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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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30.05.15

19 - Modelismo Naval 4 - Os Fabulosos Clippers da China - Parte 4


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Caros amigos

 

(continuação)

 

 5 - "Sea Witch"

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O "Sea Witch", desenhado pelo arquitecto naval W. Griffiths para a firma especializada em comércio com a China "Howland & Aspinwall (H&A)", foi lançado à água no dia 8 de Dezembro de 1846 nos estaleiros "Smith & Dimon" em Manhattan, USA.

 

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 Os estaleiros da "Smith & Dimon" na baixa de Manhattan em 1833 segundo James Pringle

 

Em 1845, John Willis Griffiths foi contratado pelo estaleiro "Smith & Dimon" na baixa de Manattan e desenhou o clipper "Rainbow" que o historiador naval Larrie Ferreiro (arquitecto naval, historiador e professor universitário na área das tecnologias navais) considera "o primeiro de uma linha de extreme clippers com uma fina proa inclinada, alta elevação do fundo e linhas de água concavas".

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O clipper americano "Rainbow" a deixar o porto de New York (Henry Scott, Inglês, 1911-1966)

No dia 17 de Março de 1848 - dia em que o "Sea Witch" chegou aos US vindo de Cantão, tendo estabelecido o recorde de todos os tempos desta viagem em 77 dias - zarpou do porto de New York o "Rainbow" na sua 5ª viagem em direcção a Valparaíso e China. Nunca mais foi visto. Supõe-se que naufragou junto ao Cabo Horn.

O segundo clipper de Griffiths, foi o "Sea Witch", é referido pelo arquitecto naval e curador da secção de história marítima do "Smithsonian Institution" em Washington, D.C., Howard Irving Chapelle (1901-1975), como sendo a sua obra prima e é descrito como o navio mais espectacular do seu tempo.

O desenho destes dois navios teve um enorme impacto no desenho dos cascos dos navios mercantes, em especial o desenho do "Sea Wich" que marcou toda uma geração de navios que ficaram conhecidos como clippers.

O "Sea Wich" tinha   57,6 m de comprimento por 12,9 m de boca e tinha 908 T de capacidade de carga (burthen) e foi especialmente concebido para o comércio entre a China (chá, porcelanas e sedas)  e a costa Este dos US. 

As vergas dos mastros eram fortemente sólidas e foi construído com mastros bastante altos para um navio do seu porte. O mastro principal tinha 42 m de altura e envergava 5 velas, assim como os mais pequenos, mastros do traquete e da mezena. Foi durante algum tempo o navio mais alto em serviço e foi creditado como sendo o primeiro clipper americano.

Tratando-se de um barco destinado ao comércio com a China, não é de espantar que a sua figura de proa fosse um dragão chinês cuja cauda se espalhava, quer para bombordo quer para estibordo, pelas amuras. Esta figura de proa não existe nos nossos dias. O casco era pintado de preto com uma tira branca á altura do convés e tanto os mastros como as vergas eram da cor natural da madeira.

A H&A deu o comando do navio ao capitão Robert Waterman, que era conhecido no meio náutico como "Bully Bob" Waterman e, nas suas mãos, bateu os seguintes recordes:

  • Em 1847 registou um recorde, ao fazer a viagem de Hong Kong para New York em 77 dias;
  • Em 1848 bateu o seu recorde anterior, passando-o para 74 dias.

Este recorde de Março de 1848 é um dos de mais longa duração de sempre já que só foi batido em Maio de 2003 pelo trimaran (multicascos) "Great American II" com 72 dias, 21 horas, 11 minutos e 38 segundos. Rich du Moulin, tripulante do trimaran, fez notar que o "Sea Wich" na sua travessia enfrentou muito piores obstáculos que eles pois não tinha a ajuda das modernas tecnologias e principalmente, não tinha ajudas meteorológicas vindas de fora do navio. Ele escreveu: "O poder do "Sea Wich" em mares agitados e ventos fortes é ainda impressionante, até porque ele transportava carga". Á data em que estou  a escrever este post o "Sea Wich" continua a ser o detentor da viagem mais rápida entre Hong Kong e New York para navios à vela monocascos - e deve-lo-á ser para sempre.

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 Um modelo do "Sea Wich" feito nos USA

A corrida ao ouro na Califórnia levou a que o transporte de mercadorias para e da China fosse ultrapassado em termos económicos e também a que o "Sea Wich" fosse desviado para a rota comercial mais rentável de S. Francisco, via cabo Horn.

  • No princípio de 1850 o "Sea Wich" completou esta viagem em 97 dias, sendo o primeiro navio a fazê-lo em menos de 100 dias. 

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O sailing card da "Coleman's California Line", publicitando a saída do "Hornet" para S. Francisco, sob o comando do capitão Mitchel

 

A partir de 1853 iniciou-se a publicação dos chamados "Clipper ship sailing cards" uma espécie de cartazes de publicidade onde se divulgavam as partidas de navios para diferentes portos de destino. Neste caso, trata-se de um "sailing card" do clipper "Hornet" com saída de New York e destino de S. Francisco, Califórnia, demorando 105 dias, o mesmo destino do "Sea Wich" a partir de 1850 que tinha a duração de 97 dias. 

Estes "sailing cards" fazem hoje o furor dos coleccionadores norte americanos. Alguns, são bastante raros, outros existem em exígua quantidade. De qualquer forma o seu valor oscila entre os US$1.000 e os US$6.000. Estão referenciados por volta de 1.500 sailing cards diferentes.

A minha "investigação" leva-me a concluír que não foi feita qualquer edição de "sailing cards" para as viagens do "Sea Wich". Possívelmente porque só esteve nesta linha seis anos e só 3 destes anos caiem no período de edição de sailing cards - 1853 a 1856 - e também possivelmente porque a sua fama dispensava publicidade.

De qualquer forma, o mundo dos "Clipper ship sailing cards" é um mundo a explorar! Estou a coleccionar "ship sailing cards". Não, não são os originais! São cópias que se encontram nas mais diferentes publicações. Quando for oportuno, "posto-os". 

Para os fins dos anos 80 do séc. XIX, o "Sea Wich" já se encontrava bastante deteriorado e foi ultrapassado por outros navios tendo passado a servir como transporte de imigrantes. 

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 Imigrantes chineses na California em 1880

 

Em 1856, com aproximadamente 500 imigrantes chineses a bordo, encalhou a cerca de 12mn a Oeste de Havana.

Desconheço a existência de qualquer tipo de salvados.

 

 

6/7 - "Ariel" e "Taeping"

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O "Ariel" e o "Taeping" figuram em conjunto neste prato porque foram os protagonistas de uma das competições entre clippers mais célebres de todos os tempos - a "Grande Corrida do Chá de 1866", já abordada no post 18 deste blog.

 

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 Os Clippers "Ariel" e "Taeping" na "Grande Corrida do Chá de 1866" a competirem ao longo do "White Cliffs" de Dover, Inglaterra  (artista holandês sem nome)

 

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 "White Cliffs" em Dover, Inglaterra

  • O "Ariel" ficou famoso nos anos 60 do séc. XIX pela sua velocidade nas viagens entre a China e a Inglaterra.

Era um clipper de pano redondo com 853 T net e as medidas de 60,2 m de comprimento, 10,3 m de boca e 6,4 m de calado. Foi construído segundo o método de construção mista (ferro e madeira) em 1865, pelos estaleiros "Robert Steele & Co.", em Greenock, Escócia, para a firma londrina "Lowther & Maxton".

Em 1865 zarpou de Gravesend, condado de Kent, Inglaterra, para Hong Kong tendo feito 83 dias de viagem - ancora X ancora - e contra a monção.

Em 1866 ganhou a "Grande Corrida do Chá" transportando um carregamento de 558.327 kg de chá.

Em 1867 o navio chegou em segundo lugar depois do clipper "Sir Lancelot" na viagem de Foochow para Londres com a duração de 99 dias.

Em 1868, em corrida com o "Taeping", chegou em primeiro lugar a Londres com 1 hora de avanço.

Em 31 de Janeiro de 1872, largou de Londres com destino a Sidney não tendo chegado ao seu destino. Tudo indica que se afundou devido a "fadiga dos materiais" tendo sido encontrados restos de um naufrágio na ilha de King Island no "Bass Strait", constituídos por pedaços de mogno, tendo um deles gravado numa placa de bronze a letra A que se supõe ser proveniente de um salva-vidas do "Ariel". O naufrágio deu-se, possivelmente,  no Índico Sul depois da passagem do Cabo da Boa Esperança.

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 King Island, Tasmania, ao Sul de Vitória, Austrália

 

  • O "Taeping" foi construído dois anos antes do "Ariel", em 1863 e no mesmo estaleiro, o "Robert Steele" de Greenock, Escócia, para o capitão Alexander Rodger of Cellardyke, Fife.  

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 Clipper "Taeping"

Como já foi descrito no post anterior, este navio participou na "Grande Corrida do Chá de 1866" em conjunto com o "Ariel" e outros clippers tendo ficado em segundo lugar com uma diferença de 55 minutos do "Ariel".

A sua carreira durou desde 1863 a 1871 e foi toda feita no transporte de chá da China para a Inglaterra.

Em 1864 foi rebocado da Formosa para o porto de Amoy na China pelo navio de guerra "HM Flamer" depois de ter sido parcialmente desarvorado por um tufão.

Em 3 de Dezembro de 1866 fundeou em Alagoa Bay (actual Maputo, Moçambique). Não sei para quê, mas é curioso!

Em 22 de Setembro de 1871, afundou-se em "Ladd's Reef" no mar da China em viagem de Amoy para New York.

 

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Ladd's Reef é um recife de coral extenso que se situa no sul do mar da China e fica na rota que os clippers faziam na aproximação ao estreito de Sunda para ganharem o Oceano Índico, em rota da China para New York. Não foi o único que aqui encalhou, como por exemplo este:

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O submarino holandês "0 19" que encalhou no Ladd Reef em 8 de Julho de 1945. Aparentemente, "foi sempre a direito"!

É uma zona bastante difícil para grandes veleiros que só tinham a força do vento para manobrarem.

A estrutura do farol, simbolicamente, representa toda a lagoa e presentemente está ocupada pelo Vietname. Existe uma disputa pela soberania desta área entre o Vietname, a China e Taiwan, que volta e meia chegam a vias de facto.

 

8 - "Challenge"

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O "Challenge", foi um "extreme Clipper" construído em madeira em 1851 por Willim & Webb, New York, com um custo de US$150.000 (valores da época).

As dimensões do clipper eram: 68m de comprimento, 13,11m de boca e 7,62m de calado com uma tonelagem de 1365 T. O mastro real tinha 29,57m de altura.

Foi o primeiro clipper construído com 3 conveses.

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 Clipper "Challenge"

Foi lançado à água em 24 de Maio de 1851 sendo o seu primeiro skipper o capitão Robert Waterman, que já referi neste post a propósito do clipper "Sea Wich", pois foi o seu comandante quando foram obtidos os recordes de 77 e 74 dias na viagem de Hong Kong para New York em 1847 e 1848 mantendo-se ainda hoje o recorde de 74 dias para monocascos.

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 Capitão da Marinha Mercante Robert H. Waterman ou "Bully" Waterman ou "Bully Bob" Waterman (1808-1884)

 

Robert Waterman tem uma história ligada ao "Challenge" que merece ser contada.

"Bully" Waterman ou "Bully Bob" Waterman, como também era conhecido, nasceu em Hudson, New York e era filho de um comandante baleeiro de Nantucket temndo-se iniciado nas lides marítimas por volta de 1820, com 12 anos de idade a bordo de um navio mercante da carreira da China sendo promovido a 1º Oficial do paquete Britannia em 1829. Depois de passar por outros navios e outras linhas, vamos encontrá-lo em 1842 como comandante do clipper "Natchez" da firma "Howland & Aspinwall" a bater o recorde da viagem de Macau para nova York, fikxando-o em 78 dias.

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 A ilha de Nantucket a Norte de New York entre Newport e Boston no estado de Massachusetts

No final dos anos 40 do séc. XIX o capitão Waterman participou na construção do "Sea Wich" em conjunto com o arquitecto naval Griffiths, principalmente no que diz respeirto á concepção do plano vélico e da mastreação, tendo assumido o seu comando e batido os recordes já mencionados.

Waterman foi vastamente recompensado pelos donos da firma proprietária do navio pelos seus feitos e reformou-se mas a firma N.L. & G. Griswold procurava um skipper para o seu novo clipper "Challange" e ofereceu-lhe um prémio de US$10.000 se ele conseguisse levar o navio de New York a S. Francisco em 90 dias - o recorde estava em 91 dias. Waterman aceitou e levantou ferro de New York em 13 de Janeiro de 1851.

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 Tripulação de um veleiro no séc. XIX

O clipper largou de New York com uma tripulação de 56 homens, metade dos quais nunca tinha navegado, só 3 eram marinheiros experimentados e muitos eram imigrantes recém chegados que nem sabiam falar inglês. Isto aconteceu porque se estava em plena febre do ouro na Califórnia, muitos marinheiros viraram prospectores e os que restavam já estavam engajados noutros clippers. Como todos faziam nessa altura, o "recrutamento" das tripulações era entregue a "crimps" (engajadores á força) que raptavam e forçavam homens da borda d'água - desempregados ou/e vadios - a integrarem a tripulação e, uma vez o navio a navegar, não tinham outra escolha a não ser trabalhar até chegar ao porto. Tudo isto foi feito sob a responsabilidade da firma. Era prática corrente naquela época.

Waterman só entrou no navio depois da tripulação estar completa e, ao dar-se conta do tipo de "marinheiros" que tinha despediu o 1º Oficial responsável pela tripulação e recrutou ele próprio um novo 1º oficial que já conhecia e que se chamava James "Black" Douglass - os Douglass eram de origem escocesa e vários se distinguiram na construção dos US, com excepção deste que, se se distinguiu, foi pela negativa. A sua fama de maus tratos era tal que tinha medo em desembarcar em New York preocupado em que antigos membros das suas tripulaçoes se pudessem vingar dele. Foi "contratado" directamente do convés de um paquete em "Sandy Hook", à saída do porto de New York, já no Atlântico.

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O porto de New York e a ilha de "Sandy Hook"

Waterman exercia alguma violencia nos membros das suas tripulações. Neste caso, bateu pelo menos duas vezes em dois marinheiros doentes por não serem suficientemente rápidos e batia amiudadamente com um punhal de marinheiro na cabeça do cozinheiro. Possivelmente porque a comida dele lhe fazia azia! Mas o fulcro da questão era o 1º oficial Douglass. Distribuía pancada abundantemente e com evidente prazer.

Quando o "Challenge" estava em águas perto do Rio de Janeiro, a tripulação revoltou-se atacou Douglass dando-lhe doze golpes de punhal. Waterman entrou na briga e salvou o 1º oficial, tendo açoitado pessoalmente os amotinados.

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O Congresso dos US tinha proíbido a aplicação de açoites nos navios mercantes em 1850. Mas esta proibição era rotineiramente violada, em especial a bordo dos clippers, difíceis de manobrar.

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 Manobra a bordo de um veleiro

Após dobrar o cabo Horn, foi descoberto um amotinado que se tinha escondido no castelo de proa. Waterman arrastou-o para o convés e partiu-lhe um braço com um cacete tendo algemado-o pelo braço partido e pendurado-o fora de bordo.

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 Cabo Horn - localização e aspecto

Toda esta violencia não impediu o 1º oficial, logo que se encontrou bem, de continuar a exercer violência contra a tripulação.

O "Challenge" chegou a S. Francisco depois de 108 dias de viagem. A tripulação contou os acontecimentos na cidade o que causou um grande tumulto ao ponto de um jornal incitar a que Waterman fosse "queimado vivo" tendo ele escapado ao linchamento por pouco.

Waterman, desafiador, tinha oito dos alegados revoltosos presos mas só um foi julgado, tendo sido absolvido.

Tanto Waterman como Douglass foram posteriormente julgados, tendo Waterman sido condenado por um juri mas absolvido pelo juiz. De Douglass não existe nenhum registo da sentença, mas sabe-se que foi dispensado logo a seguir e que nunca mais serviu a bordo de um navio mercante.

Waterman retirou-se novamente após o comando do "Challenge"  e foi viver para a Califórnia com a mulher, tendo fundado a cidade de Fairfield em 1856, o nome da sua antiga casa no Connecticut, e dedicando-se à criação de gado e de galinhas.

Exerceu a função de Director do Porto de S. Francisco e de Inspector de Cascos tendo sido, em 1853, ao comando do vapor "Sea Bird", o responsável pela operação de salvamento do naufrágio do clipper "Carrier Pigeon" localizado em Santa Cruz, a 70 mn a Sul de S. Francisco.

Citando:

" O caso do "Challenge" ... foi o primeiro julgamento dos "barcos do inferno", e pelo simples facto de terem ocorrido, tornaram possível muitos anos depois, a libertação dos marinheiros mercantes americanos da tirania dos comandantes e oficiais," abrindo caminho para o Seaman´s Act de 1915 - "Act to Promote the Welfare of American Seamen in the Merchant Marine of the United States" .

O estatuto de 1915 tem sido descrito como a "Magna Carta" dos direitos dos marinheiros.

Aquilo que hoje se vê com algum romantismo - eu, incluído - era na realidade um trabalho abaixo de cão!

Mas deixemos esta mancha na história do "Challenge" e continuemos a navegar com ele na sua longa carreira.

Em 1852, sob o comando do capitão Land fez as seguintes viagens:

  • de S. Francisco para Xangai;
  • de Xangai para S. Francisco em 34 dias;
  • de S. Francisco para Honolulu em 8 dias;

e sob o comando do capitão Pitts

  • de Whampoa para Londres com chá em 109 dias.

Em 1853 e ainda sob o comando do capitão Pitts:

  • de Cantão para Deal;
  • aportou ao Faial em 20 de Outubro. Uma fonte diz que ia para New York . Mc Gregor afirma que continuou para Deal onde chegou após 160 dias. (1)

Em 1854, ainda sob o comando do capitão Pitts:

  • navegou de New York para S. Francisco em 120 dias.

Em 1858 ( de 54 a 58 não existem registos da actividade do "Challenge") agora sob o comando do capitão Fabens:

  • navegou de new York para S. Francisco em 117 dias;
  • de S. Francisco para Hong Kong em 46 dias;
  • de Hong Kong para S. Francisco em 46 dias;
  • de S. Francisco para a China em 49 dias, tendo perdido todos os mastaréus dos 3 mastros;
  • da China para S. Francisco e foi colocado em doca para arranjos;
  • foi vendido por US$9.350.

Em 1860 e continuando sob o comando do capitão Fabens:

  • navegou de S. Francisco para Hong Kong;
  • em 7 de Setembro foi completamente desarvorado por um tufão mas conseguiu manobrar até Hong Kong onde entrou em doca para arranjos.

Em 1861, no dia 21 de Dezembro, arribou a Bombaim metendo bastante água.

Em 1862 foi vendido a "Thomas Hunt & Co." de Liverpool, Inglaterra, pela quantia de 78.000 rupias e renomeado como "Golden City".

Em 1866 foi vendido a "Joseph Wilson & Co." de South Shields, Inglaterra.

Em 1867 navegou de Liverpool par Bombaim em 71 dias

Em 1875, 23 de Julho, perdeu 7 homens (incluíndo todos os oficiais com excepção do 3º Oficial) numa tempestade no oceano Índico em viagem de South Shields para Anjer com um carregamento de carvão

Em 7 de Fevereiro de 1877, após 26 anos o "Challenge" perdeu-se em Abervache off Ushant na costa francesa a 49º 18' N, 6º44' W em viagem de South Shields para Genoa com 1590 toneladas de carvão e uma tripulação de 26 homens.

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Uma história atribulada!

 

(1) - Despertou-me a curiosidade esta inusitada ida ao Faial (Açores) e o porquê.

Sem sair de casa fiz uma investigação na Internet e o resultado foi este:

Detectei o diário de bordo do "Challenge" para esta viagem bem como a notícia do "The New York Times" sobre o incidente.

O diário de bordo está disponível em http://library.mysticseaport.org/initiative/PageImage.cfm?BibID=32576 nas páginas 59/60 e a notícia em http://query.nytimes.com/mem/archive-free/pdf?res=9907EFD71438E334BC4153DFB4678388649FDE

A história, embora complicada para a tripulação do "Challenge", é simples de contar. O navio abriu água nos porões pondo em risco o valioso carregamento de chá e seda que transportava desde Cantão. Como as bombas não dessem vazão à água, tiveram que aportar ao porto do Faial em 20 de Outubro onde descarregou a carga de seda e parte da carga de chá para ser transportada por outro navio. Repararam os vários rombos da melhor maneira de forma a regressarem ao mar mas houve necessidade de permanecer no porto mais tempo do que desejado já que o capitão adoeceu e só voltaram ao mar, indubitavelmente  rumo a Londres, no dia 8 de Dezembro de 1853, onde chegaram a uma sexta-feira, 8 de Dezembro de 1853. Em Londres devem ter sido feitas melhores reparações, já que só há notícia de uma nova viagem em Setembro de 1854.

De notar que um incidente de 20 de Outubro só foi noticiado em Boston a 8 de Dezembro. As coisa na altura eram l  e  n  t  a  s. Só em 1958/59 é que foram estabelecidas comunicações telegráficas via cabo submarino entre a Europa e a América do Norte.

Teria dado para ir tomar um gin ao "Peter - Café Sport" se já existisse nessa altura, o que não é o caso.

 

(continua...é só mais 1)

 

Bons Ventos

Até á próxima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

24.05.15

18 - Modelismo Naval 4 - Os Fabulosos Clippers da China - Parte 3


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 (continuação)

 

Caros amigos

A corrida do chá 

 

O monopólio da Companhia Inglesa das Índias sobre o comércio do chá vindo da China para a Inglaterra cessou em 1834. A partir daí, vários comerciantes de chá ingleses competiram entre si - por uma questão comercial - para ver quem era o primeiro a chegar à Inglaterra com as arcas das novas colheitas de chá.

tea_chest.jpg Arca de chá antiga para transporte em barco (c. 1960, arcas iguais a esta eram usadas no transporte do chá em Moçambique com as medidas de 61cm de altura por 49cm de comprimento e de largura. As arcas usadas nos clippers eram iguais só não sei se tinham estas medidas)

Os que transportavam o carregamento mais rápidamente da China para a Inglaterra, começaram a poder pedir e obter uma taxa de frete mais elevada do que os outros. A rapidez do transporte do chá da China para a Inglaterra tinha influência na qualidade do mesmo na altura da venda (tudo dependia da qualidade do chá que era comprado na China que às vezes era enviado antes de tempo e não estava completamente maturado) e quanto mais cedo chegasse à Inglaterra, melhor preço atingia no retalho.

Os incentivos eram efectuados por comerciantes através do pagamento de um prémio sobre a tonelada de chá ao primeiro navio que atracasse na doca.

Em 1854, o navio "Vision" tinha previsto no seu contrato um prémio de 1£ por tonelada se fosse o primeiro a atracar na doca de Londres. Em 1855, os navios "Maury" e o "Lord of the Isles" competiram por um prémio de 1£ por tonelada, sendo o mesmo ganho pelo segundo navio.

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 "Lord of the Isles"

É de notar que o prémio não dependia só da velocidade da viagem mas também da rapidez da estiva no porto de origem, estiva essa que era muito minuciosa, com distribuição das arcas e de lastro muito bem balanceados, o que permitia uma viagem mais segura em quaisquer condições de tempo.

Em 1861 os importadores ofereceram um prémio de 10s por tonelada ao primeiro navio que atracasse em Londres. O vencedor foi o "Fiery Cross" que voltou a ganhar em 1862, 1863 e 1865.

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 O "Fiery Cross" (1º plano) e o "Serica" (2º plano) em competição na grande corrida de 1866

 

Tal como hoje os aficcionados seguem os resultados do futebol e de outros desportos, naquela altura seguia-se pelos jornais os resultados destas corridas ao longo da rota sempre que havia notícias. Não havendo ainda possibilidades de transmissão directa dos navios para a Inglaterra as notícias eram transmitidas de terra - por linha telegráfica - por "reporteres" estratégicamente colocados em pontos em terra donde era possível observar a passagem dos clippers. Na ausência de notícias especulava-se, tal como agora, e as apostas a dinheiro eram quentes. Londres fervilhava de emoção!

Uma lista incompleta indica, para o ano de 1866, a presença de 57 navios na China espalhados pelos portos de Foochow, Hankow, Shangai, Woosung, Cantão e Hong Kong.

Em Maio de 1866 encontravam-se ancorados em Pagoda Anchorage no rio Min (porto de Foochow), 16 clippers de chá, sendo os mais rápidos o Ariel, o Fiery Cross, o Serica, o Taitsing e o Taeping.

 

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 "Taeping" e "Ariel" em disputa

 

Depois do carregamento e estiva do chá partiram a 29 de Maio em marés diferentes e fizeram-se ao mar com vento moderado de Nordeste com rumo "Sul por Leste meio Leste" que corresponde na bússula moderna a 163 graus.

A rota que tomaram foi a normal de retorno através do Mar da China, entrando no Oceano Índico pelo estreito de Sunda (Mar de Java), passando as Maurícias, entrando no Atlântico passando o Cabo Bojador, rumando a Oeste dos Açores e chegando à Inglaterra pelo Canal da Mancha.

 

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 A rota de retorna a casa do "Ariel" em 1866

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 Estreito de Sunda que liga o Mar de Java ao Oceano Índico

 

Depois de algumas peripécias e uma forte competição já na parte final da corrida e em águas inglesas, a corrida acabou por ser ganha pelo "Ariel" que atracou na doca das Índias Orientais às 22h15 de 5 de Setembro de 1866 seguido do "Taeping" com 55 minutos de diferença. O "Serica" atracou com uma diferença de 1H15 do "Ariel". 28 horas depois atracou o "Fiery Cross" e no dia seguinte o "Taitsing".  É espantoso como 3 navios à vela, percorreram mais de 14.000 milhas e docaram com tão pouca diferença de tempo! 

O prémio de 10s por tonelada foi repartido, por acordo de cavalheiros, entre o "Ariel" e o "Taeping", embora o "Ariel" tivesse ganho mais um prémio extra a que tinha direito, de 5£ por tonelada, conforme o que estava estipulado no seu contrato.

No mesmo ano, o vapor "El King" zarpou de Foochow 8 dias depois do "Ariel", com passageiros e uma carga de chá tendo chegado a Londres 15 dias antes dos clippers

O Canal do Suez abriu em 1869 e veio encurtar a rota em 3.300 milhas. Embora fosse posível navegar o canal com barcos à vela, não era nem fácil nem aconselhável, sendo portanto uma rota proibida para eles que teriam de continuar a contornar África pelo Sul. Era o início do fim da época dos clippers. Continuou ainda por alguns anos a corrida do chá mas já sem incentivos monetários por parte dos comerciantes. Passou a ser uma competição desportiva onde os "gentlemen" ingleses gastavam dinheiro em apostas.

 Os cinco navios que foram os primeiros classificados na "Grande Corrida do Chá de 1866" todos desapareceram.

O "Ariel" desapareceu numa viagem de Londres para a Austrália em 1872, o "Taeping" afundou-se no Mar da China em 1871 em viagem para New York, o "Serica" afundou-se nas Paracels (arquipélago no sul do Mar da China constituído por ilhas de areia e barcos encalhados, sem qualquer valor económico, mas com elevado valor estratégico, que é hoje objecto de uma disputa militar acessa entre a China e o Vietname) em 1872 em rota de Hong Kong para Montevideu, o "Fiery Cross" fez o seu último carregamento de chá em 1872/73 e desapareceu em 1889 ou 1893 e o "Taitsing" continuou na rota do chá até 1874/75 e afundou-se na Ilhas Quirimbas (Moçambique/Tanzânia) em 1883.

 

 

 Os Fabulosos Clippers da China

 

Em 1990 adquiri nas edições Philae, uma colecção de 8 pratos em porcelana com 24 cm de diâmetro, onde figuram 9 clippers (num dos pratos são representados dois clippers) pintados à mão por Martim Lapa, mestre pintor português. Estes clippers também são conhecidos pelos "Clippers do Chá", os "Clippers do Ópio" e os "Clippers Negreiros".

A colecção pretende reunir os clippers mais conhecidos e significativos.Os clippers representados destacaram-se por terem alcançado recordes durante os anos da corrida do chá e/ou por terem uma história recheada de episódios interessantes. A diversificação de navios com interesse parece ter sido conseguida. Na minha opinião, a não apresentação do "Cutty Sark" em nada deslustra a colecção já que é apresentado o "Thermopilae", seu irmão e concorrente "quasi" gémeo.

Vamos analisá-los um a um e reter as histórias mais características e interessantes.

 

 1 - "Marco Polo"

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O "Marco Polo" foi um clipper construído em madeira, com 3 mastros, lançado à água em 16 de Abril de 1851 em Saint John, New Brunswick, Canadá.

Media 56,08m de comprimento, com uma boca de 10,97m e um calado de 8,84m.

Deslocava 1625 toneladas e tinha 2 cobertas e 1 convés.

No dia do seu lançamento á água, no estaleiro de James Smith, o navio descaíu para um dos lados e feriu vários operários.

No verão de 1852, o navio navegou de Saint John (Canadá) para Liverpool (Inglaterra) tendo feito o percurso em 15 dias.

Foi comprado no mesmo ano pela companhia de navegação "Black Ball Line" e convertido em navio de passageiros para a carreira entre a Inglaterra e a Austrália.

Nesse mesmo ano, iniciou a ligação para Port Phillip, na Austrália tendo demorado 76 dias na viagem de ida e outros 76 dias na viagem de volta - sendo o tempo total da mesma de 5 meses e 21 dias - quebrando o recorde que estava em 6 meses - tornando-se assim o navio mais rápido na ligação Inglaterra-Austrália-Inglaterra.

Continuou durante vários anos nesta carreira, transportando passageiros para a Austrália. Diz-se que 1 em cada 20 australianos deve ter as suas raízes nas viagens do "Marco Polo". 

Em 7 de Março de 1861, colidiu com um iceberg a norte do Cabo Horn (América do Sul) tendo sofrido reparações em Valparaíso (Chile) e tendo regressado a Liverpool 183 dias depois de saír de Melbourne.

Em 1858 salvou os passageiros e a tripulação do navio de passageiros "Eastern City" que se incendiou no mar perto do Cabo da Boa Esperança.

Em 1867 foi convertido em carregueiro.

Em 25 de Julho de 1883, numa tempestade a norte da ilha do Principe Eduardo, sofreu um rombo no casco . Não conseguiu esgotar a água dos porões e a tripulação, para evitar o afundamento, encalhou o navio na praia e desarvorou-o a fim de que o vento não o virasse. No entanto, o vento era muito intenso e causou o desmantelamento total do navio.

O que resta do navio encontra-se afundado nas águas do "Parque Nacional da Ilha do Príncipe Eduardo". Alguns dos artefactos do navio encontram-se expostos no "Yarmouth County Museum & Archives" em Yarmouth na Nova Escócia, Canadá.

No museu "Merseyside Maritme Museum", em LIverpool, encontram-se duas réplicas das figuras que  existiam na popa do navio bem como um modelo do mesmo. 

 

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  As réplicas das Imagens da Popa e o Modelo

 

Existe uma associação em New Brunswick, que se encontra, há aproximadamente 20 anos,  a construír uma réplica do "Marco Polo" em tamanho natural que se encontra quase concluída.

Para quem tiver a curiosidade de obter mais informação siga esta hiperligação: http://new-brunswick.net/marcopolo/

  

2 - "Donald McKay"

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O clipper "Donald MacKay" com 2594 toneladas, foi construído em 1855 e foi o último "extreme clipper" a ser construído por McKay. O estaleiro construíu mais 12 clippers até 1869 mas todos da classe "medium clipper". 

Além de nome de clipper, Donald McKay é o nome de um arquiteto e construtor naval, nascido em Jordan Falls no Canadá em 1810. Com 16 anos foi trabalhar para os estaleiros de Brown & Bell e de Isaac Webb em Nova Yorque nos USA. Com a idade de 31 anos abriu o seu primeiro estaleiro em Newburyport e em 1845 mudou-se para East Boston.

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 Maquete dos estaleiros de Donald McKay no "Museum of Science, Boston" 

 

Desde 1842 até 1869 desenhou e construíu 38 clippers, sendo 25 extreme clippers. Os desenhos de McKay são caracterizados por cascos finos com bastante altura e linhas de água bastante compridas.

Entre os 38 clippers da sua lavra, destacam-se 4:

- "Ligthing" que obteve os seguintes recordes:

  • 436 milhas náuticas (807,472Km) em 24 horas;
  • 64 dias de Melbourne na Austrália a Liverpool na Inglaterra;

- "Sovereign of the Seas" que atingiu a maior velocidade entre os barcos à vela - 22 nós (40,744Km)  em 1854;

- "James Baines"  atingiu uma velocidade de 21 nós (38,892Km) em Junho de 1856;

- "Flying Cloud" que fez 89 dias na viagem de ida-e-volta Nova Yorque/S. Francisco.

  

 3 - "Titania" 

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O "Titania" foi construído em 1866 nos estaleiros de Robert Steele & Co. em Greenock na Escócia por encomenda da companhia de navegação marítima inglesa Shaw, Lowther, Maxton & Co. de Londres.

As dimensões do clipper eram de 60,96m X 10,97m X 6,40m e 879,45T nrt, sendo o  tipo de construção "composite ship".

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 O "Titânia" em manutenção na doca seca

Titania é o nome de uma das luas de Urano mas neste caso, o nome do clipper resulta, como se pode confirmar pela figura de proa da imagem, do nome da Rainha das Fadas - Titânia - da personagem de William Shakespeare na peça "Sonho de uma noite de Verão".

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 "A disputa de Oberon e Titania" pintura de Joseph Noel Paton, c. 1849

Em 29 de Janeiro de 1867 o navio foi desarvorado por uma tempestade perto das ilhas de Cabo Verde. Manteve-se na rota do chá entre a China e Londres (com duas viagens para New York) pelo Cabo da Boa Esperança desde o ano de 1867 a 1879. Em 1872 o seu aparelho foi reduzido. Cerca de 1882 foi vendido à "Hudson Bay Company" e posto ao serviço do comércio de Vancouver pelo Cabo Horn. Em 1894 foi novamente vendido, desta vez para a Itália para ser posto ao serviço do comércio da Maresca, Castellammare para as ilhas Maurícias e América do Sul. Em Março de 1910, partiu-se e afundou-se na área do porto de Marselha. 

Durante as viagens na rota do chá, fez alguns trajectos assinaláveis tais como:

1896 - Shangai/Londres em 98 dias  sob o comando do capitão W.H.Burgoyne;

1871 - Foochow/Londres em 93 dias sob o comando do capitão J.Dowdy.

Se existem alguns salvados ou modelos do clipper Titania, não sei. Não consegui encontrar nenhuma referência a isso. A referencia ao local do desaparecimento do Titania como sendo na área do porto de Marselha, faz supor que o naufrágio não está localizado e que portanto nada deve ter sido retirado do navio. Nos sites dos principais museus navais do mundo também não se encontra nenhuma referência a modelos do navio

 

 4 - "Nightingale"

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O "USS Nightingale" (1851) que aparece na Guerra Civil Americana como navio de abastecimento da frota da União que bloqueou a frota da Confederação e posteriormente numa longa carreira na exploração do Ártico e no transporte comercial, foi anteriormente um clipper do chá e um clipper negreiro que foi capturado na costa de África em 1861 pelo navio USS Saratoga que o tomou como prémio sendo posteriormente comprado pela Marinha dos Estados Unidos que o incorporou na armada.

O navio (extreme clipper) foi desenhado e construído nos estaleiros de Samuel Hanscom Jr. Shipyard em Eliot, no Maine (o estado mais a norte dos USA que faz fronteira com o Canadá na costa atlântica) em 1851 e foi aparelhado e lançado à água perto de Portsmouth, New Hampshire (estado a SO do Maine com uma costa de 50/60 Km tendo no ponto mais a norte dessa costa a cidade de Portsmouth no delta do rio Piscataqua) Tinha as dimensões de 56,38m X 10,98 X 5,79 com uma tonelagem de 657 T (á data do assentamento da quilha seriam 1060, que passaram a 722 ficando após o final da construção nas 657 T).

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  O Nightingale a navegar sobre a bandeira dos USA

O nome também foi sujeito a ajustamento. Originalmente, quando do assentamento da quilha, chamava-se Sarah Cowles (não sei quem era a senhora). Posteriormente e por causa de uma soprano sueca, Jenny Lind (1820-1887) que fez furor numa tourné nos USA entre 1850  e 1852 (ao ponto de terem dado o seu nome a quase tudo o que foi inaugurado nessa época, desde teatros a barragens passando por ruas e escolas) a quem cognominavam a "Swedish Nightingale" o nome - por decisão dos co-proprietários Mr. Sampson e Mr. Tappan que tinham comprado o navio em leilão em Boston por $43.500 - foi mudado para "Nigthingale", em homenagem a Jenny Lind.

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 A soprano Jenny Lind by Eduard Magnus, 1862

(Com 42 anos. Na altura da tourné tinha 30)

 

Sem intrigas! Um "supônhamos":
 

Mrs.Sarah era a esposa do Mr.Sampsom (co-proprietário do navio). Podemos imaginar a confusão que se teria instalado com a troca do nome:

"- Não Sarah, não é nada disso! É puro amor à arte!"

 

Como clipper do chá, entrou nas famosas corridas do chá na "Rota do Chá e da Seda" conhecidas pelo elevado valor pecuniário em disputa. Na primeira viagem foi ajustada uma corrida contra o clipper Inglês "Challenger" entre Shangai e Londres. Os donos dos navios fizeram apostas no valor de 2.000£ esterlinas.

Embora não faça uma ideia muito precisa, penso que 2.000£ esterlinas em 1851 deviam corresponder a uma pequena fortuna. Em 1840 um inglês chamado James Robertson, foi contratado pelo Imperio Otomano como Director da Casa da Moeda com um salário de 40£ esterlinas. Ou seja, correspondiam a 4 anos e 2 meses de vencimento de Mr. Robertson. Devia mesmo ser muito dinheiro ou então os consultores expatriados da altura ganhavam muito mal.!

Se por acaso alguém sabe onde encontrar na net um conversor "histórico" de moedas diga-me qualquer coisa. Penso que já vi uma tabela do género mas na altura não liguei muito e agora não consegui encontrar.

O resultado desta corrida foi uma travessia Shangai - Londres ganha pelo ... "Challenger" e a enorme irritação do comandante do "Nightingale", que tinha mau perder, tendo abandonado o navio nas docas de Londres entregue ao chefe dos oficiais e regressado a casa num vapor da "Cunard Lines". Estava mesmo chateado!

Mr. Sampson e Mr. Tappan não ligaram nada à perda das 2.000£ esterlinas (peanuts) mas ficaram bastante aborrecidos com a desonra da bandeira do "Nightingale" (os navios tinham uma bandeira que indicava o proprietário ou/e a companhia). Iniciaram desde logo a procura de um novo skipper tendo a escolha recaído num jovem capitão - Samuel W. Mather - de 29 anos, nascido na Nova Inglaterra- Austrália, com experiência nos mares da China - tinha efectuado uma viagem de Londres para Angier Point em Java (à entrada do Mar da China) que foi a mais rápida alguma vez realizada. Com este trunfo na manga desafiaram novamente o "Challenger" e desta vez, na viagem de retorno Xangai-Londres, o "Nightingale" bateu o "Challenger", tendo chegado a Londres com mais de uma semana de avanço sobre a "Challenger". Não sei qual foi o montante da aposta desta vez. Estava recuperada a honra da bandeira!

Episódios destes povoam a história da Corrida do Chá onde a honra, o cavalheirismo e as tradições navais estão sempre presentes, principalmente quando se trata de desafios entre ingleses (país colonizador) e americanos (país colonizado). Temos o exemplo ainda hoje da "Taça América"! 

Em 1853 o "Nigthingale", ainda comandado pelo capitão Mather, continuava ao serviço da Australian Pioneer Line no transporte de passageiros e mercadorias de Londres para Melbourne e de chá dos portos da China para Londres.

No outono de 1860 - tendo sido adquirido por Salem MA, do Rio de Janeiro - atracou no porto de Londres vindo de Nova York tendo ficado evidente que se tinha transformado num navio negreiro embora tenha feito um carregamento de armas, pólvora e tecido de algodão com destino a S. Tomé.

A questão da determinação da nacionalidade dos navios tendo em conta a bandeira sob a qual navegam era, tal como hoje é, inconcludente, já que a maioria das vezes a nacionalidade dos proprietários é outra. É a chamada "bandeira de conveniência". Neste caso, tudo indica que, apesar da bandeira ser brasileira, os proprietários continuavam a ser dos USA. Isto não quer dizer que não tivesse havido negreiros e navios negreiros no Brasil.

O clipper "Nightingale" navegou várias vezes para Cabinda em Angola (foz do Rio Congo) sob bandeira brasileira e transportou um total de 2.000 escravos para Cuba.

Á meia-noite de 20/21 de Abril de 1861, quando se encontrava fundeado perto da foz do rio Congo, Cabinda, foi abordado silenciosamente por botes da chalupa de guerra "USS Saratoga" que encontraram a bordo, a ferros, 961 negros - homens, mulheres e crianças. O navio estava a aguardar a vinda de mais escravos antes de largar para a América.

O skipper do Saratoga - comandante Alfred Taylor - considerou o "Nightingale" como "presa" e entregou o comando do mesmo ao tenente James Guthrie que o levou para a Libéria, uma nação fundada em 1822 pela "American Colonization Society" para refúgio de escravos libertos.

A viagem durou 23 dias, tendo havido um surto de febre que matou 160 negros e 1 membro da tripulação e chegaram a Monróvia a 7 de Maio.

Depois de fumigarem o navio largaram para casa a 13 de Maio. Nesta viagem de regresso, apesar da fumigação, a febre atacou os tripulantes ao ponto de, dos 34 tripulantes só 7 ficaram aptos para as manobras de navegação. Dois marinheiros morreram e o navio chegou a Nova York a 15 de Junho.

 

 "O Navio Negreiro" - poema do poeta brasileiro Castro Alves (1847-1871)

 

O "Nightingale" foi condenado pelo Tribunal de Prémios de Nova York (New York Prize Court) e comprado pelo US Navy que o integrou,  sob o comando do mestre  David B. Horne, na armada que fazia o bloqueio à costa dos confederados.

O "Nigthingale" cumpriu a sua missão como navio depósito e estafeta. Durante este período encalhou, mas os navios da esquadra confederada não tiraram partido disso, tendo sido posto a flutuar poucos dias depois e navegado com destino a Nova York com prisioneiros de guerra.

Em 20 de Junho de 1864 foi descomissionado e vendido em hasta pública a D.E. Mayo em 11 de Fevereiro de 1865.

De 1865 a 1867 o "Nightingale" aparece como navio principal da missão da "Western Union Telegraph Expedition" que explorou a Columbia Britânica no Alasca e a Sibéria, com o objectivo da montagem de um cabo telegráfico através do Mar de Bering.

Depois desta expedição o navio continuou ao serviço da marinha mercante até ao seu naufrágio, no Atlântico Norte, em 17 de Abril de 1893. 

Desta carreira de 42 anos o que restou?

Além das memórias escritas e da recordação do seu construtor, donos e tripulantes, ficou a figura de proa que representa a soprano Jenny Lind. 

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  A figura de proa do "Nightingale" representando Jenny Lind

 

Como não podia deixar de ser, também a figura de proa tem uma história.

Em 1994 (101 anos depois do naufrágio do "Nigthinggale"), Svärdskog, um antiquário sueco, acabou por a adquirir numa quinta, na Suécia. Tendo investigado a sua história descobriu que o "Nightingale" tinha estado em manutenção na Noruega em 1885, altura em que a figura de proa foi removida e que o "espantalho" - palavra usada pelo dono da quinta -  tinha sido adquirido por um parente dele. Por coincidência, Jenny Lind, "figura de proa", tinha regressado à Suécia.

A figura de proa foi reconstruída obedecendo á sua forma inicial. O corpo foi reconstituído através de técnicas de digitalização por scanner e o escultor inglês Andy Peters recreou a posição original dos braços e esculpiu o rouxinol que se encontra pousado na mão direita de Jenny Lind.

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 A figura de proa original e a sua reconstituição com o rouxinol

Uma segunda figura de proa aparece referenciada como sendo do "Nightingale" e datada de 1861 o que coincide com a data da sua apreensão e incorporação na armada dos Estados Unidos, durante a guerra entre nortistas e sulistas. Esta figura de proa encontra-se exposta no "Park Service Visitor Centre for USS Constitution" em Boston, MA.

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Segunda figura de proa do "Nightingale" (1)

De todos os clippers que foram construídos, conforme o conhecimento actual, só sobreviveram três figuras de proa - as do "Nightingale" e a águia do "Great Republic", construído nos estaleiros de Donald McKay em 1853 e que foi o maior clipper, em madeira, jamais construído (4.555 T).

 

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 A figura de proa do "Great Republic"

 

(1) Esta fotografia é da autoria de: Jim Steinhart, 2011

 

(continua)

 

Bons ventos

Até á próxima

 

22.05.15

17 - Modelismo Naval 4 - Os Fabulosos Clippers da China - Parte 2


marearte

 

 

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Caros amigos

 

(continuação)

 

No post anterior procurei fazer o enquadramento, de uma forma superficial, dos Clippers da China (ou do Chá, ou do Ópio ou Negreiros), abordando um pouco da história do cultivo do chá e de alguns assuntos relacionados com a sua produção e transporte, desde o séc. XIX até aos nossos dias, na China e na Índia e sobre o papel desempenhado pelos Ingleses na “expansão” do cultivo do chá “Urbi et Orbi”.

É interessante verificar que, na Inglaterra de moral exigente da época Vitoriana, consumia-se ópio das mais variadas formas. Thomas de Quincey, entre outros, no livro autobiográfico "Confessions of an English Opium-Eater" confirma este consumo.

Não disse mas penso que os ingleses, dessa altura, foram os maiores traficantes de droga que alguma vez existiram. Produziam, transportavam e "impunham" a venda. Dominavam, como se costuma dizer para os produtos agrícolas, a fileira completa Nada que se compare com os actuais “dealers”. Mesmo pensando com uma mentalidade do séc. XIX, a sua actuação é condenável. Diplomacia económica musculada!

Em Julho de 1997 a ilha de Hong Kong, ocupada oficialmente pela Inglaterra na primeira guerra do ópio em 1842 como uma concessão de 155 anos, foi restituída à China.

Lembrei-me de repente que, nesse ano, a China tinha produzido uma grande metragem - "Guerra do Ópio" - que ganhou alguns prémios internacionais e focava a guerra do ópio na perspectiva dos vencidos, segundo o ponto de vista de Lin Zexu, Comissário Imperial (o que destruiu o ópio no porto de Cantão) e do diplomata Inglês Charles Elliot, duas figuras-chave dos acontecimentos registados na época.

Consegui encontrar uma cópia do filme no Youtube que está em boas condições. legendado em brasileiro bastante aceitável e que se encontra na hiperligação abaixo. Para quem tiver curiosidade e tempo (+/- 1h50) vale a pena visioná-lo. Vê-se bem.

O filme é claramente político (até pelo ano em que foi lançado), embora esteja montado duma forma épico-histórica, muito ao estilo de Hollywood. Foi gravado no "Hengdian World Studios" em Chinawood (uma referência a Hollywood) Apesar desta abordagem política, foi bastante bem recebido pela crítica ocidental sendo considerado uma representação justa dos factos históricos (even-handed - imparcial em inglês).

 

Filme - "A Guerra do Ópio" - 01H50

 

Posto isto, vamos então entrar no assunto principal deste post que trata de modelismo naval e de clippers e ver então... …

O que são “Clippers”

Para não entrar em muitas considerações filológicas sobre a origem do termo, direi apenas que o termo "clipper" deriva do inglês "clip" e pode ser traduzido livremente por "veloz".

Não existe uma definição única para as características dos clippers mas, para os marinheiros, existem três coisas que devem estar reunidas num clipper:

  • deve ter uma configuração afilada, construído para ser veloz;
  • deve ter mastros altos e envergar o máximo de pano (área vélica);
  • e deve usar este pano dia e noite, com bom ou mau tempo.

Com uma silhueta esguia, o clipper perde em capacidade de carga o que ganha em velocidade.

Tipicamente os clippers aparelhavam com velas extra, não muito usadas em navios normais. Os primeiros clippers  de três mastros, com 43 m entre perpendiculares e 9 a 10 m de boca (uma relação aproximada de 1:5) e 490 T, armavam em galera.

Os clippers chamados "extreme clippers", com capacidade de carga de 1.000 a 2.000 T tinham também 3 mastros mas a sua armação comportava velas extra, sendo o seu aparelho composto por velas redondas nos mastros e mastaréus, velas latinas de entremastros, velas de carangueja e retranca no mastro da mezena e real, gurupés com as suas velas (3 ou 4), varredouras e cutelos.

 

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 O clipper "Lighting" a navegar com varredoura (vela mais baixa e exterior a estibordo), cutelos no traquete e mastro real (as velas exteriores do meio e superiores quer a estibordo quer a bombordo). Estas velas funcionavam em vergas extensíveis para fora do casco, acopladas ás vergas principais ligadas aos mastros. Era muito pano! A manobra destes navios exigia muitos marinheiros bem treinados e sabedores do seu ofício e uma mão forte a coordená-los. Tinha de ser uma "máquina" bem oleada!

Parece que os primeiros navios a que foi dado o nome de clippers foram os "Baltimore Clippers". Estes navios eram "Topsail Scooners", escunas que envergavam uma ou duas velas redondas no mastro do traquete e foram desenvolvidos na baía de Chesapeake antes da revolução americana, tendo atingido o seu apogeu entre 1795 e 1815. Eram pequenos, raramente com mais de 200 T e inspiraram-se nos lugres franceses. Muitos deles foram barcos piratas na baía de Chesapeake e no Oceano Atlântico, na zona da costa da Virgínia e de New Jersey.

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 Um clipper de Baltimore reconstituído nos nossos dias, na baía de Chesapeake

 

Na guerra de 1812 entre os Estados Unidos e a Inglaterra alguns destes clippers foram armados e combateram com cartas de corso (estatuto de corsários ou seja, podiam "roubar" legalmente) e ficaram conhecidos pela sua velocidade que, além de resultar da configuração do casco esguio, juntava um elevado calado, o que lhe possibilitava arrimar-se bastante ao vento. Os clippers que romperam o bloqueio dos britânicos a Baltimore ficaram mais conhecidos pela sua velocidade do que pela sua capacidade de carga.

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 A baía de Chesapeak no estado da Virgínia

 

No livro "Chesapeake" de James A. Michener (1907-1997), editado em português pelas Publicações Europa-América em 1978 na sua colecção Século XX, estes navios são referidos em várias ocasiões como fazendo parte da história da costa oriental dos USA. Embora o livro seja romanceado - e o próprio autor avisa que é ficcionado - pela pesquisa que foi efectuada, dá uma ideia muito aproximanda do que foi a realidade nessa zona do século XVI ao século XX. Estamos habituados a ligar os USA à conquista do Oeste com cowboys, índios, vacas e combóios mas também existiu uma colonização no Leste, protoganizada por índios, colonos, escravos e navios (e a invenção e construção dos mesmos), talvez não tão violenta mas com episódios de grande violência.

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A velocidade que era requerida aos clippers para romper o bloqueio a Baltimore também era necessária para os clippers do ópio que navegavam entre a Inglaterra, a Índia e a China. 

Apareceu então, um tipo de clipper inspirado nos "Clippers de Baltimore" os chamados "Early Clippers".A construção desta classe de navios foi iniciada por volta dos anos 30 do século XIX. Básicamente a sua estrutura era totalmente em madeira. Este foi um comércio que só deixou de ser lucrativo para os proprietários americanos em 1849, ano do início da corrida ao ouro na Califórnia.

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Um early clipper - Um clipper do ópio Inglês denominado "Water Witch" - 1831

 

No apogeu da vela o clipper mais emblemático - até porque ainda existe - foi o Cutty Sark - que foi recentemente restaurado depois de um incêndio em 2007 quando se encontrava a ser sujeito a obras de conservação e se encontra, exposto no mesmo sítio - na doca seca de Greenwich, Inglaterra.

 

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 O "Cutty Sark" quando eu o conheci e ...    na actualidade

 

Os clippers como o "Cutty Sark", são classificados como "Extreme Clippers". Eram navios muito rápidos que sacrificavam a capacidade de carga à velocidade o que lhes possibilitava viagens de longo curso em pouco tempo em relação á época, especialmente adaptados para o transporte a longas distâncias de produtos mais perecíveis.

No entanto, encontram-se clippers deste tipo no transporte de todo o tipo de mercadorias além do chá (lã, carvão, nitratos, etc) bem como de passageiros nomeadamente de imigrantes, para a Austrália por exemplo. O primeiro "Extreme Clipper" a ser construído foi desenhado por John W. Griffeths da firma Howland & Aspinwall de Nova Iorque tendo sido iniciada a sua construção em 1843 e sido lançado á água em Janeiro de 1845.

Na época dos "Extreme Clippers" foi aperfeiçoada a técnica já existente desde os anos 20 dos "composite ship", construídos com base numa estrutura de ferro forjado - principalmente as balizas - e recobertos a madeira, quilha incluída, tendo atingido a sua maturidade em 1843 com o SS Great Britain. Este tipo de construção, subsistiu até á data da abertura do Canal do Suez em 1869.

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 Construção mista (composite ship)

 

A partir de c. 1851, apareceu um outro tipo de clippers os "Medium Clipper", que mantiveram as mesmas qualidades de navegação mas aumentaram a sua capacidade de carga em relação aos "Extreme Clippers". Como exemplo deste tipo de clippers temos o "Antelope of Boston" construído em 1851 e o "Golden Fleece" construído em 1852.

Infelizmente não consegui encontrar nenhuma representação gráfica deste tipo de clippers.

Posteriormente a esta data, os clippers começaram a ser substituídos por navios a vapor, construídos em ferro.

Tendo em atenção que o que caracteriza os clippers é a manutenção de uma grande velocidade sacrificando a capacidade de carga ou, por outras palavras, um casco cada vez mais hidrodinâmico e com linhas de água baixas, aumentando assim a capacidade do navio de "deslizar" na água e não "afundar na água", podemos classificar os clippers em 3 categorias tendo em atenção a relação entre a boca do navio e o comprimento entre perpendiculares:

  1. Early Clippers - Os primeiros clippers (clippers de Baltimore com melhorias)
  2. Extreme Clippers - Os clippers em que a relação comprimento boca foi levada aos limites para atingir o máximo de velocidade
  3. Medium Clippers - Com boas capacidades de navegação mas maior capacidade de carga.

 

 Continua

 

Bons ventos

Até á próxima

 

 

 

 

 

 

 

14.05.15

16 - Modelismo Naval 4 - Os Fabulosos Clippers da China - Parte 1


marearte

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Caros amigos

No post nº 14 - "Barcos Engarrafados 1 - Mini Caravela: Capítulo I - Um Projecto falhado e...", falo num modelo de "clipper" que inicialmente era destinado a ser engarrafado mas que passou a modelo estático montado em diorama que foi oferecido aos meus cunhados.

Hoje quero recuperar a história dessa construção. Para isso, vou contar coisas da nossa história, coisas da história dos outros e coisas da minha história, memórias e recordações ligadas às coisas do chá e do seu transporte.

 

História do Chá

Nos finais do séc. XIX a "moda" do "five o'clock tea" estava no auge na sociedade Inglesa (a que "contava"e as outras), que se deliciavam com vários tipos de chá, provenientes da China e da Índia.

De realçar que a "típica" moda do chá foi introduzida na corte da Inglaterra pela infanta portuguesa D. Catarina de Bragança que casou com o rei da Inglaterra e da Escócia - Carlos II - em 21 ou 22 de Maio de 1662 (os arquivos não são elucidativos quanto á data precisa).

Segundo parece, já se bebia chá na Inglaterra - como mezinha para as mais variadas coisas - pois há notícia de que já era vendido chá na loja de café de Thomas Garraway na Exchange Alley em Londres, no ano de 1657. O que é um facto é que foi levada para a Inglaterra por D. Catarina de Bragança uma arca de chá e foi introduzido na corte o hábito de beber chá socialmente.

Históricamente sabe-se também que a geleia de laranja (um doce conventual), o uso dos talheres e o uso do tabaco - este último também como mezinha que estava especialmente indicada para doenças pulmonares (boa!) - foram introduzidos na corte de Londres por D. Catarina de Bragança.

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Livro "Catarina de Bragança" de Isabel Stilwell - 2008

 

Básicamente existem três variedades de chá todas "primas" das cameleiras que temos nos nossos jardins. As mais conhecidas são: a "Camélia Sinensis" um arbusto que cresce na China, no Tibete e no Japão, a "Camélia Assamica" proveniente da Índia e a variedade do Camboja "Camélia Assamica subspecies lasiocalyx".

Hoje em dia existem imensas variedades adaptadas a climas e altitudes diversificadas. Por exemplo, na ilha de S.Miguel, nos Açores, existem duas plantações e fábricas de chá de qualidade (estão localizadas na costa Norte a mais ou menos 100 metros de altitude)  - a Gorreana com 32 Ha e Porto Formoso com 5 Ha situadas no concelho da Ribeira Grande e que, no seu conjunto, produzem por ano por volta de 50T de chá preto e verde - e fazem visitas guiadas para os turistas. O chá produzido e manipulado nos Açores é o único de origem europeia e tem a garantia de isenção de químicos. É da variedade "Camélia Sinensis" e foi introduzido na ilha vindo do Brasil no século XVIII.

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 Fábrica e plantação da "Gorreana"

 

Passando a publicidade, o "Orange Pekoe" da Gorreana é dos melhores que bebi entre os mais diversos "Orange Pekoe" que se produzem no mundo.

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 Dois chás da "Gorreana": O "Orange Pekoe" preto e o "Hysson" verde

 

Durante dois anos vivi em Moçambique entre plantações de chá na Alta Zambézia, uma zona montanhosa, de frequentes nevoeiros e com temperaturas elevadas, sendo a maioria dessas plantaçoes com base na variedade "Camélia Sinensis", e recordo com uma certa nostalgia, as manhãs brumosas, a beleza e a harmonia (incluíndo as pessoas) das plantações de chá com o verde brilhante característico dos novos rebentos que começavam a crescer (flush) e que indicavam o início da apanha.

Foi daqui e do contacto com um casal inglês, o Emmett e a Cynthia, que me veio o interesse pelo chá (ainda bem que foi "só" pelo chá). O casal era meu amigo e da minha mulher, mais velhos do que nós. Ele era "teamaker" da chá "Madal", vindo de Dargeeling na Índia, zona da "Camelia Assamica". Fiz algumas provas de chá com lotes misturados por ele. Ela, uma tipica "lady" inglesa das colónias, muito "caril" e "achar", habituada a grandes mordomias. Nítidamente o que os ligava "ainda" era amor. Ambos tinham um pormenor curioso, para mim inédito! A única bebida que tomavam era... Gin! Por copos de água! Puro! Nós também bebiamos Gin por copos de água! Mas com Água Tónica. O resultado é que lá para o fim do dia, tanto ele como ela, deliciavam-nos com interpretações de teatro de "Vaudeville" do tempo da 2ª Guerra Mundial na Inglaterra. Ele tocava piano e cantava e ela cantava e dançava! E podiam ter ganho a vida com isto!

A Cynthia faleceu devia de ter por volta dos sessenta anos com uma doença de figado o que era de esperar e o Emmett, que era um pouco mais velho, levou o corpo dela para a Rodésia do Sul (actual Zimbabwé) onde foi cremado. O Emmett nunca mais voltou e ficou pela Rodésia. Mais tarde foi-nos comunicado que se tinha suicidado logo após a cremação da mulher. Nunca houve confirmação de tal facto, que eu saiba. Os exageros românticos dos velhos expatriados europeus na Ásia e em África. Paz às suas almas!

 

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Livro o "Guia do Chá" de Jane Pettigrew - 1997

 

História das Guerras do Ópio

O chá tem uma história bastante curiosa, protagonizada pelas andanças dos ingleses entre a China e a Índia que não abona muito a favor dos "misters" e de outros, mesmo salvaguardando a distância histórica.

O primeiro produtor a quem a Inglaterra comprou o chá foi à China. Este chá (bem como a seda e as porcelanas) era pago em tecidos de algodão que era a única exportação da Inglaterra. A partir de uma dada altura a China recusou aceitar mais algodão  pois não precisava nem queria esse produto. Em 1800 os Ingleses começaram a pagar em ópio - produzido em Bengala que fazia parte do imperio britânico - apesar de estar proibida, por lei chinesa, a sua importação.

A "Companhia Inglesa das Índias" vendia ilegalmente (contrabando) ópio aos chineses a troco de prata, através de mercadores de Calcutá e pagava o chá aos chineses com essa mesma prata. E todo este tráfico era ilegal (para a China claro!). Como não podia deixar de ser, também houve portugueses a participarem activamente neste tráfico.

Tudo começou com o brutal assassinato em Cantão de um cidadão chinês por um grupo de marinheiros ingleses embriagados, tendo o comissário imperial chinês ordenado a expulsão de todos os ingleses da cidade.

Após a destruição de 20.000 arcas de ópio apreendidas pela China em 1833 por Lin Zexu um comissário chinês,(1) o apresamento de alguns navios ingleses e a expulsão dos subditos ingleses responáveis pelo contrabando, a Inglaterra acabou por declarar guerra à China - Primeira Guerra do Ópio 1839-1842 -  (para ensinar aos chineses os principios do comércio livre - dito pelos ingleses / Globalização?? - pergunto eu). A China, por seu lado, também acabou por embargar a exportação do chá para a Inglaterra (um crime de lesa majestade, na óptica dos Ingleses).

A inglaterra venceu o conflito que foi encerrado em Agosto de 1842 pelo Tratado de Nanquim (o primeiro dos chamados Tratados Desiguais). As consequências foram pesadissimas para a China; a abertura forçada de vários portos ao comércio do ópio, incluíndo a entrega aos ingleses, por um periodo de 155 anos, da ilha de Hong Kong.

Apesar desta vitória, os interesses imperialistas dos ingleses não estavam suficientemente contemplados segundo eles, e a situação continuou a degradar-se. Com o pretexto de uma revista de inspecçao feita pelos chineses ao navio de bandeira britânica "Arrow" em 1856 os franceses aliaram-se aos ingleses e declararam guerra à China -  Segunda Guerra do Ópio 1856-1860 - que terminou novamente com a derrota da China e com a assinatura do Tratado de Tianjin (dificilmente aceite pelo Imperador Chinês que só o ratificou após a ocupação de Pequim pelas tropas aliadas). Por este tratado foram abertos mais onze novos portos, foi permitida a instalação de legações ocidentais em Pequim e os chineses renunciaram ao termo "bárbaros" que usavam nos documentos oficiais para identificar os ocidentais. Tinham-nos em muito boa conta! Estava concluída a "Globalização". Hoje, os chineses vingam-se de uma forma, para já, mais pacífica.

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 Filme "55 dias em Pequim" - 1963

"55 Dias em Pequim é um épico de Hollywood... uma espectacular produção com um elenco de milhares que enche o ecrã de acção e romance"


"China, ano de 1900. As embaixadas estrangeiras em Pequim estão sob um sangrento cerco desencadeado pelos boxers, que assassinam cristãos numa violenta revolta nacionalista, ação promovida pela xenofobia da imperatriz (Flora Robson). Dentro do recinto assediado, o embaixador inglês (David Niven) une-se aos membros de outras delegações, numa tentativa desesperada de resistir ao cerco. A coragem e liderança de um fuzileiro naval dos EUA (Charlton Heston), são a única esperança para escapar desta armadilha, Enquanto isso, uma bela condessa russa (Ava Gardner) deverá escolher entre a liberdade e o compromisso."

 

Embora o filme "55 dias em Pequim" pretenda focar o que se passou no final da "Guerra dos Boxers" que decorreu entre os anos de 1899 e 1900, foi feita a tentativa de passar o filme como "verdade histórica" pelo ponto de vista holywoodesco. Nada de mais errado.

A "Guerra dos Boxers" aparece na sequência das guerras do ópio e é iniciada pela sociedade secreta a "Sociedade dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros", que lutava contra a ocupação estrangeira. A Inglaterra, a Alemanha, os Estados Unidos da América, a França, o Japão, a Itália e a Russia formaram um exército que tentou ocupar a cidade de Pequim, onde a conflitualidade era maior. Mas parece que os países da "coligação" (já nesta altura! em vez do petrólro o ópio) se aproveitaram bem da situação. O mercado chinês, que se encontrava fechado ao exterior abriu-se e 450 milhões de chineses (estimativa da população chinesa na época) viraram consumidores no mercado global. Principalmente, consumidores de ópio! (2) Um problema que se veio a agravar ao longo dos anos mas que foi práticamente eliminado em 1956, devido a uma continuada política de reintegração familiar dos dependentes da droga, seguida oficialmente pela República Popular da China. Nem tudo foi mau. Tiveram dias!!

Mas a história do chá, no que diz respeito aos ingleses e chineses, não se fica por aqui.

 

 

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Livro "Ópio" de Maxence Fermine - 2003

 

História do Roubo do Chá

Robert Fortune (1812-1880), botânico escocês, é referenciado como tendo "importado" plantas e sementes de chá da China. 

Sem eufemismos, Robert Fortune "roubou" na cara dos chineses não só os segredos da manufactura do chá como também cultivares do chá que foram transferidas para a Índia. Tal como nas Guerras do Ópio e na Guerra dos Boxers os ingleses fizeram da sua "estória" (story), a história dos vencedores.

Embora a Inglaterra cultivasse no Nordeste da Índia nas plantações de Assam chá "Camélia Assamica", pelos irmãos Bruce desde 1830, a qualidade do mesmo deixava bastante a desejar e não conseguia concorrer com o chá da China.

Por outro lado, a CIO, Companhia das Indias Orientais (Coroa Britânica) já não tinha o monopólio da importação do chá e passou a ter de concorrer com comerciantes independentes. Estando dependente do comércio com a China, a CIO tudo tentou fazer para se apropriar de amostras de plantas do chá chinesas e transplatá-las nas montanhas do Himalaia bem como para se apropriar do know-how dos chineses - saber com mais de cinco mil anos - sobre o cultivo e processamento dos chás, segredo ancestral ciosamente defendido pelos chineses. Por exemplo, na altura nada se sabia sobre a diferença entre o chá verde e o chá preto, julgando-se que ela resultava de variedades diferentes quando, na realidade, é uma questão de processamento pós-colheita. Esta foi uma descoberta "in loco" feita por Fortune.

E não era fácil conseguir estas coisas. Embora os portos chineses estivessem abertos ao comércio, existia uma proibição para os estrangeiros de se deslocarem para além de 45 km dos portos, o que impossibilitava aos estrangeiros sem autorização - fácilmente identificáveis pela sua aparência evidentemente muito diferente da dos chineses - o acesso às áreas do cultivo do chá, muito para o interior. E, em alguns casos - os segredos do chá era um deles - poderiam terminar com a condenaçao a morte do prevericador.

Em Setembro de 1848 Fortune já se encontrava em Xangai, portador de uma ordem de missão assinada pelo governador das Índias Orientais em 3 de Julho do mesmo ano com o seguinte texto:

"Você deve seleccionar plantas e grãos das melhores espécies de chá verde vindos das principais regiões produtoras e, depois, transportá-los, sob sua responsabilidade, da China a Calcutà e, de lá, até ao Himalaia. Você deve também voltar todos os seus esforços para contratar produtores de chá experientes e bons fabricantes, sem os quais não poderemos desenvolver nossas plantações no Himalaia" (3)

Fortune disfarçou-se o melhor que soube - era difícil para um escocês de pele rosada e com 1,80 m de altura passar por chinês - rapou o cabelo, deixou uma trança, vestiu-se "à chinesa", mudou o nome para Sing Huá e iniciou a sua aventura - que para ele não era mais do que isso - em direcção aos montes Huangshan, região reputada pelos seus chás verdes, passando por Hangzhou e o rio Verde.

 A 15 de Dezembro de 1848, escreveu ao governador das Índias:

"Tenho o prazer de informar-lhe que consegui uma grande quantidade de grãos e de mudas que, espero, chegarão intactas à Índia. Estimo que todas pertençam à espécie "Thea viridis"(4)... Mandei plantar uma boa parte dos grãos coletados durante os dois últimos meses aqui, nos jardins, com a intenção de enviá-los posteriormente para a Índia".

Os jardins a que Fortune se refere eram os dos consulados e dos comerciantes ingleses estabelecidos nas zonas dos portos que garantiam a confidencialidade da operação. Atrevo-me a dizer: também acompanhada da linguagem universal de garantia de confidencialidade - a corrupção.

Com o apoio de compradores chineses - os conselheiros chineses dos compradores ocidentais - consegui recrutar 6 produtores/fabricantes de chá e dois fabricantes de caixas para transporte de chá. 

A 15 de março de 1851, Fortune na companhia dos trabalhadores contratados (5) chegaram a Calcutá, acompanhados de mais de vinte mil pés conservados em caixas Ward. (6)

E é esta a história do roubo do chá pelos ingleses. Agora podemos perceber o desrespeito acintoso que os chineses têm por patentes e direitos de autor. Tiveram bons professores.

O resultado desta "espionagem industrial" foi de que em 1866, 4% do chá consumido pelos ingleses vinha das Índias. Em 1903 esse número passou para 59%. O chá chinês representava sómente 10% do total das importações do Ocidente. Hoje, a China é o 2º produtor mundial com 19% depois da Índia que representa 34% da produção mundial.

Fortune publicou em "A Rota do Chá e das Flores" o diário desta aventura e um outro livro "Uma Viagem para a China país do Chá" que não consegui encontrar em nenhum lado. No entanto, o livro de Maxence Fermine "Ópio" é baseado no diário de Fortune, embora romanceado o que, no meu entender, aumenta o seu interesse

 

 (1) Numa carta dirigida à Rainha Vitória de Inglaterra o Comissário Imperial Lin, dizia: 

"... embora vocês próprios não tomem ópiocontinuam a fabricá-lo e a tentar o povo da China a comprá-lo. Vocês estão mostrando o cuidado que têm com as vossas próprias vidas, mas estão a descuidar as vidas de outras pessoas , indiferentes, na vossa ganância por ganhos, aos danos que façam a outros: tal conduta é repugnante para os sentimentos humanos ..."

Esta carta, encontra-se nos arquivos oficiais chineses mas nunca chegou a ser enviada.

(2) Em 1880 a China importou mais de 6500 toneladas de ópio e já se cultivava o ópio na China. 9 em cada 10 chineses estavam "agarrados" ao ópio e à heroína.

(3) Arquivos da CIO conservados na Biblioteca Britânica. 

(4) "Camelia Sinensis"

(5) A saída destes trabalhadores da China não deve ter tido grandes complicações pois, em 1851, a saída de chineses do Império para S. Francisco e para o Eldorado Californiano, era normal.

(6) Caixas usadas para o transporte de mudas de plantas a grandes distâncias, que são isoladas e conservam a humidade durante muito tempo, através de um sistema de alvéolos cheios com argila humidificada.

 

Continua 

 

Bons ventos

Até á próxima