24.05.15
18 - Modelismo Naval 4 - Os Fabulosos Clippers da China - Parte 3
marearte
(continuação)
Caros amigos
A corrida do chá
O monopólio da Companhia Inglesa das Índias sobre o comércio do chá vindo da China para a Inglaterra cessou em 1834. A partir daí, vários comerciantes de chá ingleses competiram entre si - por uma questão comercial - para ver quem era o primeiro a chegar à Inglaterra com as arcas das novas colheitas de chá.
Arca de chá antiga para transporte em barco (c. 1960, arcas iguais a esta eram usadas no transporte do chá em Moçambique com as medidas de 61cm de altura por 49cm de comprimento e de largura. As arcas usadas nos clippers eram iguais só não sei se tinham estas medidas)
Os que transportavam o carregamento mais rápidamente da China para a Inglaterra, começaram a poder pedir e obter uma taxa de frete mais elevada do que os outros. A rapidez do transporte do chá da China para a Inglaterra tinha influência na qualidade do mesmo na altura da venda (tudo dependia da qualidade do chá que era comprado na China que às vezes era enviado antes de tempo e não estava completamente maturado) e quanto mais cedo chegasse à Inglaterra, melhor preço atingia no retalho.
Os incentivos eram efectuados por comerciantes através do pagamento de um prémio sobre a tonelada de chá ao primeiro navio que atracasse na doca.
Em 1854, o navio "Vision" tinha previsto no seu contrato um prémio de 1£ por tonelada se fosse o primeiro a atracar na doca de Londres. Em 1855, os navios "Maury" e o "Lord of the Isles" competiram por um prémio de 1£ por tonelada, sendo o mesmo ganho pelo segundo navio.
"Lord of the Isles"
É de notar que o prémio não dependia só da velocidade da viagem mas também da rapidez da estiva no porto de origem, estiva essa que era muito minuciosa, com distribuição das arcas e de lastro muito bem balanceados, o que permitia uma viagem mais segura em quaisquer condições de tempo.
Em 1861 os importadores ofereceram um prémio de 10s por tonelada ao primeiro navio que atracasse em Londres. O vencedor foi o "Fiery Cross" que voltou a ganhar em 1862, 1863 e 1865.
O "Fiery Cross" (1º plano) e o "Serica" (2º plano) em competição na grande corrida de 1866
Tal como hoje os aficcionados seguem os resultados do futebol e de outros desportos, naquela altura seguia-se pelos jornais os resultados destas corridas ao longo da rota sempre que havia notícias. Não havendo ainda possibilidades de transmissão directa dos navios para a Inglaterra as notícias eram transmitidas de terra - por linha telegráfica - por "reporteres" estratégicamente colocados em pontos em terra donde era possível observar a passagem dos clippers. Na ausência de notícias especulava-se, tal como agora, e as apostas a dinheiro eram quentes. Londres fervilhava de emoção!
Uma lista incompleta indica, para o ano de 1866, a presença de 57 navios na China espalhados pelos portos de Foochow, Hankow, Shangai, Woosung, Cantão e Hong Kong.
Em Maio de 1866 encontravam-se ancorados em Pagoda Anchorage no rio Min (porto de Foochow), 16 clippers de chá, sendo os mais rápidos o Ariel, o Fiery Cross, o Serica, o Taitsing e o Taeping.
"Taeping" e "Ariel" em disputa
Depois do carregamento e estiva do chá partiram a 29 de Maio em marés diferentes e fizeram-se ao mar com vento moderado de Nordeste com rumo "Sul por Leste meio Leste" que corresponde na bússula moderna a 163 graus.
A rota que tomaram foi a normal de retorno através do Mar da China, entrando no Oceano Índico pelo estreito de Sunda (Mar de Java), passando as Maurícias, entrando no Atlântico passando o Cabo Bojador, rumando a Oeste dos Açores e chegando à Inglaterra pelo Canal da Mancha.
A rota de retorna a casa do "Ariel" em 1866
Estreito de Sunda que liga o Mar de Java ao Oceano Índico
Depois de algumas peripécias e uma forte competição já na parte final da corrida e em águas inglesas, a corrida acabou por ser ganha pelo "Ariel" que atracou na doca das Índias Orientais às 22h15 de 5 de Setembro de 1866 seguido do "Taeping" com 55 minutos de diferença. O "Serica" atracou com uma diferença de 1H15 do "Ariel". 28 horas depois atracou o "Fiery Cross" e no dia seguinte o "Taitsing". É espantoso como 3 navios à vela, percorreram mais de 14.000 milhas e docaram com tão pouca diferença de tempo!
O prémio de 10s por tonelada foi repartido, por acordo de cavalheiros, entre o "Ariel" e o "Taeping", embora o "Ariel" tivesse ganho mais um prémio extra a que tinha direito, de 5£ por tonelada, conforme o que estava estipulado no seu contrato.
No mesmo ano, o vapor "El King" zarpou de Foochow 8 dias depois do "Ariel", com passageiros e uma carga de chá tendo chegado a Londres 15 dias antes dos clippers.
O Canal do Suez abriu em 1869 e veio encurtar a rota em 3.300 milhas. Embora fosse posível navegar o canal com barcos à vela, não era nem fácil nem aconselhável, sendo portanto uma rota proibida para eles que teriam de continuar a contornar África pelo Sul. Era o início do fim da época dos clippers. Continuou ainda por alguns anos a corrida do chá mas já sem incentivos monetários por parte dos comerciantes. Passou a ser uma competição desportiva onde os "gentlemen" ingleses gastavam dinheiro em apostas.
Os cinco navios que foram os primeiros classificados na "Grande Corrida do Chá de 1866" todos desapareceram.
O "Ariel" desapareceu numa viagem de Londres para a Austrália em 1872, o "Taeping" afundou-se no Mar da China em 1871 em viagem para New York, o "Serica" afundou-se nas Paracels (arquipélago no sul do Mar da China constituído por ilhas de areia e barcos encalhados, sem qualquer valor económico, mas com elevado valor estratégico, que é hoje objecto de uma disputa militar acessa entre a China e o Vietname) em 1872 em rota de Hong Kong para Montevideu, o "Fiery Cross" fez o seu último carregamento de chá em 1872/73 e desapareceu em 1889 ou 1893 e o "Taitsing" continuou na rota do chá até 1874/75 e afundou-se na Ilhas Quirimbas (Moçambique/Tanzânia) em 1883.
Os Fabulosos Clippers da China
Em 1990 adquiri nas edições Philae, uma colecção de 8 pratos em porcelana com 24 cm de diâmetro, onde figuram 9 clippers (num dos pratos são representados dois clippers) pintados à mão por Martim Lapa, mestre pintor português. Estes clippers também são conhecidos pelos "Clippers do Chá", os "Clippers do Ópio" e os "Clippers Negreiros".
A colecção pretende reunir os clippers mais conhecidos e significativos.Os clippers representados destacaram-se por terem alcançado recordes durante os anos da corrida do chá e/ou por terem uma história recheada de episódios interessantes. A diversificação de navios com interesse parece ter sido conseguida. Na minha opinião, a não apresentação do "Cutty Sark" em nada deslustra a colecção já que é apresentado o "Thermopilae", seu irmão e concorrente "quasi" gémeo.
Vamos analisá-los um a um e reter as histórias mais características e interessantes.
1 - "Marco Polo"
O "Marco Polo" foi um clipper construído em madeira, com 3 mastros, lançado à água em 16 de Abril de 1851 em Saint John, New Brunswick, Canadá.
Media 56,08m de comprimento, com uma boca de 10,97m e um calado de 8,84m.
Deslocava 1625 toneladas e tinha 2 cobertas e 1 convés.
No dia do seu lançamento á água, no estaleiro de James Smith, o navio descaíu para um dos lados e feriu vários operários.
No verão de 1852, o navio navegou de Saint John (Canadá) para Liverpool (Inglaterra) tendo feito o percurso em 15 dias.
Foi comprado no mesmo ano pela companhia de navegação "Black Ball Line" e convertido em navio de passageiros para a carreira entre a Inglaterra e a Austrália.
Nesse mesmo ano, iniciou a ligação para Port Phillip, na Austrália tendo demorado 76 dias na viagem de ida e outros 76 dias na viagem de volta - sendo o tempo total da mesma de 5 meses e 21 dias - quebrando o recorde que estava em 6 meses - tornando-se assim o navio mais rápido na ligação Inglaterra-Austrália-Inglaterra.
Continuou durante vários anos nesta carreira, transportando passageiros para a Austrália. Diz-se que 1 em cada 20 australianos deve ter as suas raízes nas viagens do "Marco Polo".
Em 7 de Março de 1861, colidiu com um iceberg a norte do Cabo Horn (América do Sul) tendo sofrido reparações em Valparaíso (Chile) e tendo regressado a Liverpool 183 dias depois de saír de Melbourne.
Em 1858 salvou os passageiros e a tripulação do navio de passageiros "Eastern City" que se incendiou no mar perto do Cabo da Boa Esperança.
Em 1867 foi convertido em carregueiro.
Em 25 de Julho de 1883, numa tempestade a norte da ilha do Principe Eduardo, sofreu um rombo no casco . Não conseguiu esgotar a água dos porões e a tripulação, para evitar o afundamento, encalhou o navio na praia e desarvorou-o a fim de que o vento não o virasse. No entanto, o vento era muito intenso e causou o desmantelamento total do navio.
O que resta do navio encontra-se afundado nas águas do "Parque Nacional da Ilha do Príncipe Eduardo". Alguns dos artefactos do navio encontram-se expostos no "Yarmouth County Museum & Archives" em Yarmouth na Nova Escócia, Canadá.
No museu "Merseyside Maritme Museum", em LIverpool, encontram-se duas réplicas das figuras que existiam na popa do navio bem como um modelo do mesmo.
As réplicas das Imagens da Popa e o Modelo
Existe uma associação em New Brunswick, que se encontra, há aproximadamente 20 anos, a construír uma réplica do "Marco Polo" em tamanho natural que se encontra quase concluída.
Para quem tiver a curiosidade de obter mais informação siga esta hiperligação: http://new-brunswick.net/marcopolo/
2 - "Donald McKay"
O clipper "Donald MacKay" com 2594 toneladas, foi construído em 1855 e foi o último "extreme clipper" a ser construído por McKay. O estaleiro construíu mais 12 clippers até 1869 mas todos da classe "medium clipper".
Além de nome de clipper, Donald McKay é o nome de um arquiteto e construtor naval, nascido em Jordan Falls no Canadá em 1810. Com 16 anos foi trabalhar para os estaleiros de Brown & Bell e de Isaac Webb em Nova Yorque nos USA. Com a idade de 31 anos abriu o seu primeiro estaleiro em Newburyport e em 1845 mudou-se para East Boston.
Donald McKay
Maquete dos estaleiros de Donald McKay no "Museum of Science, Boston"
Desde 1842 até 1869 desenhou e construíu 38 clippers, sendo 25 extreme clippers. Os desenhos de McKay são caracterizados por cascos finos com bastante altura e linhas de água bastante compridas.
Entre os 38 clippers da sua lavra, destacam-se 4:
- "Ligthing" que obteve os seguintes recordes:
- 436 milhas náuticas (807,472Km) em 24 horas;
- 64 dias de Melbourne na Austrália a Liverpool na Inglaterra;
- "Sovereign of the Seas" que atingiu a maior velocidade entre os barcos à vela - 22 nós (40,744Km) em 1854;
- "James Baines" atingiu uma velocidade de 21 nós (38,892Km) em Junho de 1856;
- "Flying Cloud" que fez 89 dias na viagem de ida-e-volta Nova Yorque/S. Francisco.
3 - "Titania"
O "Titania" foi construído em 1866 nos estaleiros de Robert Steele & Co. em Greenock na Escócia por encomenda da companhia de navegação marítima inglesa Shaw, Lowther, Maxton & Co. de Londres.
As dimensões do clipper eram de 60,96m X 10,97m X 6,40m e 879,45T nrt, sendo o tipo de construção "composite ship".
O "Titânia" em manutenção na doca seca
Titania é o nome de uma das luas de Urano mas neste caso, o nome do clipper resulta, como se pode confirmar pela figura de proa da imagem, do nome da Rainha das Fadas - Titânia - da personagem de William Shakespeare na peça "Sonho de uma noite de Verão".
"A disputa de Oberon e Titania" pintura de Joseph Noel Paton, c. 1849
Em 29 de Janeiro de 1867 o navio foi desarvorado por uma tempestade perto das ilhas de Cabo Verde. Manteve-se na rota do chá entre a China e Londres (com duas viagens para New York) pelo Cabo da Boa Esperança desde o ano de 1867 a 1879. Em 1872 o seu aparelho foi reduzido. Cerca de 1882 foi vendido à "Hudson Bay Company" e posto ao serviço do comércio de Vancouver pelo Cabo Horn. Em 1894 foi novamente vendido, desta vez para a Itália para ser posto ao serviço do comércio da Maresca, Castellammare para as ilhas Maurícias e América do Sul. Em Março de 1910, partiu-se e afundou-se na área do porto de Marselha.
Durante as viagens na rota do chá, fez alguns trajectos assinaláveis tais como:
1896 - Shangai/Londres em 98 dias sob o comando do capitão W.H.Burgoyne;
1871 - Foochow/Londres em 93 dias sob o comando do capitão J.Dowdy.
Se existem alguns salvados ou modelos do clipper Titania, não sei. Não consegui encontrar nenhuma referência a isso. A referencia ao local do desaparecimento do Titania como sendo na área do porto de Marselha, faz supor que o naufrágio não está localizado e que portanto nada deve ter sido retirado do navio. Nos sites dos principais museus navais do mundo também não se encontra nenhuma referência a modelos do navio
4 - "Nightingale"
O "USS Nightingale" (1851) que aparece na Guerra Civil Americana como navio de abastecimento da frota da União que bloqueou a frota da Confederação e posteriormente numa longa carreira na exploração do Ártico e no transporte comercial, foi anteriormente um clipper do chá e um clipper negreiro que foi capturado na costa de África em 1861 pelo navio USS Saratoga que o tomou como prémio sendo posteriormente comprado pela Marinha dos Estados Unidos que o incorporou na armada.
O navio (extreme clipper) foi desenhado e construído nos estaleiros de Samuel Hanscom Jr. Shipyard em Eliot, no Maine (o estado mais a norte dos USA que faz fronteira com o Canadá na costa atlântica) em 1851 e foi aparelhado e lançado à água perto de Portsmouth, New Hampshire (estado a SO do Maine com uma costa de 50/60 Km tendo no ponto mais a norte dessa costa a cidade de Portsmouth no delta do rio Piscataqua) Tinha as dimensões de 56,38m X 10,98 X 5,79 com uma tonelagem de 657 T (á data do assentamento da quilha seriam 1060, que passaram a 722 ficando após o final da construção nas 657 T).
O Nightingale a navegar sobre a bandeira dos USA
O nome também foi sujeito a ajustamento. Originalmente, quando do assentamento da quilha, chamava-se Sarah Cowles (não sei quem era a senhora). Posteriormente e por causa de uma soprano sueca, Jenny Lind (1820-1887) que fez furor numa tourné nos USA entre 1850 e 1852 (ao ponto de terem dado o seu nome a quase tudo o que foi inaugurado nessa época, desde teatros a barragens passando por ruas e escolas) a quem cognominavam a "Swedish Nightingale" o nome - por decisão dos co-proprietários Mr. Sampson e Mr. Tappan que tinham comprado o navio em leilão em Boston por $43.500 - foi mudado para "Nigthingale", em homenagem a Jenny Lind.
A soprano Jenny Lind by Eduard Magnus, 1862
(Com 42 anos. Na altura da tourné tinha 30)
Mrs.Sarah era a esposa do Mr.Sampsom (co-proprietário do navio). Podemos imaginar a confusão que se teria instalado com a troca do nome:
"- Não Sarah, não é nada disso! É puro amor à arte!"
Como clipper do chá, entrou nas famosas corridas do chá na "Rota do Chá e da Seda" conhecidas pelo elevado valor pecuniário em disputa. Na primeira viagem foi ajustada uma corrida contra o clipper Inglês "Challenger" entre Shangai e Londres. Os donos dos navios fizeram apostas no valor de 2.000£ esterlinas.
Embora não faça uma ideia muito precisa, penso que 2.000£ esterlinas em 1851 deviam corresponder a uma pequena fortuna. Em 1840 um inglês chamado James Robertson, foi contratado pelo Imperio Otomano como Director da Casa da Moeda com um salário de 40£ esterlinas. Ou seja, correspondiam a 4 anos e 2 meses de vencimento de Mr. Robertson. Devia mesmo ser muito dinheiro ou então os consultores expatriados da altura ganhavam muito mal.!
Se por acaso alguém sabe onde encontrar na net um conversor "histórico" de moedas diga-me qualquer coisa. Penso que já vi uma tabela do género mas na altura não liguei muito e agora não consegui encontrar.
O resultado desta corrida foi uma travessia Shangai - Londres ganha pelo ... "Challenger" e a enorme irritação do comandante do "Nightingale", que tinha mau perder, tendo abandonado o navio nas docas de Londres entregue ao chefe dos oficiais e regressado a casa num vapor da "Cunard Lines". Estava mesmo chateado!
Mr. Sampson e Mr. Tappan não ligaram nada à perda das 2.000£ esterlinas (peanuts) mas ficaram bastante aborrecidos com a desonra da bandeira do "Nightingale" (os navios tinham uma bandeira que indicava o proprietário ou/e a companhia). Iniciaram desde logo a procura de um novo skipper tendo a escolha recaído num jovem capitão - Samuel W. Mather - de 29 anos, nascido na Nova Inglaterra- Austrália, com experiência nos mares da China - tinha efectuado uma viagem de Londres para Angier Point em Java (à entrada do Mar da China) que foi a mais rápida alguma vez realizada. Com este trunfo na manga desafiaram novamente o "Challenger" e desta vez, na viagem de retorno Xangai-Londres, o "Nightingale" bateu o "Challenger", tendo chegado a Londres com mais de uma semana de avanço sobre a "Challenger". Não sei qual foi o montante da aposta desta vez. Estava recuperada a honra da bandeira!
Episódios destes povoam a história da Corrida do Chá onde a honra, o cavalheirismo e as tradições navais estão sempre presentes, principalmente quando se trata de desafios entre ingleses (país colonizador) e americanos (país colonizado). Temos o exemplo ainda hoje da "Taça América"!
Em 1853 o "Nigthingale", ainda comandado pelo capitão Mather, continuava ao serviço da Australian Pioneer Line no transporte de passageiros e mercadorias de Londres para Melbourne e de chá dos portos da China para Londres.
No outono de 1860 - tendo sido adquirido por Salem MA, do Rio de Janeiro - atracou no porto de Londres vindo de Nova York tendo ficado evidente que se tinha transformado num navio negreiro embora tenha feito um carregamento de armas, pólvora e tecido de algodão com destino a S. Tomé.
A questão da determinação da nacionalidade dos navios tendo em conta a bandeira sob a qual navegam era, tal como hoje é, inconcludente, já que a maioria das vezes a nacionalidade dos proprietários é outra. É a chamada "bandeira de conveniência". Neste caso, tudo indica que, apesar da bandeira ser brasileira, os proprietários continuavam a ser dos USA. Isto não quer dizer que não tivesse havido negreiros e navios negreiros no Brasil.
O clipper "Nightingale" navegou várias vezes para Cabinda em Angola (foz do Rio Congo) sob bandeira brasileira e transportou um total de 2.000 escravos para Cuba.
Á meia-noite de 20/21 de Abril de 1861, quando se encontrava fundeado perto da foz do rio Congo, Cabinda, foi abordado silenciosamente por botes da chalupa de guerra "USS Saratoga" que encontraram a bordo, a ferros, 961 negros - homens, mulheres e crianças. O navio estava a aguardar a vinda de mais escravos antes de largar para a América.
O skipper do Saratoga - comandante Alfred Taylor - considerou o "Nightingale" como "presa" e entregou o comando do mesmo ao tenente James Guthrie que o levou para a Libéria, uma nação fundada em 1822 pela "American Colonization Society" para refúgio de escravos libertos.
A viagem durou 23 dias, tendo havido um surto de febre que matou 160 negros e 1 membro da tripulação e chegaram a Monróvia a 7 de Maio.
Depois de fumigarem o navio largaram para casa a 13 de Maio. Nesta viagem de regresso, apesar da fumigação, a febre atacou os tripulantes ao ponto de, dos 34 tripulantes só 7 ficaram aptos para as manobras de navegação. Dois marinheiros morreram e o navio chegou a Nova York a 15 de Junho.
"O Navio Negreiro" - poema do poeta brasileiro Castro Alves (1847-1871)
O "Nightingale" foi condenado pelo Tribunal de Prémios de Nova York (New York Prize Court) e comprado pelo US Navy que o integrou, sob o comando do mestre David B. Horne, na armada que fazia o bloqueio à costa dos confederados.
O "Nigthingale" cumpriu a sua missão como navio depósito e estafeta. Durante este período encalhou, mas os navios da esquadra confederada não tiraram partido disso, tendo sido posto a flutuar poucos dias depois e navegado com destino a Nova York com prisioneiros de guerra.
Em 20 de Junho de 1864 foi descomissionado e vendido em hasta pública a D.E. Mayo em 11 de Fevereiro de 1865.
De 1865 a 1867 o "Nightingale" aparece como navio principal da missão da "Western Union Telegraph Expedition" que explorou a Columbia Britânica no Alasca e a Sibéria, com o objectivo da montagem de um cabo telegráfico através do Mar de Bering.
Depois desta expedição o navio continuou ao serviço da marinha mercante até ao seu naufrágio, no Atlântico Norte, em 17 de Abril de 1893.
Desta carreira de 42 anos o que restou?
Além das memórias escritas e da recordação do seu construtor, donos e tripulantes, ficou a figura de proa que representa a soprano Jenny Lind.
A figura de proa do "Nightingale" representando Jenny Lind
Como não podia deixar de ser, também a figura de proa tem uma história.
Em 1994 (101 anos depois do naufrágio do "Nigthinggale"), Svärdskog, um antiquário sueco, acabou por a adquirir numa quinta, na Suécia. Tendo investigado a sua história descobriu que o "Nightingale" tinha estado em manutenção na Noruega em 1885, altura em que a figura de proa foi removida e que o "espantalho" - palavra usada pelo dono da quinta - tinha sido adquirido por um parente dele. Por coincidência, Jenny Lind, "figura de proa", tinha regressado à Suécia.
A figura de proa foi reconstruída obedecendo á sua forma inicial. O corpo foi reconstituído através de técnicas de digitalização por scanner e o escultor inglês Andy Peters recreou a posição original dos braços e esculpiu o rouxinol que se encontra pousado na mão direita de Jenny Lind.
A figura de proa original e a sua reconstituição com o rouxinol
Uma segunda figura de proa aparece referenciada como sendo do "Nightingale" e datada de 1861 o que coincide com a data da sua apreensão e incorporação na armada dos Estados Unidos, durante a guerra entre nortistas e sulistas. Esta figura de proa encontra-se exposta no "Park Service Visitor Centre for USS Constitution" em Boston, MA.
Segunda figura de proa do "Nightingale" (1)
De todos os clippers que foram construídos, conforme o conhecimento actual, só sobreviveram três figuras de proa - as do "Nightingale" e a águia do "Great Republic", construído nos estaleiros de Donald McKay em 1853 e que foi o maior clipper, em madeira, jamais construído (4.555 T).
A figura de proa do "Great Republic"
(1) Esta fotografia é da autoria de: Jim Steinhart, 2011
(continua)
Bons ventos
Até á próxima