31.07.18
29 - Modelismo Naval 7.5 - "Cutty Sark" 2.4
marearte
(continuação)
Caros amigos
Viagens 16 a 25 – Capitão Richard Woodget
Ao longo dos séculos, na Grã-Bretanha, existiram inúmeros marinheiros que serviram tanto em navios à vela como em navios a vapor. Mas entre desse número incontável de marítimos, há um grupo que se destaca, um grupo formado por aqueles que, por causa de sua marinharia e outras habilidades a bordo, destacam-se claramente no mundo das ações marítimas e do heroísmo. Estes homens do mar estão inscritos nos anais da história marítima como é o caso de Horatio Nelson, que nasceu em "Burnham Thorpe" em Norfolk, e que se destacou pelos seus feitos na Marinha de Guerra Inglesa.
O cemitério em Burnham Norton onde possivelmente se encontra sepultado o capitão Woodget
Outro grande marinheiro foi o Capitão Richard Woodget que nasceu a uma curta distância de Burnham Thorpe em Norfolk, terra de nascimento de Nelson. Richard Woodget (que tomou o nome da propriedade agrícola do pai – Woodget) nasceu em 1845 em "Burnham Norton", no condado de Norfolk. À sua educação na escola da aldeia de Burnham Market, seguiu-se um contrato com” Bullard, King & Co” em 1861 tendo-se engajado no pequeno navio "Johns". Foi o início de uma carreira que fez de Richard Woodget um dos maiores capitães da Marinha Mercante da Grã-Bretanha.
O seu primeiro navio era de navegação de cabotagem entre a Tyne e o Tamisa mas, um ano depois, o aprendiz Woodget foi enviado para a escuna "Paz". Em 1863 foi para o brigue de 196 toneladas "British Insign", navio no qual ele iniciou as deslocações para fora da Inglaterra e tomou, pela primeira vez, o gosto da vida a bordo. Neste navio, ele visitou o Mediterrâneo Oriental, a África do Sul e as Índias Ocidentais. No final do seu contrato em 1865, foi transferido para o "Faith" de 50 toneladas, outro navio de cabotagem no qual ele era o único oficial e onde tomava parte nos quartos de vigia. Em embarcações deste tamanho, geralmente havia uma tripulação de não mais de cinco tripulantes cuja alimentação era fornecida pelos próprios que a traziam para bordo.
As primeiras viagens do capitão Woodget como marinheiro foram efetuadas entre o rio Tyne (Newcastle) e o rio Tamisa (Londres), dentro de um itinerário parecido com o que está traçado a vermelho no mapa supra
A partir de então, atingiu o certificado de 2º oficial, e navegou pela costa leste ao serviço da “Geordie Collier Brigs” (transporte de carvão) até conseguir o certificado de imediato e depois o de capitão. Os veleiros em que ele serviu durante esse período foram as barcas "Dolphin" e "Charles Lambert" que eram de cerca de 350 toneladas, o brigue "Twedsdale", o clipper "Alexandra", as barcas "Princess Dagmar" seguida por "Abbotsford", "Isabel" e "Nina", como imediato da escuna "Freak" de 98 toneladas, oficial na barca "Priscilla" e depois em 1874, primeiro como segundo oficial e depois como imediato, entrou para o seu maior navio até aquela data, o clipper de 876 toneladas "Copenhague", uma embarcação na qual serviu por seis anos. Em 1881 recebeu o seu primeiro comando do armador John Willis, o clipper "Coldstream", de 756 toneladas no qual ficou até 1885. Foi neste navio que ele provou ao empregador que era um marinheiro e capitão da mais alta qualidade.
Enquanto esteve a bordo do "Coldstream", o capitão Woodget deve-se ter roído com inveja enquanto era observado com desprezo por todas as embarcações de vela que o deixavam na esteira, especialmente os clippers que muitas vezes o ultrapassavam e desapareciam no horizonte dentro do mesmo quarto de vigia. Na realidade o navio construído em teca e pesado, tinha tantos anos quantos Woodget tinha de idade. Era lento e bastante imprevisível e precisava de um vento rijo para obter algo como dez ou mesmo nove nós. Maior velocidade era muito difícil de atingir, mesmo com bons capitães. Apesar disto, Richard Woodget foi um capitão que conseguiu tirar o melhor proveito deste navio antigo, muito diferente do capitão antes dele. Obteve pequenos lucros com o navio mas constantes, para o seu empregador. John Willis ficou muito impressionado com as competências de marinhagem e de negócios do seu capitão. Então, quando o "Coldstream" voltou a Londres vindo da Austrália, em Março de 1985, John Willis levou o capitão Woodget à doca da Índia Oriental onde o "Cutty Sark” estava a ser carregado.
Foto do “Cutty Sark” feita pelo capitão Woodget na baía de Sidney
À medida que o lindo e elegante clipper se definia mais nitidamente no horizonte, John Willis disse a Woodget que o capitão Moore, que tinha sido o seu comandante nas últimas três viagens, estava prestes a ser transferido para o seu navio bandeira o "The Tweed" e, como recompensa pelos seus esforços, o capitão Woodget deveria passar a comandar o "Cutty Sark". Para Richard Woodget, deve ter sido como um sonho tornado realidade, especialmente depois de ter navegado em alguns dos navios em que navegou.
Mas o capitão Woodget não tinha recebido o comando do "Cutty Sark" apenas para seu próprio benefício. Um outro intuito ligava-se ao destino para o qual John Willis tinha mandado construir o “Cutty Sark”. Cumprir o que tinha sido o almejado com o projeto e a construção e que nenhum capitão até à data tinha sido capaz de alcançar: obter o máximo de desempenho do “Cutty Sark” e colocar o "Thermopylae" firmemente no seu lugar, obtendo alguns recordes de vela!
O “Thermopylae” no final da sua viagem inaugural em 1869
O “Thermopylae” quando foi vendido ao Canadá em 1890 já com os mastros encurtados em 7 pés (2,13m)
O “Thermopylae” já convertido em barca na altura em que foi comprado por Portugal (1895) para ser transformado no futuro navio escola “Pedro Nunes”. É de notar o comprimento do pau da bujarrona que é 10 pés maior do que os dos navios similares em tamanho o que melhorava a exposição ao vento das velas de estai, permitindo ao navio navegar mais chegado ao vento.
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Sobre a história do “Thermopylae” em Portugal, podem consultar neste blogue o post nº 20 onde essa história é contada. Embora nesse post tenha lamentado o torpedeamento propositado do “Thermopylae” na baía de Cascais pela Marinha Real Portuguesa (1907), vim a descobrir posteriormente que o estado de conservação do navio era bastante mau, que esse estado já vinha da Inglaterra e que ao fim de 19 anos de idade o navio – 2 anos antes de ser vendido para o Canadá que o despachou para Portugal 5 anos depois – já tinha sofrido reparações profundas no casco e nas vergas, dizem que por questões da qualidade da madeira da construção. No entanto não deixou de ser considerado pela Lloyds como um A1, tal e qual o “Cutty Sark”. Possivelmente para Portugal o navio tinha um mal para o qual não havia cura que fosse economicamente viável. País pobre, pobrezinho!
Mas a esta história há que juntar um outro clipper que também foi comprado aos ingleses, este por “tuta e meia” em 1869, também para servir como navio escola. Chamava-se “Thomas Stephens”. O estado de conservação do navio era péssimo. Era um clipper construído em ferro em 1869 que, depois de algumas confusas peripécias de passagem de mão mesmo antes de estar construído, começou a navegar na linha da Austrália durante 24 anos como carregueiro e em Julho de 1893 foi apanhado por uma enorme tempestade no Pacífico Sul tendo sofrido grandes estragos no convés e no aparelho. Três anos depois, em 1896, ao chegar a Londres, tinha sido vendido a Portugal, em Abril.
Veio para Portugal debaixo do comando do capitão Gomes (?) e com tripulação portuguesa acompanhado pelo capitão Belding, antigo comandante do navio. No Golfo da Biscaia o navio incendiou-se e foi graças à ação do capitão Belding em conjunto com a tripulação, que se conseguiu extinguir o fogo. Chegou a Lisboa sem mais sobressaltos e o capitão Belding foi condecorado com uma alta condecoração (?) e convidado a ficar como “consultor” num programa de treinamento de pessoal. O navio foi recuperado do fogo, batizado com o nome de “Pero d’Alenquer” e iniciou uma “nova” carreira como navio de treino da marinha mercante sob o comando do capitão Gomes, tendo partido de Lisboa com destino a Lourenço Marques e 8 de Outubro de 1896. Na passagem de regresso o navio tocou Luanda onde meteu uma carga de carvão rumando a Lisboa onde chegou a 9 de Julho de 1897.
A segunda viagem foi para a Índia, a terceira e a quarta foram novamente para Lourenço Marques com carregamentos de carvão de Moçâmedes (Angola). Embora tenha sido usado com uma certa intensidade, não voltou aos mares do sul nem a enfrentar a passagem do cabo Horn. Tal como o “Ferreira/Cutty Sark” e o “Pedro Nunes/Thermopylae”, as suas viagens tiveram grandes intervalos; ficou fundeado no Tejo desde 1909 a 1911 sendo usado como alojamento e como navio de treino estacionário. Em 1911 foi abatido ao efetivo e foi usado como depósito de carvão.
Mas no Verão de 1912, com a idade de 43 anos, foi vendido comercialmente (?) e recuperado para o serviço mercante. Em Dezembro de 1915 largou de Lisboa com destino a Boston onde carregou carga geral, tendo deixado esse porto com destino a Lisboa em 17 de Março de 1916. A 1ª Grande Guerra estava no seu auge tal como o mau tempo no Atlântico Norte. Nem o navio nem nenhum dos seus tripulantes voltaram a dar notícias.
Como nenhum U-Boat reclamou o afundamento do navio, só se pode presumir que o “Pedro d’Alenquer” se afundou e perdeu-se com todos os seus tripulantes.
O “Thomas Stephens” enquanto novo
Desenho de John Richardson
O“Pero d’Alenquer”
Mas há mais!
Também o "Argonaut" e o "Otago" foram comprados pelos armadores "J. & A. Ferreira".
O "Argonaut" foi construído nos estaleiros de "Barclay, Curle & Co. Ltd." em 1876 e era um clipper de casco de ferro com 72,5m de comprimento e 11,8m de boca, para o armador "A. & J. Carmichael" de Greenock na Escócia para quem navegou até 1898 tendo nesse ano sido vendido ao armador português "J. & A. Ferreira" que o rebatizou com o nome de "Elvira", passando a chamar-se "Argo", a partir de 1913. Segundo a documentação, foi afundado no Atlântico nas coordenadas 47º 46' N 10º 45' W pelo submarino alemão SM U-34 em 23 de Março de 1917.
O "Argonaut" - "Elvira" - "Argo"
O "Otago", também um clipper "composite" de 1050 toneladas foi construído em 1869 no estaleiro de "Duncan & Co." em Glasgow para "P. Henderson & Co." também de Glasgow. Em 1881 foi vendido também a "J. & A. Ferreira" de Portugal tendo sido registado com o nome "Emília". Como o "Argo", também foi afundado no Atlântido pelo submarino alemão SM UC-20 em 1916, ao largo das Canárias.
O "Otago" - "Emília"
Nota: Existiu um outro navio na época com o mesmo nome de "Otago" que foi comandado durante um ano e pouco pelo escritor Joseph Conrad - ex-oficial da marinha mercante e o autor do célebre livro "Coração das Trevas" que inspirou o filme de 1970 "Apocalypse Now" de Francis Ford Coppolla. A armação deste "Otago" era de barca.
UM APELO - Tenho procurado saber onde encontrar informações sobre o armador "J. & A. Ferreira", mas não tenho encontrado nada de substâncial. Se por acaso alguém ler este post e, também por acaso, tenha alguma informação sobre este armador ou sobre um arquivo onde esteja o espólio da empresa, fico desde já agradecido se tiver a amabilidade de me informar. O meu obrigado desde já.
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Continuando, depois deste parentisis sobre os clippers portugueses, na verdade estava-se numa era em que muitos capitães haviam optado pelos navios de vapor mais confortáveis e os bons marinheiros de 1ª (AB) na vela, eram cada vez mais difíceis de encontrar. Mas, como veio a acontecer mais tarde, Richard Woodget da pequena aldeia de Norfolk, estava destinado a cumprir esse objetivo.
Uma coisa que o proprietário de "Cutty Sark" e seu novo capitão tinham em comum, era que ambos eram homens da vela comprometidos e ambos se opunham ao vapor, fato confirmado por Willis não ter nenhum navio a vapor na sua frota e por Woodget, que poderia ter tido comandos de navios a vapor, ter escolhido, em vez disso, os navios de vela. Portanto, em 30 de Março de 1885, Richard Woodget contratou com o "Cutty Sark" como seu capitão. A ironia de tudo isto no entanto, é que ele foi o último capitão do navio, sob a “Red Insign”. Se ele tivesse recebido o comando do "Cutty Sark" muitos anos antes, quando os clippers do chá corriam para casa, vindos da China com a primeira safra, então a história marítima da "Rota do Chá" podia ter sido muito diferente.
O capitão Moore que, de fato, tinha herdado um navio moribundo e arruinado da mão do capitão Bruce, fez tudo – mesmo que só tivesse feito três viagens – o que um bom capitão devia fazer para trazê-la de volta a um estado de respeitabilidade e navegabilidade. Quando Moore se transferiu para o "The Tweed", deixou o "Cutty Sark" em condições impecáveis, mas levou consigo os seus aprendizes confiáveis.
Ao mesmo tempo, os aprendizes do “The Tweed” foram para "Cutty Sark". Junto com os aprendizes também foi o cozinheiro Tony Robson, um homem de descendência oriental que, junto com o capitão Woodget, passou os seguintes dez anos no "Cutty Sark".
Tripulação dos veleiros com a roupa que na maioria dos dias de viagem era usada no convés: suestes, fatos de oleado e botas de mar. Evitava ficarem encharcados mas também podia contribuir para que desaparecessem no mar
A tripulação para a 16ª viagem era constituída pelo capitão Woodget, 1 imediato, 1 segundo oficial, 1 terceiro oficial, 6 aprendizes, 1 contramestre, 1 mestre veleiro, 1 mestre carpinteiro, 1 despenseiro, 1 cozinheiro, 10 marinheiros de 1ª (AB) e 1 marinheiro ordinário (OS), num total de 25 sem contar com o capitão.
Deixando Londres em 1 de Abril de 1855, para o capitão Woodget foi como se tivesse estado nos últimos 25 anos a dirigir cavalos de tiro e agora, por artes mágicas, passasse a dirigir um cavalo de corrida puro-sangue. De fato, um navio da mais alta qualidade! O navio deve ter-se sentido como um ser vivo quando ele colocou o “ Cutty Sark” num andamento regular rumo a Sidney e, apesar dos ventos fracos sentidos por muito tempo, chegou ao seu destino em 20 de Junho de 1855 (meio do inverno) após 77 dias, superando todos os seus concorrentes na corrida para a Austrália. (1)
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(1) Na realidade, esta “corrida da lã” de Londres/Austrália/Londres não foi a mesma coisa do que a “corrida do chá” da China para Londres. Na segunda existiam, além das apostas efetuadas sobre quem chegava primeiro a Londres com as caixas de chá cheias de folhas da última colheita, prémios pecuniários estabelecidos para o barco vencedor.
No caso da “corrida da lã” o que interessava não era chegar primeiro mas sim demorar menos tempo nas várias etapas do percurso (hoje chamar-lhes-iam “pernas” do percurso) ou seja Londres – Austrália, Austrália – Cabo Horn, Cabo Horn – Equador, Equador – Londres e na totalidade do percurso. E estas vitórias tinham como compensação a satisfação pessoal do armador, do capitão e dos tripulantes por serem os vitoriosos da altura. Procurei por compensações pecuniárias, não encontrei nenhuma referência a elas mas estou em crer que existiam. E apostas “por fora” deviam de ser bastante concorridas a ajuizar pela tendência para apostar em tudo o que mexa (ou que esteja parado) dos ingleses de hoje.
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Mapa da costa Sudeste e Este da Austrália e a Nova Zelândia. Destaca-se na costa da Austrália do Sul para o Norte o estreito de Bass com o “South East Point-Promontório Wilson” no estado de Victória, “Cape Howe”, “Sidney” e “Newcastle” na Nova Gales do Sul e “Brisbane” já no estado de Queensland.
Na Nova Zelândia a passagem do Norte, a norte de “Three Kings Island”, que por vezes era usada pelos navios saídos de Brisbane com destino ao cabo Horn, o Estreito de Cook entre a Ilha do Norte e a Ilha do Sul, que liga o Mar da Tâsmania ao Pacífico e que possibilitava, para os navios vindos de Sidney, Newcastle ou Brisbane tendo como destino o Atlântico, uma entrada rápida na zona dos ventos entre os 40o e os 50o Sul e o contorno do “West Cape” e passagem para o Pacífico pelo Estreito de Foveaux” entre a Ilha do Sul e a ilha Stewart, para quem arriscava os ventos ululantes e o gelo para chegar mais depressa ao cabo Horn.
À chegada a Sidney, P Conway, um AB e um OS (marinheiro comum) A Perry que estiveram trabalhar pela passagem por 1s por mês, desembarcaram. E Wicker, um AB, foi despedido (provavelmente por doença) e outros dois AB’s, CF Ersson e O Ovens, bem como o mestre veleiro do navio, desertaram. Isto deixou o capitão com dezanove tripulantes, mas ele sabia poder confiar em todos eles tanto quanto eles confiavam nele. Portanto, nenhum novo tripulante (dos dispendiosos marinheiros de Sidney) foi contratado e assim o capitão Woodget economizou o salário de quatro AB’s e de um mestre veleiro e estava bastante confiante em que poderia conseguir levar o seu navio com segurança para casa, mesmo com uma equipe tão reduzida.
Após uma espera de três meses pela partida de lã, o “Cutty Sark” deixou Sydney para Londres em 16 de Outubro de 1885 com 4.465 fardos de lã e outras mercadorias, usadas como lastro de estabilidade. O capitão Woodget deveria levar o seu navio pela volta do cabo Horn onde os ventos fortes eram geralmente mais disponíveis, uma rota diferente da que havia feito na viagem de Londres, Embora já tivesse feito a passagem do cabo Horn antes, era a primeira vez que o ia fazer no comando de um navio. Para apanhar os fortes ventos desejados, levou o navio até 58o Sul onde o avistamento de icebergs era comum.
No percurso para o cabo Horn, os ventos guinchantes fizeram os danos habituais no aparelho mais elevado do navio, mas o “Cutty Sark” singrou com elegância e arredondou o cabo Horn em 8 de Novembro após 23 dias. Daqui, levou 20 dias para alcançar o Equador. Neste percurso o "Cutty Sark" arrebatou o recorde de duração “Cabo Horn-Equador” ao clipper "Heather Bell", que era de 21 dias.
A viagem para casa desde o Equador estava a ir bem até que o Ushant (do lado da França, na entrada sul do Canal da Mancha) foi alcançado. Mas a partir daqui o vento amainou e o navio avançou fazendo apenas dois ou três nós por cinco dias consecutivos, o que veio impossibilitar o que poderia ter sido uma excelente viagem para o capitão Woodget. No entanto, na chegada a Londres em 29 de Dezembro de 1885, após uma viagem de 74 dias, o "Cutty Sark" bateu todos os outros navios de transporte de lã por mais de uma semana, e isso incluiu o seu grande rival "Thermopylae". John Willis estava tão satisfeito com o capitão Woodget e com o "Cutty Sark", que mandou fazer em silhueta, cortada de uma folha de latão, o contorno de uma "Pequena Camisola" - que supostamente, era usada pela bruxa "Nannie Dee" - para ser colocada no topo do mastro principal como um catavento durante a permanência nos portos. No entanto, e apesar do seu excelente desempenho, o navio não pôde obter uma carga geral e teve que ficar satisfeito com uma carga de sucata para Shangai.
A silhueta da "Pequena Camisola" que foi usada como catavento no "Cutty Sark" quando da sua permanência nos portos de escala
Na sua 17ª viagem, o "Cutty Sark" matriculou em Londres em 15 de Fevereiro de 1886. A tripulação era composta por 25 membros. Incluídos na tripulação estavam Robert Andrewes, de 21 anos, 3º oficial, e o seu irmão Walter, aprendiz, de dezoito anos de idade. Durante a maior parte da passagem sopraram ventos médios. Tendo aportado em Anger após noventa e seis dias – de onde o capitão trouxe dois macacos – o "Cutty Sark" chegou ao seu destino, depois de uma longa e tediosa viagem de 124 dias, em Junho de 1886. A sucata de ferro foi descarregada, mas não havia nenhuma carga para transportar. Joseph Murphy, o contramestre de 54 anos morreu em Shangai em 25 de setembro de 1886. Foi substituído por John Usher um AB de Surrey. Depois de uma espera de três meses, não havendo nenhuma carga consignada, o navio navegou em lastro para Sidney em Outubro mas, quando chegou, a 5 de Dezembro, estava atrasado para a campanha de lã desse ano e três meses adiantado para a próxima.
Adernado a bombordo era a forma como os capitães dos clippers gostavam de governar estes navios. De assinalar as figuras minúsculas dos homens no convés e o seu equilíbrio precário, menos do que se encontra à direita da fotografia que aparenta estar como em casa.
Em 23 de março de 1877, Carl Lundberg, um AB sueco, assinou por 1 xelim por mês para a sua passagem de volta a Londres. Três dias depois, em 26 de março de 1887, o navio zarpou com 4.296 fardos de lã. O “Cutty Sark” foi apanhado em calmaria durante os primeiros quatro dias depois de deixar Sidney, mas depois de rumar a Sul, navegou através dos icebergs com ventos rijos de Oeste até arredondar o cabo Horn em 19 Abril. Esses ventos rijos continuaram até Rio da Prata, uma região onde o aprendiz Walter Andrewes foi arrastado para o mar por fortes vagas. O seu irmão mais velho, o 3º Oficial que estava a trabalhar ao seu lado, só pôde assistir horrorizado. Mas, não pela primeira ou pela última vez na história marítima, o jovem aprendiz como tantos outros homens antes e depois dele, foi trazido de volta ao convés no seguinte rolamento do navio para sotavento.
Mas mais drama iria acontecer nesta viagem de retorno a casa quando, ao largo dos Açores, o navio foi surpreendido por uma súbita mudança da Intensidade do vento. Mas felizmente, as velas que estavam nas vergas eram velas de bom tempo (menos pesadas e menos resistentes), que rapidamente se esfarraparam deixando de resistir ao vento. Se as velas fossem de mau tempo (mais pesadas e mais resistentes) certamente trariam os mastros para baixo. A viagem até Londres terminou em 6 de Junho de 1887 após a passagem de 72 dias, e não é necessário dizer que o “ Cutty Sark” havia mais uma vez ultrapassado todos os que partiram antes dele e efetuou a passagem mais rápida do ano desde a Austrália. Para o capitão Woodget, um fato irónico foi o navio ter-se atrasado 4 dias à saída de Sidney devido à ausência de vento.
A “ginga” do capitão Woodget para dar umas voltinhas no “velódromo” do convés do “Cutty Sark”. Topo da gama das BTT da altura, pelo aspeto geral devia de ser o modelo italiano “Leonardo da Vinci”. Pneus anti furo de liga leve, nada das chinesices de corrente e travões, selim e guiador ergonómicos, molas de suspensão do último grito, tração direta à roda pedaleira. Tudo coisas que o mestre carpinteiro – que também era ferreiro – podia consertar a bordo rapidamente, caso fosse necessário.
Um dos aprendizes nesta viagem foi Toby Mayall, de 14 anos, na sua primeira viagem ao mar. Era o filho de um fotógrafo conceituado e durante a viagem, o capitão Woodget soube da profissão do pai, tendo mais tarde contatado o fotógrafo através do seu filho. Depois desse contato, comprou todos os equipamentos fotográficos necessários para começar, a par do andar de bicicleta e de criar cães "Coolie", um novo passatempo – a fotografia. Durante o resto da sua permanência no “Cutty Sark”, o capitão Woodget tirou e revelou muitas fotografias históricas, que têm sido impressas em várias publicações.
Novo contrato foi efetuado em Londres em 15 de agosto de 1887 para a viagem 18, tendo o “Cutty Sark” largado dois dias depois em direção a Newcastle NSW. Cruzando o Equador 32 dias depois no dia 19 de outubro, tendo passado as ilhas "Tristan e Gough" para estabelecer um curso para o leste. No entanto, três dias depois, o navio foi parcialmente desarvorado. O incidente aconteceu logo após a meia-noite a 39o Sul 45o Este a 22 de Outubro de 1887, quando o “quarto da modorra” entrou de vigia. Havia um novo homem no leme e um novo oficial de quarto no convés, e a roda do leme estava pesada, com as vergas nos brandais. Mas o vento de repente mudou de direção para virar de estibordo para bombordo. Em primeiro lugar, o imediato Jerry Dimint e o homem na roda do leme reagiram tardiamente. O resultado final foi que o mastaréu do joanete do traquete cedeu para estibordo, levando consigo a vela do joanete e algum do aparelho a ele associado. O capitão Woodget pôs o navio de capa para efetuar reparos.
Localização das ilhas Tristão da Cunha e Gough no Atlântico Sul
Ao nascer do dia, o vento forte felizmente amainou tendo passado a uma suave brisa, um intervalo de tempo que permitiu que o capitão Woodget estudasse todas as peças e equipamento que haviam caído na escuridão, muito do qual estava pendurado na amurada e arrastava no mar. O aparelho de recurso levou dois dias a ser montado mas, enquanto as reparações estavam a ser feitas, o navio ainda fazia um bom caminho. Mesmo a navegar com o aparelho de recurso, o ”Cutty Sark” ainda conseguiu atingir mais de 200 milhas por dia, e no dia 11 de Novembro fez 330 milhas em 23 horas e meia. Aportou em Newcastle NSW no dia 17 de Novembro de 1887 e apesar dos seus infortúnios, o “Cutty Sark” tinha levado 89 dias nesta viagem.
Depois que a carga geral foi descarregada e depois de 4.515 fardos de lã terem sido carregados para Londres, o “Cutty Sark” passou o Natal em Newcastle NSW, antes de zarpar em 28 de Dezembro de 1887. Mais uma vez, dirigiu-se para o Sul onde sopram os fortes ventos dominantes de Oeste. Mas tão longe para o Sul Woodget levou o “ Cutty Sark” que, durante duas semanas ficou acima da marca de 60o Sul (os Guinchantes Sessenta) e em seguida, para obter o vento necessário, levou o navio para uma latitude superior a 64o 50’ Sul em 16 de janeiro de 1888. Escusado será dizer que, mesmo sendo Verão no hemisfério Sul, havia muitos icebergs no mar e também muito gelo no equipamento. O cabo Horn foi dobrado em 22 de Janeiro, 25 dias depois de deixar Newcastle NSW, e o Equador foi cruzado em 15 de fevereiro. O “Cutty Sark” teve uma boa viagem até casa e, depois de 71 dias, chegou a Londres em 10 de Março de 1888. Mais uma vez, o “Cutty Sark” voltou para casa em primeiro lugar e assim derrotou toda a frota da lã entre 12 e 59 dias.
“The West India Docks”, em Londres, c.1894.
Fotografia por Peter Facey
(continua)
Um abraço e…
Bons Ventos.