “Brittania”, o navio de passageiros mais rápido do mundo, para aqueles homens do “Cutty Sark” foi a maior conquista. A silhueta dourada da “Pequena Camisola” no topo do mastro principal deve ter ofuscado de brilho todos os que a contemplavam naquele dia de Sol no porto de Sidney. John Willis em Londres deve ter ficado encantado ao ouvir a notícia do famoso troféu do “Cutty Sark” e, sem dúvida, os telegramas com os seus parabéns foram rapidamente enviados através dos agentes de Sidney, à atenção do capitão Woodget.

O Cutty Sark a secar as velas.png

O “Cutty Sark” a secar as velas no porto de Sidney … à espera que o “SS Britannia” chegue. Já estão quase secas!

 

Á espera na baía de Sidney até 23 de Outubro de 1889, o “Cutty Sark” foi obrigado a ser o último na fila dos navios que carregavam lã. Isso ocorreu porque os expedidores queriam que todos os transportadores de lã chegassem a Londres aproximadamente ao mesmo tempo para as vendas de lã. Portanto, os navios mais lentos foram os primeiros na fila, enquanto o mais rápido ficou em último. O resultado dessa decisão significou que o “Cutty Sark”, que era o último na fila, teve de esperar na baía durante doze semanas até acostar no cais. Dez dias depois de ter acostado, ele tinha embarcado 4.557 fardos de lã e mais de 200 toneladas de lastro de estabilização constituído por minério de crómio, deixando o cais com destino a Londres em 3 de Novembro de 1889.

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Protótipos dos fardos de lã australiana que costumavam ser transportados pelo “Cutty Sark” que se encontram a bordo do navio atualmente em Greenwich.

 

Enquanto o “Cutty Sark” estava em Sidney, um AB chamada William Pari nascido na Nova Zelândia, desertou no dia 22 de Outubro. Foi substituído por Oscar Hausen que, por sua vez, depois de receber um adiantamento dos salários, não compareceu, sendo substituído por SA Frazer, de New York, que embarcou. O 2º oficial William Naylor foi de baixa no dia 19 de Agosto sendo substituído por um dos AB's Robert Walker em 1 de Novembro, que estará de novo na ribalta na história do “Cutty Sark” já quando o navio navegava sob a bandeira portuguesa com o nome de “Ferreira”.

Por ordem de partida em relação às suas velocidades, os outros clippers que deixaram Sidney antes do “Cutty Sark” foram: “Derwent”, “Cairnbulg”, “Orontes”, “Woolahora”, “Cimba”, “Sófocles”, “Serica” e “Rodney”.

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Anúncio de carregamento do "Cutty Sark" nas "East India Docks" "with very quick despatch",  com destino a Sidney sob o comando do capitão R. Woodget

 

Havia também os clippers de transporte de lã “Loch Vennacher” e “Salamis” de Melbourne e “Blackadder” de Brisbane. Com “Derwent” com uma vantagem de 20 dias em relação ao “Cutty Sark”, a corrida para Londres estava lançada. Um mau percurso de 30 dias do “Cutty Sark” para o cabo Horn foi seguido por um bom percurso de 23 dias até ao Equador, e de outros 22 dias até Londres. Ao todo o “Cutty Sark” levou 75 dias de Sidney para Londres, façanha que foi igualada pelo ”Cimba”. O clipper “Derwent” foi, na realidade, o primeiro a chegar a Londres após 80 dias, mas o percurso mais rápido foi conquistada pelo “Cutty Sark” e pelo “Cimba”, com 75 dias, que terminaram em conjunto. Á chegada do “Cutty Sark” a Londres, em 17 de Janeiro de 1890, o navio foi desarmado.

 

(continua)

Um abraço e…

Bons Ventos