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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

15.03.15

13 - Folios em Relevo 1 - "Livro de Traças de Carpintaria - Fólio 77"


marearte

 

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Caros amigos

 

Documentação Técnica Portuguesa de Arquitetura Naval

Uma das áreas que merece ser estudada por quem se dedica a estas coisas do modelismo naval, mais concretamente ao modelismo de arsenal em ligação com a arqueologia naval, é a documentação técnica (fontes documentais) existente para os séculos XVI e XVII onde se podem colher informações importantes para a construção dos modelos, já que as fontes arqueológicas são escassas e as fontes iconográficas são bastante imprecisas e enganosas incluíndo algumas que se encontram em museus, salvo algumas exceções.

Esta documentação está dispersa em várias publicações e, embora a documentação portuguesa seja primordial, há também que ter em conta toda a outra documentação publicada noutros países, como por exemplo a publicada em Espanha  já que teve necessariamente bastante influência, principalmente no período da ocupação de Portugal pelos espanhóis. Mas não só neste período. Por vezes, por excesso de patriotismo, achamos que só nós contribuímos para a evolução da construção naval.

Vamos referir aqui 3 autores e as respetivas obras essenciais nas fontes documentais manuscritas e impressas portuguesas:

- de Fernando Oliveira a 1-“Arte da Guerra do Mar” (1555), a 2-“Ars Nautica” (1570?) e o 3-“Livro da Fábrica das Naos” (1580);

- de João Baptista Lavanha o 4-“Livro Primeiro de Architectura Naval” (1610) - este autor possui uma vasta obra náutica que abrange mais 14 títulos que vão desde técnicas de navegação a roteiros, passando por instruções técnicas para o uso de instrumentos de navegação e relato de naufrágios;

- de Manuel Fernandes o -Livro de Traças de Carpintaria” (1616).

Todas estas obras são do domínio público e as que possuo foram editadas por:

1- Edições 70 – 2008. Com estudo introdutório pelo Contra-almirante António Silva Ribeiro, cópia da obra em letra de imprensa normal (mais legível) e fac-simile da edição original de 1555;

2- A obra “Ars Nautica” não se encontra editada. Segundo Filipe Vieira de Castro[1], que tem procurado editar todas as obras essenciais para o estudo da construção naval, não foi possível até agora, obter autorização por parte da Leiden University Library da Holanda (onde se encontra o original) para a edição da mesma. Esta obra é considerada enciclopédica e aborda principalmente a cartografia e a náutica. Embora seja em latim necessitando assim de tradução para a maioria, é uma pena ainda não ter sido editada pois contem informação importante;

3- Academia de Marinha – 1991. Edição bilingue (Português/Inglês), com nota de apresentação pelo Presidente da Academia de Marinha, Rogério S. G. d’Oliveira, nota biográfica e bibliográfica do Professor Doutor F. Contente Domingues e R. A. Barker, descrição codicológica por Teresa A. S. Duarte Ferreira, texto do Livro da Fábrica das Naus em letra de imprensa e fac-simile do manuscrito original;

4-Academia de Marinha – 1996. Edição bilingue (Português/Inglês), com nota de apresentação pelo Presidente da Academia de Marinha, Rogério S. G. d’Oliveira, nota biográfica do Professor Doutor F. Contente Domingues e comentários de R. A. Barker, transcrição do texto por João da Gama Pimentel Barata revisto à luz dos novos critérios po Susana Münch Miranda, estudo do texto do Livro Primeiro da Architectura Naval por João da Gama Pimentel Barata e fac-simile do manuscrito original.

5-Academia de Marinha – 1995. Edição bilingue (Português/Inglês), com introdução pelo Contra-almirante António Silva Ribeiro (inclui a nota de apresentação da edição fac-similada de 1989 do original manuscrito), transcrição do manuscrito em letra de imprensa segundo leitura de Eugénio Estalinau de Barros e Manuel Leitão e índice dos desenhos dos modelos existentes na segunda secção do manuscrito.

Ainda para o mesmo livro, da Academia de Marinha – 1989. Fac-simile do original do” Livro de Traças de Carpintaria” que se encontra na Biblioteca da Ajuda e conta com uma parte descritiva que vai desde a “Nao de quatro cubertas” (fol. 1) até ao “Esquife de nove goas” (fol. 60), seguindo-se uma parte desenhada, profusamente ilustrada e colorida, que vai desde a “Caverna mestra” (fol. 71) até á “Falua acabada” (fol. 137)

 [1] O professor e investigador Filipe Vieira de Castro é o Director do Ship Reconstruction Laboratory (ShipLAB)  do Centre for Maritime Archaeology and Conservation of the Anthropology Department at Texas A&M University e responsável por, entre outros cursos, os seguintes: ANTH614 – Books and Treatises on Shipbuilding e ANTH616 – Research and Reconstruction of Wooden Ships. Tem sido uma referência para mim.

 

O “Livro de Traças de Carpintaria”

 

O Autor

 

Manuel Fernandes diz-se oficial “carpinteiro naval” no texto que está subjacente ao seu retrato no frontispício da sua obra:

“Livro de traças de Carpintaria com todos os Modelos e medidas para se fazerem toda a navegação, assi d’alto bordo como de remo, traçado por Manoel Frz oficial do mesmo ofício”

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Muito pouco se sabe da sua biografia. Ou melhor, sabe-se alguma coisa mas sem ser possível fazer a confirmação dos dados pois a existência de outro "Manuel Fernandes" contemporâneo, com funções equivalentes, lança um pouco de confusão nesses dados.

Salvaguardando outros dados biográficos que entretanto possam vir a ser identificados como verdadeiros e seguindo o que foi escrito por Francisco Contente Domingues (F.C.D.) no Capítulo IV do seu livro "Os Navios do Mar Oceano - Teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII" editado em 2004 pelo Centro de História da Universidade de Lisboa em Maio de 2004,(pode-se descarregar um cópia na internet) o que se sabe é o seguinte:

Seria natural de Vila do Conde [2] (nascimento em finais do século XVI). Vivia em Lisboa casado com Maria André, era Mestre de Carpintaria, possívelmente na Ribeira de Lisboa. Foi nomeado Mestre da Ribeira de Goa? lugar que nunca chegou a ocupar. O resto... não se sabe!

[2] Tradicionalmente um centro ligado à construção naval (e também à manufactura dos panos para as velas, o famoso "pano de treu" também conhecido por pano de Vila de Conde - mas que também foi produzido em Barcelos, Porto, Maia e Azurara da Beira).

 

O Livro

O livro é um enorme calhamaço (por volta de 140 fólios de 48 X 38 cm) muito pouco manuseável, o que logo pressuõe que não se destinava aos carpinteiros da Ribeira. Foi descoberto na biblioteca do Palácio da Ajuda nos finais do século XIX. Como é que veio ali parar e quem era o seu dono... é uma incógnita. Apesar de todas as interrogações e incertezas que rodeiam o "Livro de Traças" e o seu autor, o livro é de enorme relevância.

Divide-se em duas secções:

- Uma primeira secção em texto (manuscrito em caligrafia do século XVII, bastante legível) onde se descrevem do fólio 1 ao 60, diferentes regimentos (38) de embarcações de alto bordo e de remos bem como de alguns apetrechos usados na construção naval. Segundo F.C.D., (obra referida anteriormente), pode concluír-se que esta parte está completa e foi elaborada com extremo cuidado.

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Fólio 1 do "Livro de Traças de Carpintaria" - Nao de quatro cubertas (texto)

Já o mesmo não pode ser dito da segunda secção composta por um conjunto de desenhos técnicos (266) em 87 pranchas desenhadas maioritáriamente a cores e com escala (petipé) a 3 cores.

No entanto, citando F.C.D.:

"Imprecisões, desenhos por acabar, esquadrias diferentes por vezes de fólio para fólio: o contraste é muito visível entre toda a primeira parte (da secção), que trata dos modelos dos navios redondos, e a parte final (navios de remos)...

Não temos qualquer dúvida em afirmar que o Livro de Traças de Carpintaria é uma obra inacabada."

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 Fólio 113 do "Livro de Traças de Carpintaria" - Patacho de guerra estrangeiro (pranchas)

 Por último, à pergunta "porquê e para quem foi escrito o Livro de Traças" a resposta é: não há certezas.

A hipótese mais plausível é a posta por F.C.D. :"Preparado por encomenda de algum alto dignatário, por exemplo o representante de uma grande casa senhorial, que quisesse ter na sua biblioteca testemunho do que era então o state-of-the-art da construção naval portuguesa, e não faltam casos exemplificativos deste tipo de curiosidade pelas matérias navais da época".

 

O meu Fólio 77

Deixando de parte todas as anteriores questões para serem resolvidas pelos académicos e apesar delas, quando tomei contacto com o "Livro de traças", fiquei deveras agradecido pela sua existência pois reune um conjunto de regimentos e desenhos técnicos que fazem luz sobre alguns aspectos da construção naval da época.

Particularmente pela existência de dois desenhos técnicos sobre a caravela do século XVI ou de data anterior, que penso, salvo futuras descobertas, são os únicos existentes. 

Assim procurei reproduzir em quadro, um dos fólios da "nao de quatro cobertas", concretamente o fólio 77 que é o modelo da popa da dita nau.

 

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Fólio 77 do "Livro de Traças de Carpintaria" original - Modelo da popa da nao de quatro cubertas (pranchas)

 

O quadro foi executado representando a estrutura apresentada em peças a 3 dimensões em MDF, envernizadas a mate, totalmente feitas à mão e em escala proporcional ao desenho original. O quadro é totalmente pintado à mão sobre papel Canson e as legendas dos seus vários componentes foram desenhados com letra da época, o mais igual possível ao desenho original. Está emoldurado em madeira de pinho envernizada com verniz mate e tem aposto na retaguarda um auto colante com informações sobre a estrutura representada. O quadro tem 53 X 43 cm.

O resultado é o que apresento a seguir.

 Fólio 77 - A minha execução

 

 

Está á venda por €60,00. Quem estiver interessado, nesta ou noutras obras feitas por mim, é so contactar-me para 

mareartenautilus@gmail.com

 

Até à próxima e bons ventos.