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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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22.05.15

17 - Modelismo Naval 4 - Os Fabulosos Clippers da China - Parte 2


marearte

 

 

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Caros amigos

 

(continuação)

 

No post anterior procurei fazer o enquadramento, de uma forma superficial, dos Clippers da China (ou do Chá, ou do Ópio ou Negreiros), abordando um pouco da história do cultivo do chá e de alguns assuntos relacionados com a sua produção e transporte, desde o séc. XIX até aos nossos dias, na China e na Índia e sobre o papel desempenhado pelos Ingleses na “expansão” do cultivo do chá “Urbi et Orbi”.

É interessante verificar que, na Inglaterra de moral exigente da época Vitoriana, consumia-se ópio das mais variadas formas. Thomas de Quincey, entre outros, no livro autobiográfico "Confessions of an English Opium-Eater" confirma este consumo.

Não disse mas penso que os ingleses, dessa altura, foram os maiores traficantes de droga que alguma vez existiram. Produziam, transportavam e "impunham" a venda. Dominavam, como se costuma dizer para os produtos agrícolas, a fileira completa Nada que se compare com os actuais “dealers”. Mesmo pensando com uma mentalidade do séc. XIX, a sua actuação é condenável. Diplomacia económica musculada!

Em Julho de 1997 a ilha de Hong Kong, ocupada oficialmente pela Inglaterra na primeira guerra do ópio em 1842 como uma concessão de 155 anos, foi restituída à China.

Lembrei-me de repente que, nesse ano, a China tinha produzido uma grande metragem - "Guerra do Ópio" - que ganhou alguns prémios internacionais e focava a guerra do ópio na perspectiva dos vencidos, segundo o ponto de vista de Lin Zexu, Comissário Imperial (o que destruiu o ópio no porto de Cantão) e do diplomata Inglês Charles Elliot, duas figuras-chave dos acontecimentos registados na época.

Consegui encontrar uma cópia do filme no Youtube que está em boas condições. legendado em brasileiro bastante aceitável e que se encontra na hiperligação abaixo. Para quem tiver curiosidade e tempo (+/- 1h50) vale a pena visioná-lo. Vê-se bem.

O filme é claramente político (até pelo ano em que foi lançado), embora esteja montado duma forma épico-histórica, muito ao estilo de Hollywood. Foi gravado no "Hengdian World Studios" em Chinawood (uma referência a Hollywood) Apesar desta abordagem política, foi bastante bem recebido pela crítica ocidental sendo considerado uma representação justa dos factos históricos (even-handed - imparcial em inglês).

 

Filme - "A Guerra do Ópio" - 01H50

 

Posto isto, vamos então entrar no assunto principal deste post que trata de modelismo naval e de clippers e ver então... …

O que são “Clippers”

Para não entrar em muitas considerações filológicas sobre a origem do termo, direi apenas que o termo "clipper" deriva do inglês "clip" e pode ser traduzido livremente por "veloz".

Não existe uma definição única para as características dos clippers mas, para os marinheiros, existem três coisas que devem estar reunidas num clipper:

  • deve ter uma configuração afilada, construído para ser veloz;
  • deve ter mastros altos e envergar o máximo de pano (área vélica);
  • e deve usar este pano dia e noite, com bom ou mau tempo.

Com uma silhueta esguia, o clipper perde em capacidade de carga o que ganha em velocidade.

Tipicamente os clippers aparelhavam com velas extra, não muito usadas em navios normais. Os primeiros clippers  de três mastros, com 43 m entre perpendiculares e 9 a 10 m de boca (uma relação aproximada de 1:5) e 490 T, armavam em galera.

Os clippers chamados "extreme clippers", com capacidade de carga de 1.000 a 2.000 T tinham também 3 mastros mas a sua armação comportava velas extra, sendo o seu aparelho composto por velas redondas nos mastros e mastaréus, velas latinas de entremastros, velas de carangueja e retranca no mastro da mezena e real, gurupés com as suas velas (3 ou 4), varredouras e cutelos.

 

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 O clipper "Lighting" a navegar com varredoura (vela mais baixa e exterior a estibordo), cutelos no traquete e mastro real (as velas exteriores do meio e superiores quer a estibordo quer a bombordo). Estas velas funcionavam em vergas extensíveis para fora do casco, acopladas ás vergas principais ligadas aos mastros. Era muito pano! A manobra destes navios exigia muitos marinheiros bem treinados e sabedores do seu ofício e uma mão forte a coordená-los. Tinha de ser uma "máquina" bem oleada!

Parece que os primeiros navios a que foi dado o nome de clippers foram os "Baltimore Clippers". Estes navios eram "Topsail Scooners", escunas que envergavam uma ou duas velas redondas no mastro do traquete e foram desenvolvidos na baía de Chesapeake antes da revolução americana, tendo atingido o seu apogeu entre 1795 e 1815. Eram pequenos, raramente com mais de 200 T e inspiraram-se nos lugres franceses. Muitos deles foram barcos piratas na baía de Chesapeake e no Oceano Atlântico, na zona da costa da Virgínia e de New Jersey.

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 Um clipper de Baltimore reconstituído nos nossos dias, na baía de Chesapeake

 

Na guerra de 1812 entre os Estados Unidos e a Inglaterra alguns destes clippers foram armados e combateram com cartas de corso (estatuto de corsários ou seja, podiam "roubar" legalmente) e ficaram conhecidos pela sua velocidade que, além de resultar da configuração do casco esguio, juntava um elevado calado, o que lhe possibilitava arrimar-se bastante ao vento. Os clippers que romperam o bloqueio dos britânicos a Baltimore ficaram mais conhecidos pela sua velocidade do que pela sua capacidade de carga.

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 A baía de Chesapeak no estado da Virgínia

 

No livro "Chesapeake" de James A. Michener (1907-1997), editado em português pelas Publicações Europa-América em 1978 na sua colecção Século XX, estes navios são referidos em várias ocasiões como fazendo parte da história da costa oriental dos USA. Embora o livro seja romanceado - e o próprio autor avisa que é ficcionado - pela pesquisa que foi efectuada, dá uma ideia muito aproximanda do que foi a realidade nessa zona do século XVI ao século XX. Estamos habituados a ligar os USA à conquista do Oeste com cowboys, índios, vacas e combóios mas também existiu uma colonização no Leste, protoganizada por índios, colonos, escravos e navios (e a invenção e construção dos mesmos), talvez não tão violenta mas com episódios de grande violência.

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A velocidade que era requerida aos clippers para romper o bloqueio a Baltimore também era necessária para os clippers do ópio que navegavam entre a Inglaterra, a Índia e a China. 

Apareceu então, um tipo de clipper inspirado nos "Clippers de Baltimore" os chamados "Early Clippers".A construção desta classe de navios foi iniciada por volta dos anos 30 do século XIX. Básicamente a sua estrutura era totalmente em madeira. Este foi um comércio que só deixou de ser lucrativo para os proprietários americanos em 1849, ano do início da corrida ao ouro na Califórnia.

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Um early clipper - Um clipper do ópio Inglês denominado "Water Witch" - 1831

 

No apogeu da vela o clipper mais emblemático - até porque ainda existe - foi o Cutty Sark - que foi recentemente restaurado depois de um incêndio em 2007 quando se encontrava a ser sujeito a obras de conservação e se encontra, exposto no mesmo sítio - na doca seca de Greenwich, Inglaterra.

 

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 O "Cutty Sark" quando eu o conheci e ...    na actualidade

 

Os clippers como o "Cutty Sark", são classificados como "Extreme Clippers". Eram navios muito rápidos que sacrificavam a capacidade de carga à velocidade o que lhes possibilitava viagens de longo curso em pouco tempo em relação á época, especialmente adaptados para o transporte a longas distâncias de produtos mais perecíveis.

No entanto, encontram-se clippers deste tipo no transporte de todo o tipo de mercadorias além do chá (lã, carvão, nitratos, etc) bem como de passageiros nomeadamente de imigrantes, para a Austrália por exemplo. O primeiro "Extreme Clipper" a ser construído foi desenhado por John W. Griffeths da firma Howland & Aspinwall de Nova Iorque tendo sido iniciada a sua construção em 1843 e sido lançado á água em Janeiro de 1845.

Na época dos "Extreme Clippers" foi aperfeiçoada a técnica já existente desde os anos 20 dos "composite ship", construídos com base numa estrutura de ferro forjado - principalmente as balizas - e recobertos a madeira, quilha incluída, tendo atingido a sua maturidade em 1843 com o SS Great Britain. Este tipo de construção, subsistiu até á data da abertura do Canal do Suez em 1869.

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 Construção mista (composite ship)

 

A partir de c. 1851, apareceu um outro tipo de clippers os "Medium Clipper", que mantiveram as mesmas qualidades de navegação mas aumentaram a sua capacidade de carga em relação aos "Extreme Clippers". Como exemplo deste tipo de clippers temos o "Antelope of Boston" construído em 1851 e o "Golden Fleece" construído em 1852.

Infelizmente não consegui encontrar nenhuma representação gráfica deste tipo de clippers.

Posteriormente a esta data, os clippers começaram a ser substituídos por navios a vapor, construídos em ferro.

Tendo em atenção que o que caracteriza os clippers é a manutenção de uma grande velocidade sacrificando a capacidade de carga ou, por outras palavras, um casco cada vez mais hidrodinâmico e com linhas de água baixas, aumentando assim a capacidade do navio de "deslizar" na água e não "afundar na água", podemos classificar os clippers em 3 categorias tendo em atenção a relação entre a boca do navio e o comprimento entre perpendiculares:

  1. Early Clippers - Os primeiros clippers (clippers de Baltimore com melhorias)
  2. Extreme Clippers - Os clippers em que a relação comprimento boca foi levada aos limites para atingir o máximo de velocidade
  3. Medium Clippers - Com boas capacidades de navegação mas maior capacidade de carga.

 

 Continua

 

Bons ventos

Até á próxima