15.10.18
34 - Modelismo Naval 7.10 - "Glossário (e mais qualquer coisa) de Termos Náuticos - Grandes Veleiros 2"
marearte
Caros amigos
Uma correção ao post anterior (o nº 33) sobre a lista bibliográfica publicada
.
A indicação da fonte nº 9, por lapso meu, foi trocada por um outro manual - o que consta da lista - que, na realidade também trata do mesmo assunto mas é quase 100 anos anterior áquele que eu usei.
Assim, considerem que a fonte nº 9 da referida listagem passa a ser:
9 - LUCE, S.B., Commodore, U.S.Navy - "Text-Book of Seamanship - The Equipping and Handling of Vessels under Sail or Steam" - for the use of United States Naval Academy
Revised and enlarged by Lieutenant Aaron Ward, U.S. Navy with illustrations drawn by Lieutenant S. Seabury, U.S. Navy - Van Nostrand Company, New York, 1891.
Aqui fica a correção e as minhas desculpas.
(continuação)
5 - Velame e 2 - Mastreação
Dá-se o nome de "velame" ao conjunto de todas as velas - "redondas" e "latinas" - que são envergadas nos navios no sentido de bombordo/estibordo e proa/popa respectivamente - e que compoem a "andaina de pano envergado". Normalmente existe um outro conjunto semelhante (outra andaina) que se encontra guardado no "paiol das velas" e que serve para substituição das que se avariam.
As velas eram confecionadas em lona (com base em fibras de "cânhamo" que já nessa altura também servia para outras "coisas") de diferentes espessuras (Europa) - numeradas a partir de 1 até 9, referindo-se o 1 à lona mais espessa e mais resistente - ou em tecido de algodão (U.S.A.) tecido mais fino e portanto mais leve mas também menos resistente..
Os "clippers" possuiam, por norma, dois conjuntos de velas de substituição, um para o mau tempo (lona grossa) e outro para o tempo normal (lona mais fina)*.
* A palavra "lona"provém do nome da cidade francesa de Olonne, situada na Vendeia, vale do Loire, onde este tecido era produzido. Lona, em inglês, é "canvas", termo que deriva da palavra árabe para Cannabis - o cânhamo era utilizado frequentemente para produzir lona.
A lona moderna é feita geralmente de algodão. Difere de outros tecidos pesados de algodão como a "sarja" pela forma como é tecida. A lona tem uma trama muito simples que tem como resultado um padrão em diagonal que pode ser observado no tecido usado para os "jeans".
Existem básicamente dois tipos de lona: comum e grossa. A trama da lona grossa é mais apertada do que a da comum. Nos USA , a lona é classificada de duas maneiras: por peso (onças por jarda quadrada) ou/e por número. Os números funcionam em sentido contrário ao peso; uma lona 10 é mais leve do que uma lona 4.
As "andainas" dos veleiros eram fabricadas com lonas de diferentes pesos e/ou números. Uma andaina para bom tempo era fabricada com lonas mais leves e para mau tempo com lonas mais pesadas.
Os pesos das lonas usadas no fabrico das velas, normalmente diminuiam em relação à localização das velas (existem tabelas para estes pesos consoante o tipo e dimensão dos navios), no sentido do convés para o topo dos mastros. As velas inferiores (velas mestras e gáveas) eram em lona mais pesada do que as velas superiores (joanetes, sobrejoanetes e sobrinhos) que eram em lona mais leve.
As lonas das velas auxiliares (varredouras, cutelos e cutelinhos), devido à forma como eram governadas (tipo "lançar um papagaio") eram de lona suficientemente resistente mas muito pouco pesada.
Desenho 3
Diagrama do Plano Vélico de um Clipper dos anos 1860's (dos mastros e de outras partes do navio)*
* A nomenclatura aqui apresentada diz respeito a um navio armado em "Galera" (navio tipo de armação redonda). No entanto, é válida para outros tipos de armação de veleiros, com 3 ou mais (ou menos) mastros a saber:
"Barca" - com 3 mastros: o do traquete e do grande com mastaréu de gávea e joanete, que cruzam vergas redondas; o da mezena com mastaréu de gave-tope*, envergando pano latino;
"Brigue" - com 2 mastros: com mastaréus de gávea e joanete que cruzam vergas redondas;
"Lugre-Barca" - com 3 mastros: o do traquete e do grande só com os mastaréus do velacho e da gávea que cruzam vergas redondas; o da mezena com mastaréu de gave-tope, que enverga pano latino;
"Patacho" - com 2 mastros: o do traquete com os mastaréus do velacho e do joanete de proa, que cruzam vergas redondas; o do grande com mastaréu de gave-tope, que enverga pano latino;
"Brigue-Escuna" - com 2 mastros: o do traquete com os mastaréus do velacho e do joanete de proa que cruzam vergas redondas; o do grande só com mastaréu de gávea que cruza vergas redondas e no mastro enverga um latino quadrangular;
"Polaca" - com 2 mastros: só com os mastaréus do velacho e da gávea que cruzam vergas redondas;
"Sumaca" - com 2 mastros: o do traquete só com o mastaréu do velacho que cruza vergas redondas; o do grande com mastaréu de gave-tope que enverga pano latino;
"Lugre-Patacho" - com 3 mastros: o do traquete com mastaréus do velacho e do joanete que cruzam vergas redondas; os do grande e mezena com mastaréus de gave-tope, que enverga pano latino;
"Lugre" (navio tipo de armação latina) - com 3 mastros: com mastaréus de gave-tope, envergando pano latino;
"Escuna" - com 2 mastros: o do traquete enverga um latino quadrangular e, espigando, o mastaréu do velacho onde cruzam vergas redondas; o do grande com mastaréu de gave-tope, que enverga pano latino;
"Lugre-Escuna" - com 3 mastros: o do traquete que enverga um latino quadrangular e, espigando, o mastaréu do velacho onde cruzam vergas redondas; o do grande e da mezena com mastaréus de gave-tope, envergando pano latino;
"Palhabote" - com 2 mastros: com mastaréus de gave-tope, onde enverga pano latino.
Poderá haver algumas pequenas diferenças entre estes tipos de navios mas, no geral, a nomenclatura das velas é a mesma.
* O lugre bacalhoeiro português de 4 mastros "Brites", a navegar no Atlântico Norte. As velas de gave-tope são as duas superiores que envergam nos mastaréus de gave-tope do traquete e do contra traquete
1 - Vela de estai alta* - Jib topsail (ou jib-o-jib) |
2 - Giba* - Flying jib (or Fore topgallant staysail) |
3 - Bujarrona (de dentro)* - Jib ( ou inner jib) |
4 - Bujarrona grande* - Fore topmast staysail (ou Standing sail/jib) |
5 - Vela de cevadeira do clipper (ou cevadeira latina) - Jamie Green (ou Jimmy Green) |
6 - Vela da varredoura do traquete redondo - Fore lower stunsail * |
7 - Vela de cutelo do velacho - Fore topmast stunsail * |
8 - Vela de cutelo do joanete de proa - Fore topgallant stunsail * |
9 - Vela do traquete redondo (ou papa-figo do traquete ou vela mestra do traquete) - Foresail (or Fore course) |
10 - Vela da gávea de baixo do traquete - Fore lower topsail |
11 - Vela da gávea de cima do traquete - Fore upper topsail |
12 - Vela do joanete do traquete - Fore topgallant sail |
13 - Vela do sobrejoanete do traquete - Fore royal |
14 - Vela de estai da gávea do grande - Main topmast staysail |
15 - Vela de estai do joanete do grande - Main topgallant staysail |
16 - Vela de estai do galope do grande - Main royal staysail |
17 - Vela de estai do sobrinho do grande - Main skysail staysail |
18 - Vela de cutelo da gávea do grande - Main topmast stunsail* |
19 - Vela de cutelo do joanete do grande - Main topgallant stunsail* |
20 - Vela de cutelo do sobre do grande - Main royal stunsail* |
21 - Vela do grande (ou papa-figo do grande ou vela mestra do grande) - Mainsail (or Main course) |
22 - Vela da gávea de baixo do grande - Main lower topsail |
23 - Vela da gávea de cima do grande - Main upper topsail |
24 - Vela do joanete do grande - Main topgallant sail |
25 - Vela do sobrejoanete do grande - Main royal |
26 - Vela do sobrinho do grande - Main skysail |
27 - Vela de estai da gávea da mezena - Mizen topmast staysail |
28 - Vela de estai do joanete da mezena - Mizen topgallant staysail |
29 - Vela de estai do sobrejoanete da mezena - Mizen royal staysail |
30 - Vela da gata (ou vela mestra da gata) - Crossjack |
31 - Vela da gávea da mezena - Mizen topsail |
32 - Vela do joanete da mezena - Mizen topgallant sail |
33 - Vela do sobrejoanete da mezena - Mizen royal |
34 - Vela da mezena - Spanker |
35 - Vela de cutelo da mezena - Ringtail |
36 – Gurupés - Bowsprit |
37 - Pau da bujarrona - Jiboom |
38 - Pau da giba - Flying jiboom |
39 - Mastro do traquete - Fore mast |
40 - Mastro grande - Main mast |
41 - Mastro da mezena - Mizen mast |
42 - Corrimão da borda - Topgallant rail |
43 - Corrimão da borda - Main rail |
44 - Curvatura do casco - Plank sheer |
45 – Proa - Bow |
46 - Delgados da proa - Entrance |
47 - Delgados da popa - Run |
48 - Popa (cadaste) - Stern post |
49 - Figura de proa (carranca) - Figurehead |
50 - Pé da roda de proa (coice) - Fore foot |
51 – Quilha - Keel |
52 - Nível do convés - Deck level |
53 - Tilha da amarra - Monkey foc'sle |
54 - Salto da popa - Raised quarter-deck |
A - Mastro real - Lower mast |
B – Reforço - Doubling |
C - Mastaréu da gávea - Topmast |
D - Mastaréu do joanete - Topgallant mast |
E - Mastaréu do sobrejoanete (mastaréu do sobre) - Royal mast |
F - Mastaréu do sobrinho - Skysail mast |
G - Calcês do mastro - Mast head ______________________________________________________________________________________ * or "studding sail" * Quando existem só três velas de proa, a de fora toma o nome de vela de giba, a do meio de bujarrona e a de dentro de bujarrona grande.
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2 - Mastreação
Embora se possam considerar as vergas como um item à parte, para efeitos da minha divisão dos navios integrei, para maior facilidade, as vergas no item 2 - Mastreação, começando pelas vergas que envergam pano redondo que, apesar de se aproximar da forma retangular, é dito de "redondo" pois quando enfuna apresenta um aspeto de balão.
As vergas do pano latino serão objeto de um outro desenho.
Estas vergas são construídas em madeira inteiriça ou reconstruída (por vezes são construídas em metal) e atracam aos mastros e mastaréus através de braçadeira(s), normalmente de metal, que apoia(m) a verga pelo seu centro de gravidade (equilíbrio) numa troça* que abraça o mastro ou mastaréu. A orientação destas vergas é de BB/EB.
* troça - Cabo que inicialmente atracava as vergas redondas aos mastros e mastaréus. Veio substituír o antigo enxertário (da época dos descobrimentos) que, por sua vez, foi mais tarde substituída por corrente metálica. Mais modernamente este sistema de atracamento veio a ser substituído por uma ferragem com pião e forquilha ou por boca de lobo com garlindéu. (Aqui está mais um caso que demonstra a dificuldade de definir, só com palavras, a maioria dos termos usados em náutica sem se recorrer à imagem).
Enxertário
Ao centro da fotografia, o conjunto de esferas (normalmente em madeira ou metal) que possibilitavam a subida e descida da verga ao longo do mastro. Uma espécie de "rolamento".
Aparelho do Chaveco - Blogue de Carlos Montalvão
Troça
Na imagem, substituam o enxertário por um cabo que abraçava simultâneamente o mastro e a verga, com folga suficiente no "abraço" ao mastro, de forma a possibiltar a subida e a descida da verga.
Corrente metálica
Como a troça, mas desta vez uma corrente de elos de ferro.
Pião e Forquilha
Ferragem de articulação que abraça o terço da verga para o mastro (O pião abraça a verga e a forquilha o mastro, permitindo os movimentos no plano normal ao da mediania)
Boca de Lobo com Garlindéu
A boca de lobo abraça o mastro e o garlindéu a verga. Esta ferragem possibilita o movimento da verga redonda no sentido vertical e horizontal.
Desenho 4
Das Vergas dos Grandes Veleiros
(1)
1 – Verga do Papafigo – Lower Yard; (verga real do grande) – Main Yard; (verga real do traquete) – Fore Yard.
2 – Verga de gávea – Topsail Yard; (verga da gávea da gata) – Mizzen Topsail Yard; (verga de gávea grande) – Main Topsail Yard.
3 – Verga de joanete – Topgallant Yard; (verga do joanete da gata) – Mizzen Topgallant Yard; (verga de joanete de proa) – Fore Topgallant Yard; (verga de joanete grande) – Main Topgallant Yard.
4 – Verga de sobre – Royal Yard; Verga de sobrinho – Skysail Yard.
5 – Braçadeira – Crance Iron, Cranse Iron; (braçadeira da troça da verga) – Truss Band, Truss Hoop, Iron Band.
6 – Olhal da braçadeira.
7 – Braçadeira com olhal – Crance Iron, Cranse Iron.
8 – Aro de suporte de pau de cutelo – Boom Iron, Withe, Wythe.
9 – Aro de dentro – Quarter Iron.
10 – Aros de fora – Yard Arms Irons.
11 – Cunho – Cockscomb - (Belaying Cleat, Cleat).
12 – Lais (de verga) – Yard Arm, Yard’s End.
13 – Terço (de verga) – Bunt of Yard, Yard Bunt.
As vergas tomam o nome das velas que envergam (ou as velas tomam o nome das vergas onde estão envergadas?).
Uma verga tipo, divide-se ao meio em partes iguais (e pesos também iguais) com centro na braçadeira que serve para abraçar o mastro ou masteréu onde trabalha (Desenho 4-1-5) numa zona normalmente hexagonal que tem o nome de "terço" (Desenho 4-2-13) prolongando-se para as pontas com forma cónica, estreitando no final numa ponta, também cónica mas mais estreita, que toma o nome de "lais" (Desenho 4-1-12).
Na zona mais estreita da verga, antes do lais, podem existir "cunhos" e/ou "roldanas embutidas" que servem para a sustentação e manobra das vergas (Desenho 4-1-11).
Nos mastros do traquete e do grande - nas vergas reais, nas vergas das gáveas e nas vergas do joanete (em alguns veleiros também nas vergas do sobre) - normalmente existiam aros (dois por cada bordo) o aro de dentro (Desenho 4-1-9) e o aro de fora (Desenho 4-1-10) onde trabalhavam os "paus de varredoura" (nas vergas reais), os "paus de cutelo" (nas vergas do joanete) e os "paus de cutelinho" (nas vergas do sobre), que serviam para envergar velas auxiliares com estes nomes aumentando a área vélica do navio.
A técnica da manobra destas velas bem como a sua aplicação durante as viagens dos veleiros, por terem deixado de ser usadas muito antes do desaparecimento da navegação à vela, tem sido sujeita a controvérsia.
Para alguns, o recurso a estas velas auxiliares só existia em situação de ventos muito fracos o que possibilitava o ganho de mais 1 ou 2 nós na velocidade dos navios. As velas não se encontravam envergadas nos paus - eram montadas na altura - e a manobra era feita por um marinheiro que manipulava os cabos destas velas como se fossem um "papagaio". Outros defendem (eu incluído) que estas velas auxiliares eram usadas mesmo em situações de borrasca e serviam para aproveitar os ventos que sopravam de forma a aumentar substancialmente a velocidade do navio.
A favor desta última hipótese milita a iconografia da época (séc. XVIII, e XIX) onde aparecem, em várias pinturas, navios a navegar com mar encapelado com varredouras, cutelos e cutelinhos lançados. Também a questão destas velas não se encontrarem nos seus lugares e só serem "envergadas" na altura, é contrariada por alguns manuais de guerra no mar onde, em algumas tácticas quer de aproximação, quer de fuga, quer de manobra, se aponta o uso destas velas. Concretamente no tempo de Lord Nelson e da independência dos USA.
Não sendo de forma alguma um documento histórico, existe uma cena no filme "Master and Commander - O Lado Longínquo do Mundo" quando o navio do capitão Jack Aubrey - o "HMS Surprise" - é perseguido pelo navio francês "Acheron" perto de um banco de nevoeiro e, de repente, o "Acheron" dispara (literalmente) as varredouras, os cutelos e os cutelinhos quase em simultâneadade o que pressupõe uma preparação prévia destas velas. A forma como elas aparecem ao vento é bastante rápida e está em linha com as tácticas de guerra no mar da época. E é de ter em atenção que a equipa de consultores do filme em questões de manobra de navios de guerra dessa época, foi constituída pela "nata" dos peritos internacionais. Ninguém tem a certeza mas esta cena pode muito bem ter sido assim na realidade. A barca "Europa", da Holanda, nas suas viagens de recreio e instrução por todo o mundo, tem testado várias teorias sobre estas velas e, as que defendem a operação comandada por um homem que manobra as velas têm-se revelado, no mínimo, extremamente cansativas e só possíveis de executar com ventos fracos.
Existe um nó na arte de marinheiro ou melhor, dois nós, que se chamam: um "pronto para disparar para os dois lados" e o outro "pronto para disparar para um lado" que possibilitam, puxando uma das pontas do cabo, que o nó se desate "à distância". Este nó é o vulgar nó dos atacadores dos sapatos. O que fica bem feito, com duas laçadas, é o "pronto a disparar para os dois lados". O que fica mal feito, só com uma laçada com a outra ponta do atacador a arrastar pelo chão o "pronto a disparar para um lado". Possivelmente este nó entre outras aplicações também era usado para disparar estas velas auxiliares préviamente preparadas.
(continua)
Um abraço e...
Bons Ventos