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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

30.10.22

66 - Modelismo Naval 7.2.1 - Dois mini Barcos - Caravela Latina de Três Mastros


marearte

 

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Caros Amigos

(continuação)

 

 

"Por 1430-1440 os Portugueses concebem e constroem a caravela dos Descobrimentos e com ela aperfeiçoam outros dois meios técnicos: a navegação astronómica e a cartografia. Mas há uma consequência da construção da caravela praticamente ignorada dos historiadores do navio de vela e que influi no quarto meio técnico, que é o navio de aparelho redondo. Entre 1435 e 1440, os construtores portugueses de caravelas introduzem nos estaleiros do duque de Borgonha, Filipe, o Bom, cunhado do infante D. Henrique, a técnica de construção do casco de forro liso, conhecido no Norte da Europa por "carvel building*", "Kraweelbauweise", etc. Esta técnica conhecida no Mediterrâneo há milhares de anos, permitiu a construção de cascos de grandes dimensões e muito robustos, o que não se alcançava com a tradicional técnica nórdica do forro trincado: há uma das mais importantes revoluções tecnológicas. Em dez a quinze anos a nova técnica difunde-se pelos estaleiros do mar do Norte e por 1450 já o navio nórdico de um mastro redondo, ou mais outro latino, que não passava das 100t a 150t - a "coca" -, tem três mastros e alcança as 200t a 250 t. Para o final do século XV surge o protótipo do navio de aparelho redondo, com três mastros e os castelos já parte integrante do casco. O navio atinge as 250t a 300 t e tem o aparelho com as características essenciais que se conservam até aos nossos dias.

 

in: "Estudos de Arqueologia Naval" - Volume II; BARATA, João da Gama Pimentel; Imprensa Nacional-Casa da Moeda; Lisboa, 1989; p.-15

Comunicação apresentada no "Colóquio Internacional sobre as razões que levaram a Península Ibérica a iniciar no século XV a expansão mundial", Lisboa, 11-16 de Abril de 1983.

 

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*Comparação da construção em "Clinker" (Norte da Europa) com a construção em "Carvel" (Mediterrâneo)

 

Uma viagem em "dhow" pelas "Quirimbas"

ou

Recordar as Caravelas no século XXI

Existe em Moçambique uma embarcação com vela latina que são os “Dhows” (botes à vela), que se encontram espalhados desde Quionga na foz do Rovuma no norte, junto à  fronteira com a Tanzânia, até à Ponta do Ouro, no sul, na fronteira com a África do Sul e cujo nome vai variando de região para região ao longo da costa.

Quando cheguei a Moçambique em 1963 como militar, fiquei deslumbrado com toda a marginal de Lourenço Marques que ia, na altura, até à aldeia dos pescadores na Costa do Sol - que eu percorri logo nos primeiros dias integrado num grupo recém-chegado - onde me deparei com uma série de barcos de pesca que tinham o aspeto da fotografia a seguir. Na altura foi-nos dito que estes barcos usavam vela latina triangular desde a chegada dos portugueses – armada(s) de Vasco da Gama – a Moçambique, que tinha na sua frota caravelas. Fazia uma ideia diferente deste assunto mas, sendo recém-chegado, guardei a minha interrogação comigo e não quis pôr em dúvida um Major. Não convinha!

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Bote à vela, tipo “Dhow” no Índico - Costa de Moçambique

(Ilha de Moçambique)

De fato, estes barcos são parecidos com as caravelas (a maioria dos “dhows” são de um mastro mas existem de dois mastros e até de três mastros a navegar na costa de Moçambique – encontrei, na minha viagem pelas Quirimbas, um "dhow" de três mastros, um bocado para o degradado, a navegar muito ao largo da ilha do Ibo, em pleno mar alto no sentido sul, que vinha de Zanzibar, barco já conhecido da minha “tripulação” que, segundo me informaram, era um transporte misto de passageiros e carga que fazia este trajeto mensalmente (se possível), para a Beira. Um fato histórico é que, na zona das águas do Índico, na costa Oriental de África, antes dos portugueses chegarem, já por lá andavam outros povos e toda a costa Suaíli tinha "dhows" a navegar há séculos, barcos esses que eram impulsionados por velas iguais às que eu estava a ver e que eram de origem árabe.

Em 1992, quando fiz uma missão de quatro anos como consultor da Cooperação Técnica Alemã (GTZ) no Maputo, durante duas semanas em 1993 - 12 dias de paragem do projeto para negociações "diplomáticas" entre a Embaixada da RFA e o Governo Moçambicano - fui para Pemba (ex-Porto Amélia) e aluguei um “dhow” particular, por intermédio do Clube Naval do Maputo e de alguém, de quem não me lembro do nome, do Clube Naval de Pemba, "dhow" esse parecido com o da fotografia acima (ligeiramente maior - 11m - e com um toldo central em lona impermeabilizada para protecção contra o sol e chuva) - uma lona  que funcionou também como “tenda” nas noites em que dormimos na praia em ilhotas desertas, pois o "cacimbo era mato". Estava bem equipado com arcas/banco onde se podia guardar tudo, além de uma caixa estanque para equipamento mais sensível. Tinha incorporado na estrutura, uma consola onde se encontrava uma bússola (que funcionava) e uma sonda numérica (que deixou de funcionar logo no primeiro dia). Também não fez falta pois toda a navegação foi feita a "olhómetro" pelo mestre Vicente - conhecenças e experiência! Tinha um pormenor interessante. A cana do leme do barco era feita de pau-preto esculpido em arte Maconde que contava uma história (ao estilo ”Ujamaa" - histórias de família) na qual só me lembro que  entrava um pescador, uma tartaruga e uma baleia e outras personagens de que já não me lembro. Tudo isto á volta da cana do leme que tinha para aí 1,5/2 m e estava esculpida quase na totalidade. Uma obra de arte que não me importava de ter.

Um pormenor interessante, foi que nunca cheguei a saber se este bote/"dhow" estava registado em Moçambique ou se era da Tanzânia, pois era práticamente novo e aparentemente não estava matriculado em nenhum porto de Moçambique ou, pelo menos, não tinha nenhuma placa de matrícula nem nome, como os outros. O dono, comerciante indiano ou mais provavelmente paquistanês, embora falasse algum português, falava muito melhor inglês e "suaíli" e quando lhe fiz esta pergunta, deixou de falar português e Inglês. Só "suaíli". A única coisa que fiquei a saber é que tinha comprado o barco há pouco tempo para comerciar nas ilhas, mas que ainda não tinha começado. Mais tarde, ainda em Moçambique, levantou-se um "milando" (confusão) em Porto Amélia pois havia uma saída ilegal de conchas e búzios para o estrangeiro e desconfiava-se de um comerciante indiano que fomentava esse negócio. A apanha de conchas e búzios já era proibida em Moçambique sem autorizações. Seria este nosso amigo? Acabei também por não saber. Mas é mesmo só um pormenor, que não me levantou nenhuns problemas, até porque o Moçambique de 1993 era assim, bastante Far-West, ainda por cima em Cabo Delgado, longe de tudo e de todos. "No problem".

 A minha tripulação eram dois marinheiros (o Mestre Vicente que era natural de "Quissanga" e vivia em "Arimba" a Norte de Pemba, e um ajudante de quem não me lembra o nome), e um cão, do mestre Vicente, um rafeiro bastante vivo e esperto que,  de “carnívoro” tinha passado a ser "peixivoro".

Comprei na Capitania do Porto do Maputo a carta náutica da zona do arquipélago, validei para Moçambique,  a minha carta de Patrão de Costa (que em Pemba ninguém me pediu) e parti à aventura. Durante 10 dias e 130 milhas náuticas, armei-me em navegador do século XVI e fiz o périplo das Quirimbas, de "Pemba –Tambuzi – Pemba", na zona que podemos chamar "Quirimbas Sul" e que está destacada no mapa apresentado

Uma viagem inesquecível da qual só guardo as memórias (enquanto consigo) pois lamentavelmente, a cobertura fotográfica que fiz durante esse período, desapareceu toda, entre muitas outras coisas, num assalto à minha casa na Beira, no quarto e último ano da missão.

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Mapa do périplo nas "Quirimbas Sul", em Cabo Delgado, província que recebeu o nome do promontório mais a norte de Moçambique - Cabo Delgado

 

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Mar das “Quirimbas”

No sentido de cima para baixo, no mar:

Ilha do “Ibo”, Ilha da “Quirimba”. As restantes manchas escuras são recifes de coral ou pequenas ilhotas

No sentido de cima para baixo, na costa:

Povoação da “Quissanga”, onde nasceu Mestre Vicente e no último cabo em baixo, “Arimba” onde ele vivia

A navegação nos canais entre ilhas e recifes e a costa é especialmente perigosa (para quem não conheça e também para os peritos), na altura das mudanças de maré pois estabelecem-se correntes que ganham alguma velocidade e quem não sabe é apanhado desprevenido e quem sabe, se arriscar…

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“Quissanga” 

Um porto de pesca cujo “Mercado do Peixe” diário (o ponto azul no porto), é bastante concorrido por compradores de Cabo Delgado e estava normalmente bem abastecido (de peixe e de moscas). O acesso ao porto faz-se vindo do Norte. O Norte é em cima!

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“Arimba”

Também uma povoação de pescadores mas com menos população em relação a “Quissanga” que tem melhores condições comerciais...

... o que leva o mestre Vicente a viver em “Arimba” mas a ter o seu meio de subsistência em “Quissanga” – um bote à vela, tipo “dhow” com uma vela que precisava urgentemente de ser substituída (parecia uma manta de retalhos feita de sacos de farinha com várias marcas, que deviam ter sido brancos e já com alguns rasgões e manchas - uma desgraça de vela) por uma outra que ele iria comprar quando acabasse esta viagem. Com o dinheiro que ia ganhar no frete! O “dhow” em que estávamos a fazer o périplo era de um indiano que o contratava como “skipper”. O Vicente, ao contrário do ajudante, não vivia muito mal. Dizia-se muçulmano (não praticante pois,em 10 dias X 24 horas, nunca o vi a rezar) e tinha duas mulheres, como muitos, e uma catrefada de filhos. Já tinha uma certa idade. Uma 1ª mulher em “Arimba” (velhota) e outra em “Quissanga” (jovem). Lá, não tinha só o bote! Estive nas duas casas dele.  Não sei quanto recebia do patrão mas sei que o “saguate” que recebeu chegou e sobrou para comprar a vela, que não era de “Kevlar”, claro! Um velhote simpático, competente e bom falante de português.  E contador de histórias. Um bom parceiro!

Nesta viagem, que foi feita em Junho/Julho, fora da época das (más) monções do Índico, apanhámos um tempo magnífico, sem muito calor e com ventos frescos que deram para navegar à vela com muita facilidade. Em termos das condições para a navegação, estavamos em plena "Monção do Sudoeste" que nesta costa corresponde aos meses de Maio a Agosto, em que os ventos são frescos, predominantes dos quadrantes de Oeste a Sudeste, com um vento a soprar de terra (Oeste) de madrugada, que nos empurrava fácilmente para o largo, o que nos obrigava a tomar o banho matinal no mar, aí pelas 04:30/05:00 já que invariavelmente esse era o melhor despertar, e depois zarpar para aproveitamento desses ventos que nos colocavam rápidamente em águas profundas. Aliás, esta era a monção que os navios da "Carreira da Índia" procuravam aproveitar quando da viagem de Lisboa para os portos da Índia. A outra monção, a "Monção do Noroeste"  que decorre de Outubro a Março tem ventos predominantes do quadrante Norte a Nordeste, sendo este último o mais frequente e portanto "empurra" para o Sul (o retorno das Naus da Índia!) sendo que no mês de Novembro fixa-se no Norte. É no final desta monção que surgem frequentemente tufões (conhecidos localmente por "muanalocaias") que provocam graves prejuízos nas povoações, agricultura e navegação, de que todos os anos tomamos conhecimento pelos meios de comunicação. Tudo isto, que eu mais tarde confirmei técnicamente junto ao pessoal do clube naval e que agora reconfirmei, foi-me explicado, noutra linguagem mas em português, pelo mestre Vicente que o aprendeu empíricamente no seu dia-a-dia ou melhor, ano-a-ano do seu trabalho. E que o sofreu na pele!

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Rosa dos Ventos desenhada num Portulano de Jorge de Aguiar em 1492 e reproduzido por mim, na minha coleção de Rosas de Ventos dos Portulanos/Cartas de Navegação Portuguesas.

Fiz de tudo. Piloto, timoneiro, pescador, cozinheiro, comandante, turista, etc. e fui bem auxiliado pelos dois marinheiros, ambos pescadores de “Arimba”, logo a norte de Pemba, que conheciam o mar e as rotas profundamente pois, além de esporadicamente fazerem viagens destas com outros turistas, estavam na sua zona de pesca.

Quando era "mufana" devorei os livros de Hans Hass sobre o mundo submarino e quando fui para Lourenço Marques como militar em 1962, fiz-me sócio do Clube Marítimo de Desportos e do Clube Naval e pratiquei Caça Submarina na Inhaca e na Ilha dos Portugueses tendo ido ao arquipélago do Bazaruto (via marítima num barco do Clube Naval) num fim de semana alargado onde fizemos (digo no pural pois fazia parte de um grupo que praticava este desporto em conjunto), grandes caçadas. Mas o que mais me ficou na memória foi a paisagem submarina da barreira de coral da Inhaca (dizem que é a barreira mais setentrional do mundo) com as formas bizarras e coloridas dos corais e a miríade de pequenos peixes (e grandes), paisagem essa que nos fazia esquecer de tudo. Era o  "Aquário de Deus I" o título de um livro de Hans Hass que, a par do "Entre Corais e Tubarões" mais me entusiasmaram com a idade de 16/17 anos e me marcaram para o resto da vida atraindo-me irresistivelmente para as coisas ligadas ao mar.

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Na viagem às "Quirimbas", ao descobrir que o dono do "dhow" tinha equipamento de caça submarina que podia dispensar, não me fiz rogado e levei comigo para a viagem, óculos, snorkel, barbatanas e uma pequena arma de elásticos, não para caçar para comer mas para sentir alguma segurança no mergulho numa zona onde existem tubarões e onde iria mergulhar sózinho. De qualquer forma, se fosse atacado, de pouco me serviria a arma a não ser para "picar" o tubarão.

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Ementa 1 - Cavala da Ìndia

Para comer, tinha dois pescadores a bordo que levaram aparelhos de mão de corrico e garantiam a apanha de peixe fresco - o que funcionou pois nunca faltou peixe que comi na quase totalidade dos dias, ao jantar - principalmente cavalas da índia que só faltava saltarem para dentro do barco.

Dois pormenores da viagem interessantes: o número de tartarugas (não sei de que espécie) que encontrámos a navegar ao nosso lado; foi enorme e quem as descobria na maior parte das vezes era o cão que ficava a olhar e a ladrar. O Vicente disse que isso era um hábito nele. O outro, foi o aparecimento de uma baleia, algures, aí pelo terceiro dia, que nos apanhou, acompanhou e ultrapassou em direção ao Norte, durante um bom bocado. Na altura não sabia de que tipo era. Hoje já sei: pelo comportamento. pela cor e pelo tamanho das barbatanas peitorais era uma "Baleia Azul" embora fosse mais pequena do que o normal pois devia ser um juvenil. Foi descoberta uma comunidade destas baleias, bem perto (relativamente) do ponto em que esta foi avistada, em 2021 no Arquipélago dos Chagos .

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Recife  de coral (tirado da internet)

Um Aquário de Deus

Não sei onde é, mas é parecido (este, para melhor) com o que eu via. Incluíndo a tartaruga!

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A baleia Azul 

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Arquipélago de Chagos a Sul do Sri Langa e a leste de Moçambique/Madagascar

Quando mergulhei pela primeira vez nas Quirimbas, num pequeno recife situado, se bem me lembro, em frente da povoação de Arimba ou por lá perto, ou noutro lado, deparou-se-me um espetáculo que só tinha visto nos recifes do Bazaruto (o segundo "Aquário de Deus") e da Inhaca. Centenas, se não milhares de peixes evoluiam em ballet síncrono para o meu deleite. Era o terceiro "Aquário de Deus" que eu conhecia. Valeu a pena mergulhar só por isto, pois durante toda a viagem, mergulhei sempre que era possível  e não disparei uma única vez a arma. Em termos de comida apanhada de mergulho, só lucrei uma lagosta(ão) que se pôs à minha frente e que, contrariado, tive de apanhar. À mão! Foi grelhada e deu para os três. O cão teve de voltar a comer peixe.

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Ementa 2 - Lagosta (ão)

Durante a viagem de mar, o pequeno almoço, por volta das cinco da manhã era chá e bolachas de água e sal, o almoço, enlatados e o jantar, peixe grelhado. E com requinte "gourmet" já que o sal usado era "flor do sal", apanhado nas poças de água das pedras!

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Ementa 3 - Feijoada de Búzios à moda do Ibo

Além do peixe, que me lembre, só no Ibo comi ao jantar uma "Feijoada de Búzios á Moda do Ibo" (búzios daqueles muita_gandes, que a gente põe ao ouvido para "ouvir" o mar, cozidos q.b. e fatiados - só a carne, camarões XXL - não tigre, também cozidos q.b.e fatiados e "feijão nhemba" que não sendo,  não é mais do que o vulgar feijão frade, tudo isto refogado à maneira com tudo a que tem direito) temperada com caril e açafrão, ou não estivessemos quase ao lado da Índia, que nunca tinha provado e é muito boa bem como também, no almoço do dia seguinte, um "Frango à Cafreal"  (cafreal do Ibo) que foi assado depois de ter marinado toda a noite em água de coco com rodelas de limão e laranja e esfregado na altura de assar, com uma mistura de sal, alho, leite de coco e pó de caril/açafrão, (que aparentemente os dois últimos, são usados em tudo). O frango foi acompanhado com batata doce frita, às rodelas. Uma delícia! Só a cerveja é que falhou pois a "geleira" estava a funcionar mal. Esta receita de culinária Moçambicana é particular mas podem usar sem pagar direitos. Se usarem, depois digam qualquer coisa!

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Ementa 4 - Frango à Cafreal do Ibo

Reparo agora que, apesar da minha memória me pregar muitas partidas, nestas coisas de comer é uma máquina. Até voltei a saborear a feijoada e o churasco!

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Clube Naval de Pemba - Donde se vê o mar

Esta fotografia foi tirada da Internet e não é minha. As que eu tirei foram junto ao que me roubaram na Beira num assalto à minha casa, como já disse. E confesso que não me lembro nada deste “enquadramento" do Clube Naval embora só lá tenha estado duas vezes. Quando cheguei a Pemba e quando me vim embora. Também nesta aventura, escrevi um "Diário de Bordo" de toda a viagem. Teve o mesmo destino das fotografias. Por isso este post está a demorar a ser escrito pois tive de reconstituír as minhas lembranças só com base na minha memória que é de pouca ajuda. Já lá vão quase 30 anos!

Aprendi muito com o convívio com eles e principalmente, vivenciei uma experiência de “caravelejar” num barco, ancestral das “Caravelas” e num mar que foi palco de muitas viagens dos marinheiros de 500. Algumas que acabaram mal!

 Aviso à Navegação

Este "Diário de Bordo" ,escrito com base em memórias da minha vivência desta aventura, sem suporte físico, obrigou-me a "puxar pelas meninges", que já não são o que eram e por vezes  colapsam . Procurei ser o mais fiel possível aos acontecimentos que vivi ou, pelo menos aos que "penso" ter vivido, e transmiti-los fielmente. Nem tudo aqui está e o que está, temo que alguma coisa esteja menos fiel. Mas era isto ou nada! E é preferível ser isto!  Até porque penso que poucas pessoas viveram situações iguais ou parecidas.

Seria um lugar comum dizer que tenho saudades e penso  que talvez, se assim for, que serão saudades da "idade". Mas também penso que são mesmo saudades das pessoas. Quando comecei  a pensar sobre estes acontecimentos, ri-me para mim próprio com cenas e situações que recordei, principalmete passadas junto com os meus parceiros de viagem.

Foram eles, o Povo de Cabo Delgado que me mostraram, na simplicidade das coisas, que a vida é muito mais do que a dita "civilização" e que há mais felicidade num pequeno bote de pesca com uma vela feita de tudo menos de pano de vela, do que num luxuoso iate de um qualquer oligarca. Apesar de algumas contrariedades que senti, resultado dos meus (maus) hábitos de "civilizado", nalguns momentos, a partilha da felicidade das coisas simples e sem valor monetário foi quase uma constante. O peixe apanhado e partilhado por todos, os esforços comuns para apanhar a adriça da vela que se tinha partido e a chicotear com o vento, a queda à água do Vicente com o "arranque" de uma cavala da Índia combativa e até a excitação do cão quando avistava uma tartaruga adormecida a boiar na água. Valeu!

Já se passaram 39 anos depois destes factos - tinha eu 40 -  e, apesar de ter voltado a Moçambique em algumas missões de curta duração depois de 1966 -  data em que terminei  o projecto em que tudo isto está enquadrado -  nunca mais voltei às Querimbas por falta de oportunidade. Andei por lá perto!  Nampula, Nacala, Namialo, mas nada de Cabo Delgado. E hoje não voltaria lá, pois, segundo o que sei, a situação descambou, em todos os aspectos, e há um deserto de gente, quer na costa das Querimbas quer nas ilhas, que passaram a ser  "civilizadas".

Sem lamentações, gostaria de deixar aqui uma homenagem ao Povo de Cabo Delgado, em especial aos mais ligados à vida do mar que, perseguidos, injustiçados, estrangeiros na sua própria terra e por outro lado, roubados, torturados e assassinados, não deixaram de ser um povo tradicionalmente resistente e combativo.  Não sei se ainda feliz! As minhas homenagens!

Aos meus amigos, companheiros de viagem:

  • Para o Vicente (se ainda for vivo -  se não, que a terra lhe seja leve), um forte abraço e bons ventos. 
  • Para o "ajudante" espero que o teu sonho de ser pescador a bordo de um arrastão (era bom que não seja russo) se tenha concretizado. Boa sorte!
  • Para o cão,  uma costeleta T-Bone com meio kilo, para te compensar da dieta a peixe que foste obrigado a fazer e da minha falta de paciência para as tuas  tentativas de lambidelas constantes. Muitas tartarugas!

Bem hajam 

 

 

Caravelas  3

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"Barinel"- um navio redondo

Do Mediterrâneo ao Atlântico foi só um saltinho e surgiram na Península Ibérica estas embarcações, Caravelas do Mediterrâneo que, embora com vantagens sobre os navios de vela quadrangular que se usavam na Europa e em Portugal (os "Barinéis" e as “Barcas”), se revelaram pouco adaptadas aos mares do Atlântico que, comparados com os do Mediterrâneo é o mesmo que comparar uma cordilheira a uma planície.

Barca 1.JPG"Barca" - outro navio redondo

Museu de Marinha - Lisboa

Por volta do Século XII ou do XIII, foram adaptados para a pesca e cabotagem no Atlântico como Caravelas de um ou de dois mastros, com velas latinas e tripulações de cinco a seis homens. Essa adaptação possivelmente passou pelo altear da proa para aguentar melhor a vaga bem como da amurada e pela melhoria do aparelho fixo e de laborar, bem como de algumas manobras de navegação. E aqui sim, podemos começar a falar em “Caravela Portuguesa” como uma adaptação de um navio com caraterísticas vantajosas a uma realidade que era a da necessidade de construir um navio preparado para as curtas viagens no “Mar Atlântico” da altura.

 

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Caravela de 1 mastro

Museu de Marinha - Lisboa

Depois começou a saga dos Descobrimentos como a exploração ao longo da costa Ocidental de África que foi percorrida até ao Cabo Bojador em “Barcas”, dobrado por Gil Eanes em 1434, pondo fim à lenda do “Mar Tenebroso”.

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Caravela de 2 mastros

Imprensa Nacional – Casa da Moeda

 

A partir desta altura entra em cena um navio para descobrir, adaptado e melhorado, com base nas caravelas existentes pondo em evidência o saber técnico já acumulado tendo em conta toda a experiência obtida nas várias viagens de exploração já realizadas. É assim que nasce a “Caravela Portuguesa dos Descobrimentos” que foi evoluindo e incorporando os ensinamentos das viagens anteriores, não só de morfologia como também do traçado e das técnicas de construção, passando pela manobra do navio.

 

A Construção Naval em Portugal nos séculos XV e XVI

 

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Construção Naval – “Ribeira das Naus” – século XVI

 

Por volta de 1430-1440 aparece então um novo tipo de caravela, bem diferenciado da caravela “piscareza” do século XIII que ainda aparece representada no século XVI.

Esta nova caravela, a que podemos chamar “Caravela Latina Portuguesa dos Descobrimentos e Expansão” aparece, não por geração espontânea mas sim porque é o resultado das navegações de descobrir e explorar que, por experiência, conclui pela necessidade de haver um navio que:

  • Podesse navegar em águas pouco profundas ao longo das sinuosidades das costas;
  • Que conseguisse entrar e sair facilmente de enseadas e de fozes dos rios e também navegar ao longo desses mesmos rios;
  • Que podesse navegar com uma tripulação pequena o que permitia viagens mais demoradas e um mínimo de provisões.
  • Que com alguma facilidade podesse explorar novas rotas e descobrir novos caminhos contra ventos e correntes.

Não poderia haver um melhor navio do que o navio latino de tradição mediterrânica que melhor bolina e permite navegar aproveitando ventos contrários, já usado pelos Portugueses que o vinham a aperfeiçoar e ao qual dão uma nova feição.

Nos séculos XV e XVI os estaleiros portugueses principais – “Ribeira das Naus” em Lisboa e “Miragaia” no Porto – e outros mais pequenos ao longo da costa, já reuniam um importante “cabedal de conhecimentos” na área da construção naval encontrando-se bem preparados, para a época, nas áreas tecnológica e científica, sem dúvida tendo bebido na apurada tecnologia naval do Mediterrâneo já de longa data. No entanto, comparando o traçado dos navios italianos da época com os portugueses, conclui-se que em nada influenciaram sobre os tipos dos navios portugueses. (BARATA, “Arqueologia-II).

Também existiu influência dos países do Norte da Europa mas unicamente na morfologia dos navios de alto bordo e na introdução do aparelho redondo (ibidem)

Um exemplo desta supremacia técnica e científica pode ser referido com a construção de uma nau de 1.000 t mandada construir por D. João II, um feito extraordinário atendendo a que na época a maior tonelagem não ia além de 300 t (com 20,00m de quilha) e este navio tinha uma quilha de 31,50 m, um comprimento entre perpendiculares entre os topos da roda de proa e do cadaste de 50,00m e 15,50m de boca. (ibidem)

Pelo menos no que diz respeito à “tercena” (doca, estaleiro) da Ribeira das Naus em Lisboa existia um grupo de técnicos altamente habilitados, a Junta das Fábricas, que superentendia os trabalhos da “tercena” e da qual fazia parte, nos finais do sédulo XVI um “autentico arquiteto e engenheiro naval”, João Baptista LAVANHA, autor do precioso Livro Primeiro da Architectura Naval com magníficos desenhos técnicos e uma escrita clara. Só é pena estar incompleto.!

Livro-Lavanha.jpg

A “Caravela Latina Portuguesa dos Descobrimentos e Expansão” é o tipo de navio concebido para os descobrimentos e explorações nas condições em que eles decorriam, segundo a experiencia obtida com a “barca” e o “barinel” empregues antes de 1440 e sobre os quais existem referências mas praticamente nenhuns dados técnicos.

Embora o traçado, a morfologia e o modo de construção (com algumas destas partes ainda em discussão) sejam importantes, não cabe no âmbito deste post a sua abordagem pela sua complexidade técnica que se liga principalmente à terminologia, que obriga ao uso de termos de identificação das partes dos navios de difícil entendimento/localização dessas partes só entendível por iniciados no assunto.

Resta, para finalizar esta abordagem das caraterísticas das Caravelas falar sobre os tipos de caravelas existentes e sobre a manobra de "mudar de bordo" nas caravelas latinas.

Quanto aos tipos, vou seguir de perto o que é afirmado por Pimentel BARATA na obra já referida.

Tipos de Caravelas

« 1 – A caravela de um mastro latino

Veem-se em iluminuras de 1520-1525 e em gravuras de vistas de Lisboa do final do século (1539), amarradas ao longo dos cais, pequenas embarcações rasas, de comprido mastro aparentemente vertical e longa verga, as quais, como já dissemos, são, em nosso entender, caravelas de um mastro, pelas razões expostas no nº 4 do capítulo anterior. Seriam estas as pequenas caravelas de pesca e de pequena carga, de 20t a 25t, mencionadas num levantamento de vários portos nos meados do século XVI. E são para nós a primitiva caravela do século XIII, pois já fizemos notar que as embarcações de pequeno porte conservam mesmo durante séculos a mesma morfologia e proporções.

2 – A caravela de dois mastros latinos

É provável que a caravela de dois mastros latinos só tivesses aparecido pelo começo do século XV, quando parece que a caravela começa a adquirir maior importância, pois durante o século XIV não é mencionada nos documentos, pelo menos conhecidos até agora. De certeza, a caravela dos Descobrimentos era de dois mastros, dada a sua tonelagem, mas note-se que no século XVI havia grandes caravelas de dois mastros, de portes à volta das 100t, a avaliar pelas obras mortas representadas. Esta caravela de dois mastros ainda aparece representada no século XVII, o que dá a este tipo uma vida de duzentos anos. Ao descrever sumariamente a morfologia da caravela e o seu aparelho, já demos indicações sobre as características deste tipo.

3 – A caravela de três mastros latinos

Vê-se representada no primeiro quartel do século XVI, mas não se exclui que possa existir já pelo final do século XV. Alcança portes superiores a 100t, o que se deduz do número de mastros e do comprimento da quilha necessário para os implantar. Recorde-se que o mastro grande vai sempre a meio do comprimento da quilha e há que haver à ré dele espaço para os outros dois mastros e manobra das respectivas vergas. Esta caravela já tem dois andares no castelo de popa (tolda e chapitéu, este aberto), e em regra, tem uma pequena mareagem na proa. Acima de 70t a 80t, os pequenos navios podem ter uma a duas cobertas, de modo que estas caravelas de três mastros teriam estes números (v. caravela redonda a seguir)

Esta caravela ainda aparece representada uma ou outra vez pelo final do século XVI, mas, na verdade, desapareceu completamente por volta de 1530-1540, suplantada pela caravela redonda.

4 – A caravela de quatro mastros (caravela redonda)

É o tipo que aparece pelo 2º quartel do século XVI e resulta da implantação à proa dum mastro de parelho redondo, e daí a sua denominação. Assim, esta caravela distingue-se das doutro tipo, isto é, das caravelas latinas, porque leva sempre três mastros latinos e um redondo. Em algumas naus e galeões desde o começo do século XVI e até ao século XVIII há dois mastros latinos à popa, a mesena e o contra, e há dois mastros redondos, o grande e o do traquete. De modo que nunca há confusão com a caravela redonda.

Esta é a caravela que alcança o maior porte, 150 a 180 tonéis, já pelos meados do século XVI e é ainda mencionada em 1738, o que lhe dá dois séculos de vida. É a grande caravela de guerra e de comércio dos séculos XVI e XVII, com uma ou duas cobertas, dois sobrados no castelo de popa e um na proa.

5 – O caravelão

Trata-se de um tipo de caravela cujas características são mal conhecidas, o qual já é mencionado no começo do século XVI e veio a ser muito activo nos Açores e no Brasil. Documentos de 1535 mostram que tinham o aparelho das caravelas redondas e latinas. O sufixo aumentativo ão indicaria que se tratava de caravela de grande porte, mas, na verdade, houve caravelões de 40t e 50t, como consta de uma lista de 1591. O caravelão desempenhou muitas das funções das caravelas.»

João da Gama Pimentel Barata escreveu este texto para uma comunicação que apresentou em 1983. Após terem decorridos 39 anos, é provável que alguma coisa tenha mudado. Uma foi sobre o caravelão que, apesar do sufixo aumentativo, hoje é considerado uma pequena caravela.

 

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“Ribeira das Naus” – século XVI - Barcos em construção

 

Vamos parar por aqui e terminar no próximo post 67 com a apresentação da manobra de "mudar de bordo" nas caravelas latinas, bem como do “Modelo da Caravela de Três Mastros”.

 

(continua)

 

Bons Ventos e…

Uma Abraço

 

22.10.22

65 - Modelismo Naval 7.1.2 - Dois Barcos - Caravela Redonda ou de Armada


marearte

 

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(continuação)

 

 Caros Amigos

 

"Aqui me lembra, e quero o dizer, antes que me esqueça, que nunca me pareceo bem, fazer de carauella navio redondo, diga cad (sic) hum o que quiser, que tudo seraa afeyçoado: por que, mudando-se a forma da uela, cumpre mudar se a fabrica do fundo: a qual jaa então não pode ser mudada: nem o mestre pode fazer na sua estimativa os discursos aqui necessarios". sic

"E por tanto, as carauellas, e zabras das armadas, devem ter milhor liame, que as merchantes". sic

in: "Arte da Guerra do Mar", OLIVEIRA Fernando, 

(escrito c.1555)

Edições 70, Lisboa 2008

Caravelas 2

Apesar de todos os elogios traçados à "Caravela Redonda" por vários navegadores da época, o Padre Fernando Oliveira tece fortes críticas a este tipo de navio como produto híbrido entre um navio redondo e um latino que, não sendo nenhum deles, terá restrições no seu uso, dificuldades acrescidas na sua manobra e uma menor resistência. Na "Arte da Guerra no Mar", publicada em Coimbra no ano de 1555, tal está patente, conjungando o que ele diz nas duas citações acima (entre outras) sobre a adaptação de um navio latino a velas redondas.

E terá razão, atendendo a vários fatores dos quais, não é desprezível o fato de que as primeiras Caravelas de Armada, nasceram possivelmente, como foi dito no anterior Post, da transformação de "Caravelas de 3 mastros" já existentes, mudando o aparelho do traquete para redondo - o que poderia dificultar a manobra de "virar por davante" que consiste em passar o vento para o bordo oposto, pela proa do navio, manobra essa aconselhada em navios de pano latino que é maioritário nesta caravela. 

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Por outro lado, 2 velas redondas enfunadas no traquete - a vela do Traquete e a vela da Gávea do Traquete - e 1 no Gurupés - a vela da Cevadeira - que aconselham  a passagem do vento para o bordo oposto  pela linha de popa - "virar em roda" - manobra que apesar de tudo oferece pouco risco e nem exige grande coordenação ao contrário do virar por davante, torna difícil uma opção entre uma e outra manobra, possivelmente com privilégio para virar por davante, já que dois dos três mastros têm velas latinas.

No entanto, lendo melhor o que é dito pelo padre Fernando Oliveira, pode-se concluír que ele se refere a Caravelas Redondas adaptadas e não à "fabicada" de raíz. Nas adaptadas, haveria sem dúvida alguma mais um problema que era o da robustez das estruturas interna e externa da caravela que estavam sujeitas a maiores esforços, não só de navegação como também de "ação".

Como se viu, a Caravela Redonda foi-se adaptando e sofreu toda uma transformação em relação ao prototipo inicial - mais um mastro latino, que deve ter levado a um consequente aumento da quilha para assentamento de quatro mastros, a construção à proa de um castelo, possivel por já não haver uma verga latina no mastro da proa e possíveis reforços a nível dos conveses e do casco tendo em conta o armamento que passou a ser portadora e também o esforço acrescido.

Para a navegação com vento para a ré do través, a vela redonda é insubstituível e com vento pela  vante o mesmo se pode dizer das velas latinas. Uma combinação possivelmente não óptima mas boa! Tudo isto aconteceu nos finais do século XV. A avaliar pelo periodo  em que foram utilizadas como navios de guerra, hidrográficos e de transporte, até meados do século XVII, nomeadamente na Carreira da Índia, o seu uso foi de grande valia para os interesses portugueses. Existe notícia que, em Portugal em 1656, ainda existia uma força naval constituída por navios deste tipo.

Vamos então ver...

O Modelo da "Caravela Redonda"

...construído de raiz, no século XXI

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1- Modelo da "Caravela Redonda ou de Armada" com 8cm da roda de Proa à roda de Popa, vista por Estibordo

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2 - Vista pela Amura de Estibordo onde se pode identificar, da Proa para a Popa, o Gurupés e os mastros do Traquete, do Grande, da Mezena e da Contramezena.

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3 - Vista pela Proa onde se pode identificar a Vela da Cevadeira pendente do gurupés.

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4 - Vista pela Proa - O mastro do Traquete com as velas do Traquete (inferior) e da Gávea (superior)

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Naus e Caravelas Redondas na 4ª Armada da Índia de D. Vasco da Gama em 1502 - Livro de Lisuarte de Abreu

Da esquerda para a direita e de cima para baixo., contando com a nau perdida. Seis Caravelas de Armada: a 2ª, 4ª, 5ª, 8ª, 12ª e 14ª-

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5 – Vista geral da caravela, tirada pela amura de bombordo, onde aparecem pormenores do aparelho fixo e do de laborar

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6 – Vista da caravela pelo través por barlavento onde se podem ver os cabos de laborar caçados (tesados)

 

Toponímia da Caravela Redonda - 1

Aparelho Fixo, Aparelho de Laborar e Cesto da Gávea

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Aparelho fixo:

À proa, estai do Traquete e estai da Gávea do Traquete;

                                        À popa, estai da Contramezena;                                            

A bombordo e estibordo:

Enxárcia que sustenta para os bordos o mastro do Traquete;

Brandais (Ovéns) que sustentam para os bordos os mastros  do Grande, da Mezena e da Contramezena.

Aparelho de laborar: 

Das Vergas:

Orças no carro e Guardins na antena para cada um dos bordos

Das Velas:

Escotas para cada um dos bordos (com exceção da Vela da Contramezena que só tem  uma escota ligada ao botaló.

Cesto da Gávea:

Na junção do mastro real do Traquete com o mastaréu da Gávea do Traquete.

 

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7 – Na proa do barco pode ver-se o “beque”, uma espécie de varandim que funciona como plataforma de trabalho (a saliência que se projeta da proa para a frente) que por vezes é, erroneamente chamada de “esporão”. Embora a Caravela Redonda seja um navio de guerra e os navios de guerra (principalmente de remos) terem, por vezes, um “espigão” que se projetava da proa e que servia para abalroamento dos navios inimigos, esta Caravela, essencialmente de guerra, não tinha “esporão” pela simples razão de que a constituição morfológica do navio não o permite. O aparelho redondo exige, para reforço do aparelho fixo da estrutura dos mastros, a existência do “gurupés” à proa, que tem como principal finalidade fazer o fixe de toda a estrutura do arvoredo do navio, dando-lhe a solidez necessária. Seria absurdo que um navio destes tivesse “esporão” por isso ir pôr em causa toda a estrutura do navio, pois o mastro do “gurupés” seria o primeiro a ser afetado. Seria um tiro no próprio pé. O mesmo é válido para o dito “esporão” que aparece nos Galeões.

No mastro do Traquete pode-se notar, na altura da ligação do mastaréu da gávea com o mastro do traquete a existência de um “Cesto da Gávea”, que servia de posto de observação elevado abrangendo um maior horizonte para todos os lados, bem como a existência de “enxárcias” (cabos de sustentação vertical do mastro (“ovéns” – cabos – ligados entre si por “enfrechates” – degraus) que, além da sua função primária de sustentação do mastro também serviam para acesso ao aparelho vélico já que, a faina com aparelho redondo assim o obriga.

 

Toponímia da Caravela Redonda - 2

Mastros, Vergas e Velas

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As velas e vergas redondas que neste navio existem só no Traquete e no Gurupés tomam o nome, no Traquete, de baixo para cima: Verga e Vela do Traquete e Verga e Vela da Gávea do Traquete e no Gurupés, Verga e Vela da Cevadeira.

As velas e vergas latinas tomam o nome dos respetivos mastros onde envergam: Verga e Vela do Grande, Verga e Vela da Mezena e Verga e Vela da Contramezena.

 

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8 – Vista pela alheta de bombordo (neste caso barlavento, pois a configuração do aparelho indica que é desse bordo que sopra o vento) o que permite observar a mastreação latina da caravela (mastros e vergas), bem como os cabos que sustentam os mastros (aparelho fixo – “brandais”  / "ovéns)" - alguns navios têm os chamados "brandais volantes") e os cabos de manobra das velas (aparelho de manobra), as “orças”, os “guardins” e as “escotas” bem como a forma das vergas das velas latinas que, pelo seu grande tamanho, são normalmente compostas por duas peças unidas por sobreposição, tomando a metade superior a nome de “antena” e a inferior o de “carro”, sendo este último muito mais grosso que a “antena”, que lhe confere um peso maior, o que auxilia bastante o equilíbrio nas manobras de virar de bordo. Estes navios (caravelas no geral) navegam à “bolina”, o mais cingido possível ao vento (dependendo do rumo que tomam em relação ao vento), o que obriga a frequentes mudanças de bordo para manter determinado rumo, o que é feito colocando as vergas latinas na vertical (com a “antena” para cima) e, fazendo eixo no ponto de fixação da “verga” ao “mastro”, folgando o necessário para a manobra, o “carro” é passado de um bordo para o outro do navio, pele frente ou por detrás do mastro, consoante as vergas trabalhem por cima, ou por debaixo do ponto de fixação dos brandais no mastro. É um trabalho pesado (íssimo) para os marujos, não só porque é feito em pleno andamento com vento, como principalmente, porque é necessário ser efetuado amiúde numa viagem.

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9 - Vista pela popa onde se pode notar o “leme” e o “botaló”, (o pau que sobressai da popa) que serve para passar o aparelho da escota da vela da contra mezena

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10 – Outra vista pela popa

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11 – Vista pela alheta de estibordo, onde se pode observar o aparelho da “escota” da vela da contramezena bem como os “guardins”  ligados nas antenas das vergas das três velas latinas.

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12 – Normalmente, os cabos que sustentam as velas pelo punho (“escotas”) e os que manobram as vergas onde elas estão envergadas, vão mais caçados (tesados) do bordo de barlavento (de onde vem o vento) e mais folgados do lado de sotavento (para onde vai o vento), o que é visível com a escota da vela do Grande.

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13 – A primeira viagem. Um “diorama” que pretende representar o navio a navegar no mar.

Nota: Uma das regras (de museu) do modelismo naval é o da representação, em “stand” estático, dos modelos geométricos de barcos, sem velas envergadas ou, no máximo, envergadas mas ferradas. Um barco para ter as velas enfunadas deve ter de estar incorporado num diorama.É uma regra que eu confesso ter alguma dificuldade em cumprir.  Pode ser uma “chinesice”, mas aqui está!

 

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14 - Nesta vista de través do bordo de estibordo, dois ou três pormenores chamam a atenção. Um primeiro é o “cintado” destes navios que era bastante forte para poder aguentar  melhor bordadas de fogo e/ou abalroamentos por outros barcos. Tratava-se de uma “Nave de Guerra” e como tal era preparada para embates duros, mesmo em detrimento da elegância das Caravelas (os feitos de raíz).

Um outro pormenor é a capacidade de fogo que estava reunida numa Caravela de Armada. Em proporção ao tamanho do navio, o poder de fogo era elevado já que contava com 12 canhões médios a nível do convés principal (6 por bordo vendo-se aqui os seis de estibordo) e podia montar, nas amuradas  e nos castelos de proa e popa “falconetes” ou  outro tipo (canhões ligeiros) e na “tolda” (popa) podia ter mais dois canhões - muitas tinham - que defendiam à “ré” do navio.

Também sobressai a “mesa das enxárcias” do mastro do Traquete – uma por bordo – onde assentava a maioria do esforço exercido no mesmo pelo vento que era distribuído pelos “ovéns” de uma maneira repartida, bem como os degraus de uma escada para acesso ao navio no costado (nos dois bordos) que, pela sua pouca segurança, atesta a incomodidade da vida a bordo nesta época.

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15 – A “amura” de estibordo vista pelo “través”.

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16 – A amura de “estibordo” a ¾ da proa com o aparelho da vela de “cevadeira”, vendo-se "pendurada" na estrutura do “beque” uma das duas âncoras usualmente a bordo (onde, em princípio, num qualquer paiol do navio, existiriam mais armazenadas para substituição das perdidas, já que a perda de âncoras era um episódio bastante comum). O acesso à plataforma do “beque” quer para manobras com as âncoras quer para a faina normal de navegação, fazia-se por uma portinhola que ligava à “abita” do “castelo de proa” do navio ou,  por uma simples escada de corda que era largada do tombadilho do castelo de proa, para baixo, o que era o caso desta caravela.

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17 – O “aparelho fixo” específico do traquete composto por 5 “ovéns” que ligam ao topo do mastro, cada um fixo à “mesa das enxárcias” por duas “bigotas” unidas por “colhedores” que são ajustados através dos 3 orifícios das “bigotas" por uma cabo de tração com o nome de “tirador”. Os “ovéns” estão ligados entre si por “enfrechates”, neste caso em cabo, formando uma espécie de escada que, além de aumentar a resistência do conjunto, proporciona o acesso às duas velas, para manobra.

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18 – O “aparelho fixo” das velas latinas tem a mesma finalidade das “enxárcias” ou seja, aguentar para os bordos os mastros que suportam as vergas das velas latinas. No entanto, a função de facilitar o acesso ás velas latinas deixa de ser necessária pois toda a manobra é executada com base no convés.

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19 – O “Castelo de Popa” com "tolda"  onde se encontravam instalações - entre elas o alojamento do capitão -  cobertas com um "pavimento".

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20 – A “contramezena”

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21 – Depois desta grande viagem, tendo enfrentado piratas e corsários, sarracenos e gentios, tempestades e baixios, a “Caravela Redonda ou de Armada”, com o seu dever cumprido, passou a figurar em modelos, alguns em museus e outros nas mãos de quem necessariamente tem uma certa paixão pelas coisas do mar, pelas suas máquinas e pelas suas gentes. Apesar de tudo, este foi um bom tempo!

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22 – A nossa caravela tanto podia estar nos “mares do Índico” para proteção das “Armadas da Pimenta” de ataques dos “Sarracenos” como, talvez a pairar nos mares dos Açores entre as Flores e a Horta, a aguardar a vinda das “Naus da Carreira da Índia” carregadas de especiarias para as defender dos frequentes ataques dos corsários/piratas Ingleses e Franceses ou então, no mar do Norte de África entre o Estreito e a Ponta de Sagres em missão menos mercantil de proteção das populações da costa Portuguesa contra ataques de piratas Árabes.

 

Na sequência desta, irei publicar no próximo post a outra caravela que faz parte deste par - a "Caravela Latina de 3 mastros" que, na opinião de Francisco Contente Domingues, foi possívelmente a base onde a  "Caravela de Armada" foi "enxertada".

ERRATA

No Post anterior, o nº 64, escrevi que as "cubertas", nos barcos à vela de antigamente, ao contrário de na atualidade, eram contadas de baixo para cima e não de cima para baixo. É verdade a nível mundial que assim era. Só que em Portugal, já nessa altura, a contagem era feita do convés para a quilha, (de cima para baixo) como hoje se faz. As minhas desculpas por esta falha.

(continua)

 

Bons ventos e...

Um Abraço

 

20.10.22

64 - Modelismo Naval 7.1.1 - Dois Barcos - Caravela Redonda ou de Armada


marearte

 

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(início)

Caros amigos

Navios do Descobrimento

 

"Os nomes das especias, ou maneyras dos nauios, & barcos,

assy dhum genero, como do outro, são quasi incomprensiveys:

assy por serem muntos, como polla munta mudãça que fazem de tempo a tempo,

& de terra em terra." sic

in: "O Livro da Fábrica das Naus", escrito c.1580 pelo Padre Fernando Oliveira, segundo leitura de Henrique Lopes de Mendonça  (Ver) publicada em 1898.

"O Livro da Fábrica das Naus", OLIVEIRA, Fernando

Edição Academia de Marinha, Lisboa 1991, pág.76

 

Desde a "Barca" á "Pinaça" , passando pela(s) "Caravela(s)", pela "Nau", pela "Naveta", pelo "Galeão", pelo "Patacho" e pela "Fragata", tudo nomes portugueses de navios à vela usados na época dos Descobrimentos, alguns deles muito pouco conhecidos ou com leituras diferentes e controversas, classificações funcionais ou morfológicas contraditórias e ausência de fontes fidedignas (algumas fontes desenhadas e escritas provaram não ser corretas na sua totalidade, como no caso do "Livro de Traças de Carpintaria" de Manoel Fernandez em que algumas vezes os textos não estão condizentes com os desenhos que, também por sua vez, alguns deles estão errados) torna-se difícil para um leigo ficar com uma opinião abalizada sobre nomenclaturas de navios e conseguir ter uma ideia clara (embora necessariamente aproximada) dos "Navios dos Descobrimentos".

Quando me iniciei nestas lides do Modelismo Naval Geométrico e de Arsenal, procurei documentar-me o mais possível em fontes históricas e estabeleci um princípio que é o de nunca iniciar um modelo de "barco" sem fazer uma pesquisa, o mais possível exaustiva, das várias fontes. Uma decisão que a maior parte das vezes me causou mais confusão do que esclarecimento.

A citação do Padre Fernando Oliveira que aparece no início deste texto, se na altura (1580) era válida, mais o será nos dias de hoje, decorridos quase quatro séculos e meio em que muita água correu debaixo da ponte e a enxurrada arrastou muito lixo veio estabelecer uma maior confusão.

Assim, decidi que iria, nesta questão, guiar-me pela minha opinião formada com base em duas figuras do panorama mundial nestas coisas de História Marítima Portuguesa (e não só) - os professores Francisco Contente Domingos, da Universidade de Lisboa - Departamento de História  (Ver)  (infelizmente falecido em 2021) e Filipe Vieira de Castro, Professor do Departamento de Antropologia da Texas A&M University, USA desde 2012 até ao presente e Diretor do "J. Richard Steffy Ship Reconstruction Laboratory" de 2001 até ao presente   (Ver)  - e tenho colhido o máximo de ensinamentos nestas coisas dos Navios do Mar Oceano. Tanto um como o outro, embora de uma forma diferente, abordam a temática da História Marítima Portuguesa de uma forma entendível, na minha opinião fundamentada e que me agrada. O primeiro, com base na sua grande experiência académica na área, o segundo, sendo arqueólogo subaquático, junta também uma experiência com base académica mas alicerçada  num trabalho intenso e mundialmente diversificado de pesquisa nesta vertente. 

Naturalmente que a minha finalidade não é académica mas simplesmente lúdica, pois retiro da construção de modelos de barcos em madeira uma grande satisfação que contribui para a superação do dia-a-dia que, por razões pessoais e cada vez mais de clima mundial adverso, por vezes são difíceis de superar (sem pieguice).

Até hoje, dos vários modelos de barcos que construí, só duas únicas vezes abordei barcos portugueses da época dos Descobrimentos (embora tenha acumulado montes de informações) pois, estando nos meus planos fazê-lo, nunca se tinha proporcionado uma ocasião para isso. Foi agora!

Por razões da minha saúde encontro-me, com a minha mulher, na residência sénior "Casas da Cidade" em Lisboa (passe a publicidade) há três anos, vindo de Leiria onde vivia numa moradia com uma pequena oficina de modelismo naval que, lamentavelmente, não pude trazer comigo.

Ao fim de dois anos consegui, com a boa vontade dos dirigentes da residência, um espaço no meu apartamento onde montei uma pequena oficina que tem estado “em fabricos” e resolvi deixar uma recordação que demonstre o meu agradecimento ao pessoal das "Casas da Cidade" que, compreendendo a minha necessidade de um espaço, mo proporcionaram. E esse agradecimento passa pela construção e oferta de 3 modelos de barcos, sendo dois de "Navios dos Descobrimentos" e o terceiro de outro país que a seu tempo indicarei.

Da totalidade dos 8 navios indicado no início deste Post escolhi duas Caravelas para começar pois, apesar de toda a falta de informação que ainda existe sobre este tipo de navio ainda é o que mais à vontade tinha para começar, escolha essa que recaíu numa "Caravela Redonda ou de Armada" e numa "Caravela Latina de Três Mastros" do Séc. XVI".

 

"Caravela Redonda ou de Armada"

Caravelas 1

Até hoje, o tema "Caravelas" e principalmente "Caravela Portuguesa" rodeia-se de alguma controvérsia, principalmente no meio académico ligado a estas coisas, quanto à  definição, origem, morfologia, armação e modo de navegação das Caravelas. Sabem-se umas coisas, existem protótipos navegáveis mas ao certo... não se sabe muito e as dúvidas persistem. As fontes não são muitas e a maioria delas são fontes iconográficas e textuais tais como compêndios e regimentos gerais bem como regimentos para a construção de dois tipos de caravela: a Caravela Redonda e a Caravela Antiga Meã. A Caravela Redonda é um dos navios mais importantes do século XVI.

A palavra "Caravela" encontra-se pela primeira vez na documentação portuguesa em 1255 em menção no foral de Vila Nova de Gaia. No entanto, as primeiras caravelas de que há notícia, apareceram na Itália como embarcações auxiliares de navios de grande porte em 1159. O termo grafado no Foral de Vila Nova de Gaia desaparece logo de seguida da documentação portuguesa no século XIV e só  volta a aparecer, pela pena do cronista Luís de Cadamosto, em meados do Século XV, sob a forma de um "navio latino de cerca de 50 tonéis de arqueação, 20 a 25 tripulantes e velas latinas" É referido o pormenor de terem olhos pintados de cada lado da proa, conforme tradição mediterrânica. Este tipo de caravelas, de pequeno porte, com um, dois, ou três mastros, armando velas latinas e também com remos, parece ter subsistido por mais de um século.

Lisbon_-_Lisbonne_-_Lisboa_1572.pngPanorama do Porto de Lisboa (Tejo) no século XVI, onde estão representados vários tipos de navios que se conseguem identificar:  um Galeão no centro da pintura que tem à sua esquerda, em primeiro plano duas Naus e, um pouco mais atrás destas, figuram duas Caravelas Redondas, tendo por detrás mais uma Nau que tem à sua esquerda uma Caravela de dois mastros. À direita do Galeão está uma Caravela de dois mastros, possivelmente uma Nau que se encontra em fabricos, a que se segue uma outra Caravela de dois mastros. Num plano mais afastado veem-se três Caravelas de um mastro (possivelmente de pesca) que enquadram uma outra Nau possivelmente também em fabricos. Por toda a pintura encontram-se espalhadas uma série de Caravelas de um mastro possivelmente dedicadas  algumas à pesca e também outras ao transporte fluvial de passageiros e cargas.

 

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Capa da publicação das "Tábuas dos Roteiros da Índia" de D. João de Castro - Governador do “Estado da Índia” entre 1545 e 1548. Na parte inferior desta capa, ao centro, está reproduzida uma "Caravela Redonda" ou "Caravela de Armada" desenho esse fidedigno já que foi feito, “in loco”, pelo próprio D. João de Castro. Os restantes navios desenhados são, do lado esquerdo, duas "naus", no centro, um "galeão" e as restantes 3 são "Fustas" de guerra, navios de remo com vela latina auxiliar.

Existe dificuldade de se conseguir obter informação fidedigna sobre a morfologia das caravelas, nada havendo sem ser a que consta nas fontes iconográficas e não tem aparecido até hoje, que se saiba, qualquer vestígio de naufrágio recuperável de uma caravela. (A) Afortunadamente vão aparecendo documentos técnicos da época – fontes escritas e desenhadas – que fornecem indicações que permitem uma melhor aproximação à morfologia das caravelas.

 

(Nota A) – Em 1 de Abril de 2008, na Área de Mineração 1 (MA1) da “De Beers”, na costa da Namíbia, a cerca de trinta km a norte do rio Orange no extremo sudoeste do País e a dez km, também a norte, da vila de Oranjemund, durante a prospeção realizada na “ensecada” U-60, (uma forma de exploração mineira a “céu aberto” para detetar diamantes, em que é rebaixada a zona da praia até ao substrato rochoso e defendendo-a do mar com um “muro” construído de areia) apareceram “dois tubos de bronze muito danificados, pouco depois identificados como canhões de retro carga e muitos outros vestígios, entre os quais se destacavam lingotes hemisféricos de cobre, presas de elefante, restos de madeira e moedas de ouro, que permitiam presumir provirem de um navio antigo naufragado”- in: “O navio português do século XVI de Oranjemund, Namíbia” Relatório das missões de 2008 e 2009, ALVES, Francisco J. S.

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Localização (marcador Vermelho) da vila de “Oranjemund” na costa da Namíbia onde se situa a MA1

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Zona da MA1, na costa da Namíbia, com as várias “ensecadas” de exploração de diamantes onde apareceram, em 2008, os restos do naufrágio da nau portuguesa. A zona das “ensecadas” é a que se encontra revolvida desde a estrada que corre paralela à linha de costa e essa mesma linha de costa. O terreno que foi conquistado ao mar é defendido por um aterro construído com a areia extraída das “ensecadas” que chegam a ter entre 7 e 10 m de profundidade e conservado o mais seco possível com o uso de potentes motobombas que trabalham sem parar. Mesmo assim, veem-se zonas onde o escoamento da água é mais difícil. Esta é uma paisagem que se estende igualmente entre a foz do rio “Orange” até quase a fronteira com Angola. Toda esta zona é de alta segurança, de circulação restrita e fortemente controlada, principalmente nas saídas. Volta e meio, com um dos grandes temporais do Atlântico Sul, vai tudo, literalmente “por água abaixo”. Mas os diamantes dão muito dinheiro.

Logo a seguir a esta descoberta, especulou-se na imprensa mundial, com base na escassa informação ainda existente na altura, sobre o tipo de navio encontrado, tendo sido aventada a hipótese de se tratar da caravela de Bartolomeu Dias que desapareceu muito possivelmente naquela costa, quando fazia a viagem do Brasil para a Índia depois do “achamento”, integrada na armada de Pedro Álvares Cabral. Seria o primeiro sítio arqueológico onde se poderia “contatar” com uma caravela. Mas um “Português”, moeda de 10 cruzados em ouro que fazia parte do espólio, veio repor a verdade pois tal moeda encontrada no naufrágio, só se encontra documentado a partir de Outubro de 1525, donde não podia ser o navio de Bartolomeu Dias.

 

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Português” de Ouro – D. João III

 

A tese de ser uma caravela também caiu por terra quando foram analisados as peças do naufrágio que indicam ter sido de uma “nau”. Atualmente, através de aplicações informáticas específicas, é possível reconstituir a morfologia dos navios naufragados mesmo com poucas peças do mesmo e determinar o seu tipo, porte e pormenores da estrutura entre outras coisas. É aqui que entra o Modelismo Naval, na construção de um Modelo Geométrico do navio conforme o desenho digital, o que possibilita o estudo do navio e também alguns ensaios e posteriormente  um Modelo de Arsenal que possibilita a demonstração das soluções técnicas de construção usadas comparando, quando desconhecidas, com as atuais. 

Subsiste a dúvida se o navio ia ou vinha da Índia em virtude de parte da carga ser típica das naus que iam (lingotes de cobre que serviam para o pagamento da pimenta) e, por outro lado, dentes de elefante que normalmente vinham de África ou seja, em viagens de retorno. Se ia ou se vinha, em nenhum dos casos passaria junto á costa por alturas da atual ponto do sítio do naufrágio na Namíbia como se pode ver pela carta abaixo onde se encontram traçados os diferentes itinerários médios dos navios portugueses da “Carreira da Índia” que, na rota de ida iam das costas do Brasil em direção á passagem para o ìndico ao sul do Cabo da Boa Esperança e na rota de retorno após dobrarem o Cabo da Boa Esperança aproavam a NO até alturas de Cabo Verde entrando na Circulação do Atlântico Norte que os levavam na “Volta do Mar” em direção aos Açores (N) e depois para Lisboa (E). Tendo naufragado numa destas viagens no Atlântico Sul possivelmente numa tempestade frequente na zona Sul do Atlântico, podem ter sido arrastados até à costa Oeste de África.

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Carreira da Índia – Ida e Retorno

 Fim da (Nota A)

 

Assim, existem 4 “regimentos” (uma espécie de memória descritiva) já transcritos e disponibilizados, bem como dois desenhos de c.1616 publicados no “Livro de Traças de Carpintaria” a saber:

Nota: A transcrição para português atual é feita pelo autor deste blogue portanto, não obedece às regras oficiais da transcrição de documentos.

1 – “Medidas para fazer uma Caravela de cento e cinquenta toneis até cento e oitenta, e os paus que leva de Sobro e Pinho”;

Trata-se de uma Caravela de 12 rumos. (B)

(Nota B) Rumo – Medida linear usada na antiga construção naval equivalente a 6 palmos de goa, (cada palmo de goa mede 24,5 cm X 6 = 1,47m, cerca de 1,5m), o equivalente aproximado a 18m de comprimento de quilha medida de roda a roda. Ao comprimento total da caravela, acresce o comprimento da roda de proa e do cadaste (popa).

Existem outros valores para as equivalências entre medidas antigas e atuais que também são válidos. Estes foram os que eu adotei, de vez, a fim de manter uma normalidade nos modelos.

Fim da (Nota B)

Neste regimento aparece também informação sobre os mastros, vergas e velas do navio, podendo-se concluir por estas indicações, ser uma “Caravela Redonda”

Este regimento indica o número de peças necessárias para cada tipo de componente do navio bem como o seu tamanho e o tipo de madeira.

Este regimento encontra-se no Livro Náutico, BNL – Reservados, Cod. 2257, fls. 36-40v.

2 – “Regimento para uma Caravela de doze rumos”;

Um curto regimento mas muito complicado de entender. Exige bastante de quem se proponha usá-lo e não sei se funciona. Parece mais uma série de notas avulsas. Nem sequer tentei “desenhá-lo” tendo ficado para outra ocasião.

Este regimento encontra-se no Livro de Traças de Carpintaria, BA – Cod. 52-XIV-21, fls. 24-24v.

3 – “Conta e medida para uma Caravela de onze rumos de esquadria a esquadria”;

A exemplo do anterior, também complicado mas este entendível e possível de ser descodificado com tempo e paciência.

Este regimento encontra-se no Livro de Traças de Carpintaria, BA – Cod. 52-XIV-21, fls. 16-16v.

4 – Medidas das Caravelas antigas meãs;

Numa primeira leitura parece ser de uma Caravela Redonda que pode ser descodificado se for feita uma leitura atenta e “desenhada”. Parece interessante.

Este regimento encontra-se no Livro Náutico, BNL – Reservados, Cod. 2257, fls. 41-42v.

 

As fontes desenhadas (desenho técnico, da época)) específicas de caravelas são as que se encontram no “Livro de Traças de Carpintaria” a saber:

1 – Quilha, rodas de Proa e Popa, Caverna Mestra e Almogamas de uma Caravela  Redonda ou de Armada;

1 fl107.jpg

"Livro de Traças de Carpintaria" de Manoel Fernandez -  1; Fl.107

Quilha, rodas de Proa e Popa, Caverna Mestra e Almogamas de uma Caravela  Redonda ou de Armada: trata-se do primeiro desenho (quase) técnico conhecido ,relativo a qualquer tipo de caravela

Legendas das figuras

  • Este é o modelo da Caravela armada com quilha e roda;
  • Este é o modelo por onde se tira a caverna mestra;
  • Este é o modelo da caverna mestra;
  • Este é o modelo da “almogama*” de popa digo que a “almogama” de proa;
  • Este é o modelo da “almogama” de popa.

*almogama – Última caverna do navio que, por causa do boleamento da proa/popa, tem os paus mais unidos

 

2 – Primeira e Segunda cobertas, Leme e Casco de uma Caravela;

2 fl 107e 108.jpg

"Livro de Traças de Carpintaria" de Manoel Fernandez -  2; FLs. 107v e 108

1ª e 2ª Cobertas, Leme e Casco de uma Caravela

Legendas das Figuras

  • Este é o modelo da Caravela acabada como por esta traça s mostra;
  • Este é o “petipé*” da medida desta caravela – Petipé de 25 palmos;
  • Este é o modelo do leme desta Caravela;
  • Este é o modelo da segunda coberta (C) desta Caravela com todas suas larguras e medidas como se verá no regimento;
  • Este é o modelo da primeira coberta.

*Petipé – do Francês “Petit Pas” (pequeno passo) hoje, um passo de “ ballet”, que equivalia na altura, a uma escala gráfica pois era disso que se tratava.

(Nota C) - Nos navios de vela antigos, ao contrário de nos atuais, a ordem das cobertas era contada da quilha para o convés. Asim, a segunda coberta é a de cima.

 

 

Os várias tipos de caravelas que existiram podem ser agrupados, entre outras formas, quanto ao número de mastros:

 

Caravela de 1 mastrousada com diferentes funções entre a pesca e o transporte de passageiros e carga fluviais e em navegação de cabotagem (pequenas distâncias na costa); normalmente de “boca aberta” ou com um pequeno abrigo à popa; algumas com remos auxiliares.

Caravela 1 mastro.jpg

Caravela de 1 mastro

 

Caravela de 2 mastros usada ao longo dos tempos já no início dos Descobrimentos, a partir de c.1440, após e a par com a “Barca”.

Caravela 2 mastros.jpg

Caravela de 2 mastros        

Barca.jpgBarca

Nota: O navio em que Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador na costa de África em 1434 era uma “Barca”, que tinham aparelho redondo. Segundo o comandante Gago Coutinho que se debruçou sobre o assunto, este fato levou a que Gil Eanes, para regressar a Portugal tivesse de usar a “Volta do Mar” que passava pelos Açores, já descoberto nessa data, "Volta do Mar" essa que os navios da “Carreira da Índia” usaram durante a sua existência.

VoltaDoMar.jpg

Volta do Mar” – A viagem de Gil Eanes segundo o comandante Gago Coutinho

A caravela latina de dois mastros foi o principal navio dos Descobrimentos durante a segunda metade do século XV.

 

Caravela de 3 mastrosSegundo Pimentel Barata, existem probabilidades da caravela latina de 3 mastros ter aparecido pelos finais do século XV, embora só exista documentação do seu aparecimento datada do primeiro quartel do século XVI. Esta caravela teria dois pavimentos à popa, tolda e chapitéu aberto à ré e uma mareagem de grades à proa. Mais do que isso seria impossível por causa da manobra da verga.

Caravela 3 mastros.jpg

Caravela de 3 mastros

Também segundo Pimentel Barata, esta caravela teria uma tonelagem de 100 tonéis, o que é perfeitamente aceitável dado o comprimento da quilha que é necessário para implantar três mastros.

 

Caravela de 4 mastros (redonda ou de armada) - A caravela redonda ou de armada sucedeu à caravela de 3 mastros pelo segundo quartel do século XVI substituindo-a gradualmente, segundo também Pimentel Barata. No entanto, Francisco Contente Domingues julga ser provável que a caravela redonda tenha aparecido mais cedo, possivelmente já integrando a armada da viagem de Pedro Álvares Cabral.

caravela 4 mastros.jpg

Caravela de 4 mastros ou Redonda

A armada de Cabral integrava três ou quatro navios do tipo caravela. Podem ter sido do tipo redondo por duas ordens de razões: a caravela latina de dois mastros tinha provado ser frágil como navio transoceânico e, além disso, a rota para a Índia já era conhecida, com a consequente possibilidade do aproveitamento de ventos constantes pela popa.

Assim as caravelas da armada de Pedro Álvares Cabral podem muito bem ter sido caravelas de três mastros (pondo de lado as de dois mastros), mas com pano redondo no traquete, como se usava ocasionalmente na navegação no mediterrâneo e faz todo o sentido que tal tenha sido decidido logo desde o início nesta viagem.

Esta mudança, se existiu, teria permitido a rápida transformação da mareagem de grades existente à proa para um pequeno castelo de proa com um pavimento coberto e o fecho do chapitéu aumentando a tonelagem, e com o tempo, levado ao acrescentamento de um quarto mastro latino, aparecendo consequentemente a caravela redonda tal como aparece nos textos técnicos.

As caravelas redondas tiveram uma utilização ótima nas armadas na Índia, e nas de guarda-costeira no estreito de Gibraltar, nas ilhas e no Norte de África.

Quando D. Manuel decide enviar navios para os Açores a fim de proteger as naus da Índia de atos de pirataria ingleses e franceses, ou quando forma a armada do Estreito, seguramente que os navios eram caravelas redondas ou de armada, com porte suficiente para a ação militar naval.

A dimensão e a forma do casco tornam esta caravela incapaz como cargueiro para viagens de longa distância. Em contrapartida, o aparelho e as qualidades marinheiras adequavam-se a missões navais. Tanto nas situações referidas como nas viagens para o Oriente, como elemento principal de combate ou no apoio aos navios de maior porte, a caravela redonda ou de armada foi verdadeiramente o primeiro navio criado para a guerra de alto-mar, muito provavelmente logo desde a viagem de Pedro Álvares Cabral.”

Fonte: “Os Navios do Mar Oceano – Teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII”, DOMINGUES, Francisco Contente, Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa Maio de 2004

As informações para este Post vieram essencialmente do livro acima referido bem como das obras referidas no texto.

 

É este o navio do qual se apresentará um mini modelo, montado em diorama (simples), no próximo post 65 deste blogue.

 

Bons ventos e...

Um Abraço

 

 (continua)

 

 

 

 

 

 

10.10.22

63 - Modelismo Naval 6.2.6.2 - Baleação - Uma mini-história


marearte

ib-04.1.jpg

(continuação) do Post 62

Caros amigos

 

Linha de Tempo da Baleação Americana

 

2.3 - As treze colónias Inglesas na América do Norte             1607 - 1732

Map_of_territorial_growth_1775.svg.png

As  Treze Colónias, também conhecidas como Treze Colónias Britânicas ou Treze Colónias Americanas eram um grupo de colónias britânicas na costa atlântica da América do Norte, fundadas nos séculos XVII e XVIII, que declararam a sua independência em 1776 formando os Estados Unidos da América.

As Treze Colónias tinham sistemas políticos, constitucionais e legais muito semelhantes e a maior parte de população falava a língua inglesa e faziam parte da igreja protestante. Elas faziam parte da América Britânica, possessões britânicas "Novo Mundo", que também incluía colónias no Canadá, Flórida e Caribe.

A população colonial de origem europeia cresceu de cerca de 2000 para 2,4 milhões entre 1625 e 1775, deslocando os índios americanos para o interior. Essa população incluía pessoas sujeitas a um sistema de escravidão que era legal em todas as colónias antes da Guerra Revolucionária Americana- No século XVIII, o governo britânico geriu as suas colónias sob uma política de mercantilismo, na qual o governo central administrava os  bens das colónias para benefício próprio.

As Treze Colónias tinham um alto grau de autogoverno e eleições locais ativas, e resistiram às exigências de Londres por mais controlo. A Guerra Franco-Indígena  (1754-1763) levou a crescentes tensões entre a Grã-Bretanha e as Treze Colónias. Durante a década de 1750, as colónias começaram a colaborar entre si em vez de lidar diretamente com a Grã-Bretanha. Essas atividades intercoloniais cultivaram um senso de identidade americana compartilhada e levaram a pedidos de proteção dos "Direitos como ingleses" dos colonos, especialmente o princípio de "não tributação sem representação". As rixas com o governo britânico levaram à Revolução Americana, na qual as colónias colaboraram na formação do Congresso Continental. Os colonos travaram a Guerra Revolucionária Americana  (1775-1783) com a ajuda do Reino da França e, num grau muito menor, da República Holandesa e do Império Espanhol.

A sua formação iniciou-se em 1606, quando o rei James I da Inglaterra concedeu fretamentos à Plymouth Company e à London Company com o objetivo de estabelecer assentamentos permanentes na América. Para atrair pessoas, essas companhias lançaram uma propaganda prometendo terras férteis àqueles que embarcassem para a América. Na Inglaterra, essa propaganda atraiu degredados, aventureiros, mulheres pobres (vendidas aos colonos como esposas) e camponeses sem terra que vinham trabalhar como servos temporários (camponeses que se comprometiam a trabalhar gratuitamente por 4 ou 5 anos na propriedade americana da pessoa que havia pago a sua passagem para a América). Durante todo o século XVII, os servos temporários constituíam a maioria dos trabalhadores das colónias inglesas, mas havia também grupos protestantes (puritanos, batistas, presbiterianos, anglicanos e outros) que fugiam da Europa devido à perseguição política e religiosa movida pelos diferentes governos dos seus países. A London Company estabeleceu a Colónia e Domínio da Virgínia em 1607, a primeira colónia inglesa permanentemente estabelecida no continente. A Plymouth Company fundou a Colónia Popham no rio Kennebec, mas teve vida curta. Essa época foi marcada por intensos conflitos entre os ingleses e os povos indígenas da região. O povoado de Jamestown, na Virgínia  (1608), primeiro povoado inglês bem-sucedido na América do Norte, foi erguido nas terras tomadas dos índios Powhatans, (na atual área da Baía de Chesapeake) que acabaram sendo dizimados. O Conselho da Plymouth para a Nova Inglaterra patrocinou vários projetos de colonização, culminando com a Colónia Plymouth em 1620, que foi estabelecida por separatistas puritanos ingleses, hoje conhecidos como "Pilgrims"

Os holandeses, suecos e franceses também estabeleceram colónias americanas bem-sucedidas aproximadamente ao mesmo tempo que os ingleses, mas acabaram por ficar sob domínio da coroa inglesa. As Treze Colónias foram concluídas com o estabelecimento da Província da Geórgia em 1732, embora o termo "Treze Colónias" só se tenha tornado popular apenas no contexto da Revolução Americana.

Declaration_of_Independence_(1819),_by_John_Trumbu

Declaração da Idependência dos Estados Unidos da América

Em Londres, a partir de 1660, todas as colónias eram governadas por um departamento estatal conhecido como "Southern Department", e uma comissão do Conselho Privado chamado "Commissioners for Trade and Plantations". Em 1768, um departamento estatal específico foi criado para a América, mas foi dissolvido em 1782, quando o "Home Office" assumiu a responsabilidade.

As Treze Colónias foram fundadas entre 1607  (Virgínia) e 1733  (Geórgia). Documentos contemporâneos geralmente listam as 13 Colónias Norte-Americanas do Reino da Grã-Bretanha em ordem geográfica, do Norte para o Sul:

Map_Thirteen_Colonies_1775-es.svg.png

Mapa das Treze Colónias em 1775

Colónias do Norte

  • Província de New Hampshire, mais tarde o estado de New Hampshire
  • Província da Baía de Massachusetts, mais tarde os estados de MassachusettsMaine
  • Colónia de Rhode Island e Plantações de Providence, mais tarde o estado de Rhode Island
  • Colónia de Connecticut, mais tarde o estado de Connecticut

 

Colónias Centrais

  • Província de Nova Iorque, mais tarde os estados de Nova IorqueVermont
  • Província de Nova Jérsei, mais tarde o estado de Nova Jérsei
  • Província da Pensilvânia, mais tarde o estado de Pensilvânia
  • Colónia de Delaware, mais tarde o estado de Delaware

 

Colónias do Sul

  • Província de Maryland, mais tarde o estado de Maryland
  • Colónia e Domínio da Virgínia, mais tarde os estados de VirgíniaKentuckyVirgínia do Oeste
  • Província da Carolina, uma colónia proprietáriacriada em 1663 e dividida em Norte e Sul em 1712, cada uma tornou-se Colónia Real em 1729:
    • Província da Carolina do Norte, mais tarde os estados da Carolina do Norte e Tennessee
    • Província da Carolina do Sul, mais tarde o estado da Carolina do Sul
  • Província da Geórgia, mais tarde o estado da Geórgia

Cronologia

 

#

Criação

Colónia ou
Província

Região

Governo
em 1775

Religião

Comércio e
atividade econômica

Pessoas famosas

1

1607

Colónia da Virgínia

Sul

Real

Anglicana
e Batista

Agricultura,
Plantações,
tabaco e açúcar

John Smith
John Rolfe

2

1626

Província de Nova Iorque

Central

Real

Quaker, Católica,
Luterana, Judaica
e outras

Agricultura,
mineração de ferro

Peter Minuit
Peter Stuyvesant

3

1630

Província de Massachusetts

Nova Inglaterra

Província Real
por Alvará

Puritana

Construção naval
Exportação de rum

John Winthrop

4

1633

Província de Maryland

Sul

Proprietária

Católica, Anglicana
e Batista

Agricultura,
Plantações,
tabaco e açúcar

George Calvert

5

1636

Colónia de Rhode Island

Nova Inglaterra

Por Carta

Puritana

Construção naval
Exportação de rum

Roger Williams
Anne Hutchinson

6

1636

Colónia de Connecticut

Nova Inglaterra

Por Carta

Puritana

Construção naval
Exportação de rum

Thomas Hooker

7

1638

Província de New Hampshire

Nova Inglaterra

Por Carta

Puritana

Construção naval
Exportação de rum

John Mason

8

1638

Colónia de Delaware

Central

Proprietário

Quaker, Católica,
Luterana, Judaica
e outras

Agricultura,
mineração de ferro

Peter Minuit

9

1653

Província da Carolina do Norte

Sul

Real

Anglicana
e Batista

Agricultura,
Plantações,
tabaco e açúcar

George Calvert

10

1663

Província da Carolina do Sul

Sul

Real

Anglicana
e Batista

Agricultura,
Plantações,
tabaco e açúcar

Carta da Carolina

11

1664

Província de Nova Jérsei

Central

Real

Quaker, Católica,
Luterana, Judaica
e outras

Agricultura,
mineração de ferro

Lord Berkeley
George Carteret

12

1682

Província da Pensilvânia

Central

Propritária

Quaker, Católica,
Luterana, Judaica
e outras

Agricultura,
mineração de ferro

William Penn

13

1732

Província da Geórgia

Sul

Real

Anglicana
e Batista

Agricultura,
Plantações,
tabaco e açúcar

James Oglethorpe

         

 

Século XVII

Colónias do Sul

 

250px-Wpdms_king_james_grants.png

 

As concessões de James I em 1606 às empresas de Londres e Plymouth. A área sobreposta (amarela) foi concedida às duas empresas sob a condição de que nenhuma delas criasse um assentamento a menos de 160 km uma da outra. A localização de Jamestown está indicada pelo "J"

A primeira colónia inglesa bem-sucedida foi Jamestown, fundada em 14 de maio de 1607 perto da Baía de Chesapeake, financiada pela London Virginia Company em busca de ouro. Os primeiros anos foram extremamente difíceis, com taxas de mortalidade muito altas por doenças e fome, guerras com índios locais e pouco ouro. A colónia sobreviveu e floresceu recorrendo ao tabaco como uma cultura comercial.

Em 1632, o rei Charles I concedeu a Carta da Província de Maryland a Cecil Calvert, 2º Barão de Baltimore; seu pai, um importante funcionário católico, incentivou a imigração católica para as colónias inglesas. A Carta não indicava diretrizes sobre religião.

A Província da Carolina foi a segunda tentativa de colonização inglesa ao sul da Virgínia; foi a primeira tentativa fracassada em Roanoke; era um empreendimento privado, financiado por um grupo de "lordes proprietários" ingleses que obtiveram uma Carta Régia das Carolinas em 1663, esperando que uma nova colónia no sul se tornasse lucrativa como Jamestown; a Carolina não se estabeleceu até 1670, e mesmo assim a primeira tentativa falhou porque não havia incentivo à emigração para essa área; eventualmente, os Lordes combinaram o seu capital restante e financiaram uma missão de assentamento na área liderada por Sir John Colleton, que localizou terreno fértil e defensável que se tornou Charleston, originalmente "Charles Town", homenageando Charles II da Inglaterra.

 Nova Inglaterra

Os "Peregrinos" eram um grupo de separatistas puritanos que achavam que deviam distanciar-se fisicamente da Igreja da Inglaterra que consideravam corrompida; inicialmente mudaram-se para a Holanda, mas finalmente navegaram para a América em 1620 no Mayflower. Ao chegarem, criaram o Pacto do Mayflower, pelo qual se uniram como uma comunidade, a pequena Colónia de Plymouth, tendo William Bradford como seu principal líder; outros colonos chegaram da Inglaterra em seguida para se juntarem à colónia.

200px-Mayflower_Compact_Bradford.jpg

A transcrição de Bradford do pacto

Mais puritanos imigraram em 1629 e estabeleceram a Colónia da Baía de Massachusetts com 400 colonos; eles tentaram reformar a Igreja Anglicana criando uma nova igreja ideologicamente pura no Novo Mundo. Em 1640, 20 mil haviam chegado; muitos morreram logo após a chegada, mas outros encontraram um clima saudável e um amplo suprimento de alimentos; as colónias de  Plymouth e da  Baía de Massachusetts incentivaram a criação de outras colónias puritanas na Nova Inglaterra, incluindo as colónias de New Haven, Saybrook e Connecticut. Durante o século XVII, as colónias de New Haven e de Saybrook foram absorvidas pela de Connecticut.

Roger Williams criou o assentamento chamado Plantações de Providence em 1636 em terras fornecidas pelo chefe Canonicus da tribo Narragansett. Williams era um puritano que pregava a tolerância religiosa, separação entre Igreja e Estado e uma ruptura completa com a Igreja Anglicana. Ele foi banido da Colónia da Baía de Massachusetts por divergências teológicas; ele fundou o assentamento com base numa constituição igualitária, prevendo o domínio da maioria "em assuntos civis" e "liberdade de consciência" em assuntos religiosos. Em 1637, um segundo grupo, incluindo Anne Hutchinson, estabeleceu um segundo assentamento em Aquidneck Island, também conhecida como Rhode Island.

280px-Masscolony.png

Colónia de Massachusettes Bay 

Outros colonos estabeleceram-se ao Norte, misturando-se com aventureiros e colonos com fins lucrativos para estabelecer outras colónias mais diversas religiosamente em New Hampshire e Maine. Massachusetts absorveu esses pequenos assentamentos quando fez reivindicações de terras significativas nas décadas de 1640 e 1650, mas New Hampshire acabou recebendo uma carta separada em 1679. Maine permaneceu uma parte de Massachusetts até passar a ser um Estado em 1820. Em 1685, o Rei James II da Inglaterra fechou as concessões e consolidou as Colónias da Nova Inglaterra no Domínio da Nova Inglaterra, colocando a região sob controlo do governador Edmund Andros. Em 1688, as colónias de Nova YorkWest Jersey e East Jersey foram adicionadas ao domínio. Andros foi derrubado e o domínio foi fechado em 1689, após a Revolução Gloriosa que depôs o rei James II e as antigas colónias foram restabelecidas. Segundo Guy Miller, a Rebelião de 1689 foi o "clímax da luta de 60 anos entre o governo da Inglaterra e os puritanos de Massachusetts sobre a questão de quem governaria a Colónia da Baía".

Colónias Centrais

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Peter Minuit serviu como governador da Nova Holanda e ajudou a estabelecer a Nova Suécia.

A partir de 1609, comerciantes holandeses estabeleceram postos de comércio de peles nos rios Hudson, Delaware e Connecticut. A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais estabeleceu assentamentos permanentes no rio Hudson, criando a colónia holandesa da Nova Holanda. Em 1626, Peter Minuit comprou a ilha de Manhattan dos índios Lenape e estabeleceu o posto avançado de Nova Amsterdão.

400px-5_Boroughs_Labels_New_York_City_Map.svg.png

Localização da ilha de Manhattan  (a verde) no contexto actual da zona de Nova York

Poucos holandeses se estabeleceram na Nova Holanda, mas ela dominou o comércio regional de peles. Também serviu de base para o comércio extensivo com as colónias inglesas, e muitos produtos da Nova Inglaterra e Virgínia foram transportados para a Europa em navios holandeses. Os holandeses também se envolveram no crescente comércio de escravos no Atlântico, fornecendo africanos escravizados para as colónias inglesas na América do Norte e Barbados. 

220px-Slave_ship_diagram.png

Diagrama de um navio negreiro do tráfico de escravos do Atlântico com a forma de "arrumar" os escravos para transporte, duma maneira a "rentabilizar" melhor  o espaço do navio. (De um resumo da evidência entregue ante um comitê seleto da Câmara dos Comuns em 1790 e 1791)

 

A Companhia das Índias Ocidentais queria desenvolver a Nova Holanda quando se tornou comercialmente bem-sucedida, mas a colónia não conseguiu atrair o mesmo nível de assentamento que as colónias inglesas. Muitos dos que emigraram para a colónia eram ingleses, alemães, valões ou sefarditas.

Em 1638, a Suécia estabeleceu a colónia da Nova Suécia no vale do Delaware. A operação foi liderada por ex-membros da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, incluindo Peter Minuit. A Nova Suécia estabeleceu muitos contatos comerciais com colónias inglesas ao Sul e embarcou grande parte do tabaco produzido na Virgínia. A colónia foi conquistada pelos holandeses em 1655, enquanto a Suécia estava envolvida na Segunda Guerra do Norte.

A partir da década de 1650, ingleses e holandeses envolveram-se numa série de guerras, e os ingleses tentaram conquistar a Nova Holanda. Richard Nicolls capturou a desprotegida Nova Amsterdão em 1664, e os seus subordinados rapidamente capturaram o restante da Nova Holanda. O Tratado de Breda de 1667 encerrou a Segunda Guerra Anglo-Holandesa e confirmou o controlo inglês da região. Os holandeses recuperaram brevemente o controle de partes da Nova Holanda na Terceira Guerra Anglo-Holandesa, mas devolveram o território no Tratado de Westminster de 1674, encerrando a presença colonial holandesa na América do Norte.

Após a Segunda Guerra Anglo-Holandesa, os britânicos renomearam a colónia "York City" para "New York City". Um grande número de holandeses permaneceu na colónia, nas áreas rurais entre "New York City" e "Albany", enquanto as pessoas da Nova Inglaterra começaram a mudar-se, assim como os imigrantes da Alemanha. A cidade de Nova York atraiu uma grande população poliglota, incluindo uma grande população de escravos negros. Em 1674, as províncias de "East Jersey" e "West Jersey" foram criadas a partir de terras anteriormente parte de Nova Iorque.

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"Independence Hall" - Filadélfia

Pensilvânia foi fundada em 1681 como uma colónia proprietária do Quaker William Penn. Os principais elementos populacionais incluíam: a população Quaker sediada em Filadélfia, uma população escocesa-irlandesa na fronteira ocidental e numerosas colónias alemãs no meio.  

Filadélfia tornou-se a maior cidade das colónias com a sua localização central, excelente porto e uma população de cerca de 30 mil habitantes.

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Sino da Liberdade

(Está rachado, o que não é para admirar! Com os maus tratos que tem sofrido!)

Fonte: Wikipédia

É esta a história original da forma como apareceram os "Americanos" na costa Atlântica da América do Norte, zona onde nasceu a faina da "Caça à Baleia" que se expandiu posteriormente para a costa do Pacífico e para todas as costas marítimas onde poderia potencialmente existir um cetáceo.

Mas antes de continuarmos na mini-historia da Baleação (que era para ser miníma mas já está a ser máxima) os próximos Posts vão ser dedicados à construção naval pois, este papel de "historiador" não se sobrepõe ao do "armador" e os estaleiros têm continuado a atividade de construção. Uma atividade intelectual tem de ser contrabalançada com uma atividade física. E o trabalho no estaleiro é duro!

Os dois próximos Posts serão dedicados a duas Caravelas da época dos Descobrimentos a saber: uma Caravela Redonda ou de Armada e uma Caravela Latina de três mastros. E estas, prometo, são mesmo mínimas.

(continua) no Post 66

Bons Ventos e ...

Um abraço

 

10.10.22

62 - Modelismo Naval 6.2.6.1 - Baleação - Uma mini-história


marearte

 

 

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(continuação)

Caros amigos

 

Linha de Tempo da Baleação Americana

 

No anterior Post deixámos o capitão Smith em terra, preterido pelos "Pilgrims" a favor de Myles Standish   e os colonos prestes a dirigirem-se para a Nova Inglaterra. Antes de acompanharmos os colonos na sua viagem para a América e como o Capitão John Smith vai deixar de interessar para esta história da Baleação vamos, neste "Post", fazer três pequenas adendas para esclarecer três assuntos não completamente claros. Numa primeira adenda sobre o que aconteceu no resto da vida do capitão John Smith e numa outra sobre quem  foram os "Pilgrims". Numa terceira, noutro Pos o nº 63, sobre como e quais foram as 13 colónias inglesas na América do Norte inicialmente fundadas.

 

2.1 – Nova Inglaterra – “O Capitão Smith vai balear”   1614 - 1620     

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O Capião Smith foi balear, mas não baleou

Não porque ele não quizesse mas nunca teve essa sorte. Nunca foi baleeiro nem nos mares da Europa, nem nos mares da América. Mas falou com eles!

Apesar de não ter sido baleeiro, contribuíu grandemente para que essa atividade surgisse nas costas da América e que depois se espalhasse por toda a costa das Américas, quer na costa Leste no Atlântico, quer na costa Oeste no Pacífico, quer também noutras partes dos diferentes oceanos. Com o seu entusiasmo, com o seu trabalho de levantamento cartográfico - quer na "Virgínia" quer na "Nova Inglaterra" -  com tudo aquilo que escreveu sobre as suas experiências, por vezes de uma forma fantasiosa mas muitas vezes de grande utilidade para todos o que viram na América um "Novo Mundo", com o seu espírito aventureiro e curioso sobre "as coisas novas".

O não ter tido, como já atrás foi dito, outro contato com baleias que não fosse vê-las na liberdade dos mares, tem merecido, apesar disso um agradecimento de todos os que, posteriormente a ele o referem, não como iniciador da baleação dos Estados Unidos mas sim como grande incentivador para esse efeito em especial como um pioneiro da colonização inglesa da América abrindo caminhos que ele e outros posteriormente percorreram.

Ao longo da vida, das suas viagens e aventuras, o capitão Smith procurou partilhá-las, escrevendo vários livros e publicando-os:

Obras de John Smith (1580-1631)

  • 1608 - "A True Relation of such occurrences and accidents of note as hath hapned in Virginia since the first planting of that Colony" 

Esta é a publicação de uma carta que Smith enviou 14 meses após a chegada a um amigo não identificado que a editou e depois a publicou. A partir desta carta, o mundo inglês será fornecido com o relato mais antigo do assentamento na Virgínia. Curiosamente, ou Smith não mencionou o seu resgate pela princesa indiana Pocahontas, ou foi editado antes da publicação.

  • 1612 - "A Map Of Virginia with a Description of the Country" 

Smith continua o seu relato do assentamento de Jamestown durante o seu governo. "The Proceedings of the English Colonie of Virginia" (segunda parte do livro) cujos autores são listados como Thomas Studley, Anas Todkill, Walter Russell, Nathaniel Powell, William Phettiplace, Richard Wyffin, Thomas Abby, Thomas Hope e Richard Potts. Thomas Abby disse que o tesouro foi concebido pela primeira vez por Richard Potts, que havia sido secretário do conselho em 1608 e 1609. Todo o trabalho foi entregue ao reverendo William Symonds.

  • 1616 - "A Description of New England: or the Observations and Discoveries of Captain John Smith"

Smith oferece um relato de sua segunda exploração na América do Norte, durante a qual mapeou a costa da Nova Inglaterra.

  • 1620 - "New England’s Trials"

Smith recomenda a Nova Inglaterra como um local para colonização. Este tinha 16 páginas, inicialmente em forma de panfleto, descrevendo como os navios beneficiariam aquele país por mar e terra, etc. e que teriam melhor sucesso se aceitassem instruções dele. Smith disse em 1624 que havia providenciado serem impressos dois ou três mil exemplares.

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  • 1624 -  "The General Historie of Virginia, New England, and the Summer Isles" 

Smith narra a colonização da Virgínia, entrando em mais detalhes do que na sua história anterior e mais curta de 1608. Está incluído um extenso tratamento da história de Pocahontas.

  • 1626 - "An Accidence, or The Pathway to Experience Necessary for all Young Seamen"

O manual de marinharia de Smith é ilustrado com incidentes de suas próprias experiências. Seria ampliado como "A Sea Grammar "em 1627. Foi tão popular que foi lançado em edições repetidas nos seguintes 65 anos. O nome de Smith ainda era usado na página de rosto de sua edição de 1691.

  • 1630 - "The True Travels, Adventures, and Observations of Captaine John Smith in Europe, Asia, Africa, and America… from 1593 to 1629"

Smith fornece um relato de sua infância e suas aventuras subsequentes em uma autobiografia fascinante.

  • 1631 - "Advertisements for the Unexperienced Planters of New England" 

Escrito pouco antes da morte de Smith, este trabalho oferece conselhos práticos aos colonos de Massachusetts e inclui um poema autobiográfico, “The Sea-Mark”.

Fonte: Williamburg Private Tours

Após 1620, data da perda da possível comissão junto aos "Pilgrims" a favor de Myles Standish, até à data do seu falecimento, Smith acalmou e após o seu regresso do cativeiro às mãos de piratas franceses em 1616 (e também dos "braços" da viúva Francesa de Cherburgo, sua amante na altura, enquanto  aí permaneceu) fez as pazes com a sua antiga amante Inglesa, a Duquesa de Richmond e após a passagem pelas mãos de várias amantes, todas jovens, loiras e socialmente inconvenientes arranjou uma nova amante, também ela jovem, loira e também pouco recomendável, que era enfermeira, o que aparentemente foi uma escolha pragmática já que Smith tinha adoecido com graves problemas respiratórios e a nova amante vinha mesmo a calhar.

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Frances, Duquesa de Richmond, a cobiçada amante (oficial) de John Smith

Durante este periodo John Smith escreveu cinco livros, incluíndo o "Julgamento da Nova Inglaterra"  em 1621, (uma espécie de guia de viagem que influenciou muitos colonos a deslocarem-se para a Nova Inglaterra, Incluíndo os "Pelgrims"). Smith faleceu em 21 de Junho de 1631, aos 51 anos de idade.

Entre as poucas pessoas que compareceram ao seu funeral na Igreja do Santo Sepulcro estavam o Conde de Lindsey, Sir Samuel e a Duquesa de Bedford íntima amiga da Duquesa de Richmond, antiga amante de Smith, que não compareceu no funeral. Smith foi enterrado sob a abóbada do coro da igreja, com um modesto monumento sobre a sua sepultura com o brasão que ele ganhou gravado em baixo relevo, a prova de que ele era um cavalheiro. Trinta e cinco anos depois, a igreja foi destruída no Grande Incêndio de Londres. Apenas os livros e a lenda de John Smith permaneceram. Ele desapareceu. No entano, teve um vida aventurosa e cheia!

 

2.2 - Quem foram os "Pilgrims" ?                                           1614 - 1620 

 

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Chegada dos "Pilgrims" à Nova Inglaterra

Os "Peregrinos", também conhecidos nos USA como "Os Pais Peregrinos", foram os colonos ingleses que vieram para a América do Norte no Mayflower e estabeleceram a Colónia Plymouth no que é hoje Plymouth, Massachusetts, denominada assim com base no nome do porto de partida final do navio - Plymouth, Devon. A  sua liderança veio das congregações religiosas dos brownistas, ou puritanos separatistas, que haviam fugido da perseguição religiosa na Inglaterra para a tolerância da Holanda do século XVII nos Países Baixos.

Eles tinham muitas das mesmas crenças religiosas puritanas calvinistas, mas, ao contrário da maioria dos outros puritanos, eles afirmavam que as suas congregações deveriam separar-se da igreja estatal inglesa, o que os levou a serem rotulados de Separatistas (a palavra "Peregrinos" não foi usada para se referir a eles até vários séculos depois). Depois de vários anos vivendo no exílio na Holanda, eles finalmente decidiram estabelecer um novo assentamento no Novo Mundo e combinaram com investidores para financiá-los. Estabeleceram a Colónia Plymouth em 1620, onde ergueram igrejas congregacionistas.  A história dos Peregrinos tornou-se um tema central na história e cultura dos Estados Unidos

Este grupo cindiu-se da Igreja Inglesa por volta de 1605 e básicamente o seu cisma tinha como base a independência das diferentes igrejas que constituiam o grupo, de uma Igreja central. A Lei da Uniformidade de 1559 tornou ilegal a não comparência nos cultos oficiais da Igreja da Inglaterra sob pena do pagamento de uma multa. Em 1593 a situação agravou-se através da publicação da Lei Sediciosa destinada especificamente para este grupo.  Houve perseguições dirigidas aos membros da Igreja Subterrânea em Londres que foram fortemente multados e muitos foram presos sendo três dos membros mais proeminentes dos Separatistas - Henry Barrow, John Greenwood e John Penry - executados, por sedição. Após estas execuções, os Separatistas de Londres fugiram para a Holanda

Esta fuga foi efectuada por volta de 1607-1608 para Leiden que era um centro industrial próspero. Embora alguns dos membros da congregação tenham consiguido empregos, a grande parte de origem rural e pela barreira da linguagem, não tiveram essa sorte, e a congreção teve de comprar uma propriedade rural onde eles poderam sobreviver.

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Convívio entre Índios Americanos e "Pilgrims" (nem sempre foi assim)

Em 1617  a congregação dos Separatistas estava estável. No entanto esta estabilidade era mais aparente do que real. Alguns dos membros foram obrigados a gastar todas as economias que tinham levado e desistiram voltando para a Inglaterra. Os que ficaram, mais jovens, começaram a procurar melhores condições noutros lugares. Havia também a noção do dever de "missão envangelizadora", ao que se juntava a trégua periclitante da Guerra dos Oitenta Anos. Os maiores "medos" existentes diziam respeito à viagem por mar, ao temor de que os nativos pudessem ser violentos, e que houvesse exposição a doenças desconhecidas.

Os possíveis destinos incluíam a Guiana na costa Nordeste da América do Sul, onde os Holandeses tinham estabelecido a colónia de Essequibo (hoje o Suriname) ou um outro local perto dos assentamentos da Virginia. Embora este último fosse o mais atractivo tinha o inconveniente de ser Inglês e poder replicar o ambiente político-religioso da Inglaterra, o que lhes era adverso.. Por outro lado havia a vantagem da língua que podia facilitar a partilha da experiência local já existente. 

Companhia de Londres administrava um território de tamanho considerável na região, e o local de assentamento pretendido era na foz do rio Hudson (que em vez disso se tornou a colónia holandesa da Nova Holanda). Este plano aliviou as preocupações com conflitos sociais, políticos e religiosos, mas ainda assim aproveitava dos benefícios militares e económicos de estar perto de uma colónia já  estabelecida. 

Robert Cushman e John Carver foram enviados para a Inglaterra para solicitar uma patente de concessão de terra. As negociações foram adiadas por causa de conflitos internos na London Company, mas, finalmente, uma patente foi garantida em nome de John Wincob em 19 de Junho 1619.  A carta foi concedida com a condição do rei de que a religião do grupo Leiden não receberia reconhecimento oficial. 

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Crianças  "Pilgrims" nnuma dança infantil (reconstituição actual)

Os preparativos então pararam por causa dos problemas contínuos dentro da Companhia de Londres, e empresas holandesas concorrentes abordaram a congregação com a possibilidade de se estabelecer na área do rio Hudson.  David Baeckelandt sugere que o grupo Leiden foi abordado pelo inglês Matthew Slade, genro de Petrus Placius, cartógrafo da Companhia Holandesa das Índias Orientais. Slade também era um espião para o Embaixador Inglês, e os planos dos Peregrinos eram, portanto, conhecidos tanto na corte quanto entre investidores influentes na colónia da Companhia da Virgínia em Jamestown. As negociações foram interrompidas com os holandeses, no entanto, com o incentivo do comerciante inglês Thomas Weston, que assegurou-lhes que poderia resolver os atrasos da Companhia de Londres. A Companhia de Londres pretendia reivindicar a área explorada por Hudson antes que os holandeses pudessem  estabelecer-se totalmente, e os primeiros colonos holandeses não chegaram à área até 1624.

Weston veio com uma mudança substancial, dizendo ao grupo de Leiden que as partes na Inglaterra tinham obtido uma concessão de terras ao norte do território existente da Virgínia para ser chamada de Nova Inglaterra. Isso era apenas parcialmente verdade; a nova concessão aconteceu, mas só no final de 1620, quando o Conselho de Plymouth para a Nova Inglaterra recebeu a sua carta. Esperava-se que esta área pudesse ser explorada piscatóriamente com lucro, e não estava sob o controle do governo existente da Virgínia. 

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Casal de "Pilgrims" numa colónia de Massachusetts

No meio dessas negociações, William Brewster  viu-se envolvido com a agitação religiosa que emergiu na Escócia. Em 1618, o rei James promulgou os Cinco Artigos de Perth que foram vistos na Escócia como uma tentativa de invadir a sua tradição presbiteriana. Brewster publicou vários panfletos que eram críticos desta lei, e eles foram contrabandeados para a Escócia em abril de 1619. Estes panfletos foram rastreados até Leiden, e as autoridades inglesas tentaram sem sucesso prender Brewster. O embaixador inglês Dudley Carleton tomou conhecimento da situação e começou a pressionar o governo holandês a extraditar Brewster, e os holandeses responderam prendendo Thomas Brewer, o financeiro, em Setembro. O paradeiro de Brewster permanece desconhecido entre essa altura e a partida dos colonos, mas as autoridades holandesas apreenderam os materiais de impressão que ele havia usado para imprimir os seus panfletos. Enquanto isso, Brewer foi enviado para a Inglaterra para interrogatório. Ele foi finalmente condenado na Inglaterra pelas suas atividades de publicação religiosa continuada e sentenciado em 1626 a uma pena de 14 anos de prisão.

Nem toda a congregação foi capaz de partir na primeira viagem. Muitos membros não foram capazes de resolver os seus assuntos dentro das restrições de tempo, e o orçamento foi limitado para viagens e suprimentos, e o grupo decidiu que o compromisso inicial deveria ser realizado principalmente por membros mais jovens e mais fortes. Os restantes concordaram em seguir se e quando pudessem. Robinson permaneceria em Leiden com a maior parte da congregação, e Brewster lideraria a congregação americana. A igreja na América seria administrada de forma independente, mas foi acordado que a adesão seria automaticamente concedida em qualquer congregação para membros que se deslocavam entre os continentes.

Com assuntos pessoais e comerciais acordados, os Peregrinos adquiriram suprimentos e um pequeno navio. Speedwell deveria trazer alguns passageiros da Holanda para a Inglaterra, depois para a América, onde seria mantido para o negócio de pesca, com uma tripulação contratada para serviços de apoio durante o primeiro ano.

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Início da viagem dos "peregrinos" no Speedwell que os trouxe de Leiden para a Inglaterra mas não continuou para o "Novo Mundo" por não oferecer condições de segurança para a viagem.

O navio maior Mayflower foi alugado para serviços de transporte e exploração. 

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Réplica atual do "Mayflower" que chegou ao fim. O navio era de maior tonelagem do que o "Speddwell" e tinha boas condições para uma viagem normal

E era esta a situação quando deixamos os "Pilgrims" prestes a partir para o "Novo Mundo" no anterior post 61 de 29 de Maio de 2022.

(continua)

Bons ventos e ...

Um Abraço