17.03.15
14 - Barcos Engarrafados 1 - Mini Caravela: Capítulo I - Um projecto falhado e ...
marearte
Caros amigos
Uma das secções que está prevista ser incluída neste blogue desde o início da sua publicação é intitulada "Barcos Engarrafados", actividade que sempre me despertou a curiosidade mas que, quanto á técnica usada, sempre julguei não muito precisa, já que enfiar um barco numa garrafa é uma coisa (difícil sem dúvida) mas, para o conseguir, ter de eliminar a maioria dos pormenores e das proporções que lhe dão graça, já não é do meu acordo.
A técnica a que me refiro é a clássica de fazer o barco com os mastros abatidos sobre o casco mas articulados e ligados pelos óvens ao mesmo e, entre si, por fios que possiblitem a sua elevação dentro da garrafa, enfiá-lo pelo gargalo da garrafa, puxar um fio mestre e... já está. Será esta a sequência, o já está é que não é bem assim!
Em 1991 vi no Museu Marítimo de Greenwich uma exposição itinerante de "Ships in Bottles" que me entusiasmou. Procurei em Londres numa livraria da especialidade um livro de iniciação sobre o assunto e encontrei um que tinha sido editado no ano anterior, por coincidência com o mesmo nome da exposição que tinha visto.
O meu primeiro livro de "engarrafamento de barcos"
Quando cheguei a Portugal, idealizei um pequeno estaleiro para a construção dos barcos e tentei montar um "clipper" para uma garrafa.
Por mais voltas que desse nunca me agradou o ter de fazer concessões aos pormenores e às porporções e por isso o clipper foi terminado (com pormenores), não para entrar dentro de uma garrafa, mas para figurar num diorama. O estaleiro ficou arrumado a um canto, a apanhar pó.
O ano passado tive contacto com outra técnica, essa sim, que me encheu as medidas. Através do Blogue "Mar das Garrafas" pude observar uma técnica que permite chegar a pormenores que não se conseguem reproduzir da maneira clássica.
Em vez de se construír o barco em bloco fora da garrafa e de se enfiar completo pelo gargalo, articulando-o de forma a elevar os mastros puxando um fio, o barco é seccionado e construído em peças fora da garrafa (como que pré-fabricado) e essas secções são montadas "dentro da garrafa". Sem dúvida uma técnica mais difícil e morosa que exige bastante habilidade e a invenção de ferramentas apropriadas, mas o resultado compensa. E é um desafio "desafiante".
Mas para ter uma ideia mais real do "como se faz" nada como consultar o blogue "Mar das Garrafas" que referi anteriormente.
Houve uma época da minha vida em que o tempo era escasso para passatempos mas fui encontrando algumas coisas que ia adquirindo na esperança de que, mais tarde, me pudessem ser úteis (para desespero da minha mulher).
Assim, tenho na minha oficina uma colecção de garrafas que fui juntando ao longo do tempo, entre elas uma que me pareceu especialmente aproprida para construír um barco segundo esta nova técnica (para mim). É uma garrafa ou melhor, um frasco de farmácia que encontrei há uns anos numa feira de velharias e que tinha as medidas perfeitas para lhe meter dentro uma caravela latina de três mastros do século XVI, com um comprimento entre perpendiculares de 13 cm. Numa escala de 1:160, serão aproximadamente 21m.
A garrafa/frasco escolhida com 18m/m de diâmetro interno no gargalo, 14cm de diâmetro interno no bojo, 14,5cm de comprimento interno aproveitável no corpo cilindrico e 24 cm de comprimento total externo
Garrafa escolhida e, como as grandes viagens começam no primeiro passo mas fazem-se passo a passo, o passo seguinte foi o de fazer a planificação no papel, do barco a construír.
A escala que escolhi de 1:160 (aproximadamente), foi condicionada pelo tamanho da garrafa mas revelou-se bastante boa para a elaboração das pequenas peças em pormenor.
Com base nos planos da caravela latina de três mastros do séc. XV publicados pelo Museu de Marinha, numa série de estudos sobre caravelas, em informações iconográficas e documentais e também na minha leitura/interpretação, elaborei os seguintes 3 desenhos:
Desenho I - Plano Geométrico com Plano Horizontal e Plano Longitudinal
Desenho II - Plano Vélico e Plano de pormenores do convés, do tombadilho e da amarração das vergas
Desenho III - Plano final (barco engarrafado com peanha de montagem do barco na garrafa em madeira e suporte de exposição da garrafa em acrílico de 3m/m)
Não me lembro em que site ou blogue vi um vídeo de alguém a meter um barco numa garrafa em que a garrafa rolava solta na mesa de trabalho, obrigando ao uso de uma mão para segurá-la o que complicava uma situação já de si complicada. E tratava-se do uso da técnica clássica. Pior seria no uso da técnica "pré-fabrico" que exige precisão, principalmente nas colagens. Portanto, o passo seguinte foi a construção de um estaleiro para este tipo de modelismo.
O estaleiro foi construído em aglomerado de 2cm e o seu funcionamento não carece de explicação, com excepção da régua branca que é destacável. Trata-se de uma peça com furos numerados de 1 a 67, (podiam ser menos furos - ou mais - mas por uma questão de simetria e também porque é melhor de mais do que de menos, optei por furar todo o espaço disponível) que servem para classificar, separando e identificando cada um dos diferentes cabos que vão ficando pendentes do gargalo da garrafa durante a fase da montagem e que têm de ser diferenciados. Concerteza que pode ser feito de outra maneira. Também optei por uma sujeição da garrafa feita com fita velcro pois dá para diferentes diâmetros de garrafas.
Estaleiro de montagem com régua de classificação de cabos
A inexistência de ferramentas específicas adaptadas à forma de trabalhar na montagem dos barcos com esta técnica obriga ao seu fabrico específico. A maioria não é mais do que "extensões" das feramentas comuns. Ferramentas para cortar, para pegar, para puxar, para empurrar, para guiar fios, para colar, etc., uma infinidade que, segundo me dizem, vai aumentando em proporção directa ao número de barcos que engarrafamos. Outras poderão ser inventadas. Uma ferramenta que não está na panóplia que apresento é um simples pedaço de arame de 2m/m, com tamanho suficiente, fácilmente moldável e que muitas vezes substitui a ferramenta mais sofisticada. Os pedaços de madeira cilindrica que se encontram no "frasco de ferramentas"- e que têm 330 m/m X 6 m/m - servem para escorar qualquer tipo de colagem mais teimosa. Tenho a sensação de que falta uma ferramenta específica para aplicação de molas de pressão (do género de alicate de freios) para as colagens. Logo se verá!
O "frasco" de ferramentas e o tabuleiro de "cirurgia"
Outras coisas são necessárias. Por exemplo, bitolas para a uniformização da construção de algumas peças como, bitolas para a espessura dos moitões e bitolas para a montagem dos moitões nos óvens. Como também bitolas para a manufactura das balustradas do tombadilho. Vamos andando e inventando.
Duas bitolas. A de cima para uniformizar a espessura dos moitões para os óvens. A de baixo para alinhar e manter a distância dos moitões na montagem de cada um dos óvens
E restava iniciar a construção das diferentes peças pré-fabricadas.
Todas as secções e pequenas peças foram elaboradas e organizadas de modo a seguirem uma determinada sequência na montagem e foi feito um ensaio dessa mesma sequência fazendo os ajustamentos finais necessários.
Qualquer erro nesta parte da montagem é difícil de emendar e pode comprometer o projecto. Esta parte não foi documentada passo a passo porque me entusiasmei e me esqueci. Prometo que num próximo engarrafamento irei fazer uma descrição o mais completa possível.
Mas também me esqueci de outra coisa. Não fui ao templo de Poseidon (deus grego do mar, bem conhecido pelos seus caprichos), fazer-lhe uma oferenda para facilitar o meu trabalho.
Ruínas do Templo de Poseidon na Grécia (um pouco como a deusa "austeridade" deixou o país)
Poseidon zangou-se e fui castigado.
Depois das peças da caravela estarem todas construídas e arrumadas para serem montadas na garrafa, fui lavá-la com uma infusão de vinagre e detergente, escorregou-me da mão, bateu no tampo da mesa de trabalho e... rachou o gargalo.
A garrafa ficou sem utilidade. Ainda a mantenho por uma razão de prova do crime. O problema é que o barco estava totalmente feito (não montado) e tinha sido idealizado em função das medidas daquela garrafa. Tinha que arranjar uma igual. Mas não encontrei garrafas destas em Portugal ou na Espanha. Há no Brasil. Que lhes faça bom proveito!
Tentei junto de artesãos do vidro e o único que me respondeu pediu-me €150,00 para fazer uma manualmente ou €100,00 com molde. O molde custava €300,00. A garrafa deve-me ter custado no máximo €5,00. Proibitivo! Nada tenho contra os artesãos, antes pelo contrário. Eu também sou. Mas acho que é um pouco explorar o parceiro!
E agora? Que fazer?
Continua no próximo capítulo!
Um abraço e
Bons Ventos