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Mar & Arte

Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

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Artesanato Urbano de Coisas Ligadas ao Mar (e outras)

21.03.15

15 - Modelismo Naval 3 - Mini Caravela: Capítulo II - e... aproveitado de outra forma


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Caros amigos

 

(continuação) 

Sem garrafa, tinha duas hipóteses. Ou deitava o trabalho fora, o que me fazia doer o coração (para engarrafar, o barco é inútil já que não consegui arranjar nenhuma garrafa com medidas que se adaptassem à escala do mesmo e adaptá-lo a uma outra garrafa com outras medidas, era o mesmo que fazer outro de raíz), ou mudava de rumo e montava o barco como um simples modelo de modelismo naval.

Optei pela segunda hipótese. E já que o barco tem as velas desfraldadas, optei por o expor num pequeno diorama figurando o mar e não numa peanha (destino igual ao do clipper da minha primeira tentativa falhada de engarrafamento de barcos).

Mudei de rumo! Fiz uma oferenda a Poseidon e...

Colei as diferentes secções, montei mastros, vergas, velas, o aparelho fixo e de manobra, os diferentes apetrechos e o resultado é este:

 

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Caravela latina de três mastros (c. finais do século XVI)

Escala aproximada de 1:160                        A.C.F. 2015

 

A mini-caravela ficou com as seguintes medidas:

Comprimento entre perpendiculares - 11 cm

Comprimento total - 13 cm

Altura (da base da quilha - sobressano - ao topo do lais da verga do mastro da proa) - 11 cm

Boca - 4 cm

 

Para modelar o casco do barco usei madeira de mogno e contraplacado de 1m/mm para o tombadilho, convés, balaustradas e amuradas.

Os mastros, vergas, escadas de portaló e de acesso ao tombadilho bem como as mesas de amarração de cabos, bomba de água, cabrestante, âncoras, canhões, cana do leme (que se encontra dentro do habitáculo da popa), escotilhas e os moitões e bigotas, foram feitas em madeira de cerejeira.

As velas são de pano de linho (o tecido do pano de treu), o barco foi pintado com tinta acrílica (a cor do casco tenta ser o mais aproximada possível da que realmente estes barcos tinham, já que eram calafetados e preservados com breu) e todas as partes de madeira foram protegidas com verniz de água mate, cor de mogno. 

Os cabos foram montados com linhas compradas na "loja do chinês" que se revelaram com uma óptima relação bitola/resistência, para já não falar no preço. Os cabos fixos foram montados com linha preta com maior bitola e os de laborar com linha branca de menor bitola.

Mas o melhor é "verem uma descrição".

 

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1 - Caravela vista por estibordo

 

 

 

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2 - Caravela vista por bombordo

 

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3 - Vista por bombordo do convés da proa

Destaque para a âncora espatilhada, o cabrestante, a escotilha do paiól dos cabos das âncoras, o bote de apoio que se encontra alojado no convés, um dos canhões de proa que se encontra a "espreitar" na amurada (o outro vê-se na amurada de estibordo), as mesas de amarração dos cabos de manobra das velas (a bombordo e também a estibordo) e as bigotas das enxárcias. 

 

 

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4 - Convés a meia nau visto por estibordo

De notar a escotilha de acesso ao porão, bigotas e moitões e, logo por detrás, a bomba de escoamento de água do porão.

 

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 5 - O tombadilho do castelo de popa

Com os cabos do aparelho de manobra enrolados em aduchas (no tombadilho, cabo de elevação da verga do mastro da mezena enrolado em aducha à inglesa e, pendurados das mesas de amarração situadas nas balaustradas, em aduchas simples os cabos de manobra das velas e da verga)

 

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 6 - O tombadilho visto de estibordo

Pode-se observar a porta do leme que tem a respectiva cana alojada no interior do habitáculo do castelo de popa, a escada de portaló, as duas janelas do habitáculo e uma das oito aberturas para escoamento da águas do convés em tempo de borrasca. O cabo que se encontra amarrado na balaustrada e que parece estar fora de sítio, é uma adriça que serve para içar e colher a flâmula que está pendurada da ponta do penol da verga do mastro da proa. Estas flâmulas começaram a ser usadas a partir de meados do século XVI e identificavam o proprietário do navio ou o seu comandante.

 

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7 - Vista de conjunto de bombordo, da proa para a popa, que engloba os diferentes pormenores já descritos

 

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8 - Vista de estibordo da proa com os pormenores já descritos.

De assinalar o capelo (parte superior da roda de proa) que tinha normalmente nas caravelas latinas este feitio, embora pudesse por vezes variar ao sabor da veia artística do construtor. Também existia a tradição (mediterrânica), que ainda hoje é seguida nos países mediterrânicos (Portugal incluído - vê-se muito em pequenos barcos de pesca de boca aberta) de pintar um olho em cada uma das faces da amurada junto à roda de proa. Optei por não pintar.

 

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9 - A porta do leme, o cadaste, parte da quilha, o cintado e o painel de popa.

Nesta época, já deveriam ser bastante raras as caravelas latinas com popa redonda. Embora a data de introdução do painel de popa na construção naval em Portugal não esteja precisamente determinada, foi seguramente antes do final do século XVI. Esta é uma das polémicas interessantes de seguir pois prova que, á luz do conhecimento existente numa determinada época, muitas vezes se fazem afirmações definitivas nessa época que, no futuro, são interpretadas como dogmas e esquecemo-nos que o conhecimento evolui e, muitas vezes, são feitas descobertas arqueológicas, documentais e iconográficas que contrariam esses dogmas. Pô-los em causa não é mais do que rever conceitos e afirmações à luz dos conhecimentos actuais. Não é pôr em causa os seus autores que mais não fizeram do que interpretar as fontes que existiam na altura.

 

 

 Depois do bota-a-baixo

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10 - Já montada como diorama

Pu-la a navegar com vento a quartel por bombordo e mar de carneiradas, para a viagem ser agradável!? Possivelmente a subir a costa de Moçambique a caminho da India!

 

 

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 11 - Como Poseidon vê a caravela

 

 

Bons ventos.

Até à próxima.

 

17.03.15

14 - Barcos Engarrafados 1 - Mini Caravela: Capítulo I - Um projecto falhado e ...


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Caros amigos

 

Uma das secções que está prevista ser incluída neste blogue desde o início da sua publicação é intitulada "Barcos Engarrafados", actividade que sempre me despertou a curiosidade mas que, quanto á técnica usada, sempre julguei não muito precisa, já que enfiar um barco numa garrafa é uma coisa (difícil sem dúvida) mas, para o conseguir, ter de eliminar a maioria dos pormenores e das proporções que lhe dão graça, já não é do meu acordo.

A técnica a que me refiro é a clássica de fazer o barco com os mastros abatidos sobre o casco mas articulados e ligados pelos óvens ao mesmo e, entre si, por fios que possiblitem a sua elevação dentro da garrafa, enfiá-lo pelo gargalo da garrafa, puxar um fio mestre e... já está. Será esta a sequência, o já está é que não é bem assim!

Em 1991 vi no Museu Marítimo de Greenwich uma exposição itinerante de "Ships in Bottles" que me entusiasmou. Procurei em Londres numa livraria da especialidade um livro de iniciação sobre o assunto e encontrei um que tinha sido editado no ano anterior, por coincidência com o mesmo nome da exposição que tinha visto.

 

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 O meu primeiro livro de "engarrafamento de barcos"

 

Quando cheguei a Portugal, idealizei um pequeno estaleiro para a construção dos barcos e tentei montar um "clipper" para uma garrafa. 

Por mais voltas que desse nunca me agradou o ter de fazer concessões aos pormenores e às porporções e por isso o clipper foi terminado (com pormenores), não para entrar dentro de uma garrafa, mas para figurar num diorama. O estaleiro ficou arrumado a um canto, a apanhar pó.

O ano passado tive contacto com outra técnica, essa sim, que me encheu as medidas. Através do Blogue "Mar das Garrafas" pude observar uma técnica que permite chegar a pormenores que não se conseguem reproduzir da maneira clássica.

Em vez de se construír o barco em bloco fora da garrafa e de se enfiar completo pelo gargalo, articulando-o de forma a elevar os mastros puxando um fio, o barco é seccionado e construído em peças fora da garrafa (como que pré-fabricado) e essas secções são montadas "dentro da garrafa". Sem dúvida uma técnica mais difícil e morosa que exige bastante habilidade e a invenção de ferramentas apropriadas, mas o resultado compensa. E é um desafio "desafiante".

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 Um casco de um barco com 11 cm que me serviu de modelo de estudo e, na segunda imagem, o mesmo casco seccionado longitudinalmente em 3 partes
 
 
O número de secções é ilimitado sendo a maior largura de cada uma igual, ou inferior, ao diâmetro interior do gargalo da garrafa.
 
Isto possibilita a construção de modelos com uma largura de boca só limitada pelo diâmetro interno do bojo da garrafa.
 

Mas para ter uma ideia mais real do "como se faz" nada como consultar o blogue "Mar das Garrafas" que referi anteriormente.

Houve uma época da minha vida  em que o tempo era escasso para passatempos mas fui encontrando algumas coisas que ia adquirindo na esperança de que, mais tarde, me pudessem ser úteis (para desespero da minha mulher).

Assim, tenho na minha oficina uma colecção de garrafas que fui juntando ao longo do tempo, entre elas uma que me pareceu especialmente aproprida para construír um barco segundo esta nova técnica (para mim). É uma garrafa ou melhor, um frasco de farmácia que encontrei há uns anos numa feira de velharias e que tinha as medidas perfeitas para lhe meter dentro uma caravela latina de três mastros do século XVI, com um comprimento entre perpendiculares de 13 cm. Numa escala de 1:160, serão aproximadamente 21m.

 

 

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A garrafa/frasco escolhida com 18m/m de diâmetro interno no gargalo, 14cm de diâmetro interno no bojo, 14,5cm de comprimento interno aproveitável no corpo cilindrico e 24 cm de comprimento total externo

 

Garrafa escolhida e, como as grandes viagens começam no primeiro passo mas fazem-se passo a passo, o passo seguinte foi o de fazer a planificação no papel, do barco a construír.

A escala que escolhi de 1:160 (aproximadamente), foi condicionada pelo tamanho da garrafa mas revelou-se bastante boa para a elaboração das pequenas peças em pormenor.

Com base nos planos da caravela latina de três mastros do séc. XV publicados pelo Museu de Marinha, numa série de estudos sobre caravelas, em informações iconográficas e documentais e também na minha leitura/interpretação, elaborei os seguintes 3 desenhos:

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 Desenho I - Plano Geométrico com Plano Horizontal e Plano Longitudinal

 

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 Desenho II - Plano Vélico e Plano de pormenores do convés, do tombadilho e da amarração das vergas

 

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 Desenho III - Plano final (barco engarrafado com peanha de montagem do barco na garrafa em madeira e suporte de exposição da garrafa em acrílico de 3m/m)

 

Não me lembro em que site ou blogue vi um vídeo de alguém a meter um barco numa garrafa em que a garrafa rolava solta na mesa de trabalho, obrigando ao uso de uma mão para segurá-la o que complicava uma situação já de si complicada. E tratava-se do uso da técnica clássica. Pior seria no uso da técnica "pré-fabrico" que exige precisão, principalmente nas colagens. Portanto, o passo seguinte foi a construção de um estaleiro para este tipo de modelismo.

O estaleiro foi construído em aglomerado de 2cm e o seu funcionamento não carece de explicação, com excepção da régua branca que é destacável. Trata-se de uma peça com furos numerados de 1 a 67, (podiam ser menos furos - ou mais - mas por uma questão de simetria e também porque é melhor de mais do que de menos, optei por furar todo o espaço disponível) que servem para classificar, separando e identificando cada um dos diferentes cabos que vão ficando pendentes do gargalo da garrafa durante a fase da montagem e que têm de ser diferenciados. Concerteza que pode ser feito de outra maneira. Também optei por uma sujeição da garrafa feita com fita velcro pois dá para diferentes diâmetros de garrafas.

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Estaleiro de montagem com régua de classificação de cabos 

 

A inexistência de ferramentas específicas adaptadas à forma de trabalhar na montagem dos barcos com esta técnica obriga ao seu fabrico específico. A maioria não é mais do que "extensões" das feramentas comuns. Ferramentas para cortar, para pegar, para puxar, para empurrar, para guiar fios, para colar, etc., uma infinidade que, segundo me dizem, vai aumentando em proporção directa ao número de barcos que engarrafamos. Outras poderão ser inventadas. Uma ferramenta que não está na panóplia que apresento é um simples pedaço de arame de 2m/m, com tamanho suficiente, fácilmente moldável e que muitas vezes substitui a ferramenta mais sofisticada. Os pedaços de madeira cilindrica que se encontram no "frasco de ferramentas"- e que têm 330 m/m X 6 m/m - servem para escorar qualquer tipo de colagem mais teimosa. Tenho a sensação de que falta uma ferramenta específica para aplicação de molas de pressão (do género de alicate de freios)  para as colagens. Logo se verá!

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O "frasco" de ferramentas e o tabuleiro de "cirurgia"

 

Outras coisas são necessárias. Por exemplo, bitolas para a uniformização da construção de algumas peças como, bitolas para a espessura dos moitões e bitolas para a montagem dos moitões nos óvens. Como também bitolas para a manufactura das balustradas do tombadilho. Vamos andando e inventando.

 

 

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Duas bitolas. A de cima para uniformizar a espessura dos moitões para os óvens. A de baixo para alinhar e manter a distância dos moitões na montagem de cada um dos óvens 

 

E restava iniciar a construção das diferentes peças pré-fabricadas.

Todas as secções e pequenas peças foram elaboradas e organizadas de modo a seguirem uma determinada sequência na montagem e foi feito um ensaio dessa mesma sequência fazendo os ajustamentos finais necessários.  

Qualquer erro nesta parte da montagem é difícil de emendar e pode comprometer o projecto. Esta parte não foi documentada passo a passo porque me entusiasmei e me esqueci. Prometo que num próximo engarrafamento irei fazer uma descrição o mais completa possível.

Mas também me esqueci de outra coisa. Não fui ao templo de Poseidon (deus grego do mar, bem conhecido pelos seus caprichos), fazer-lhe uma oferenda para facilitar o meu trabalho.

Ruínas do Templo de Poseidon na Grécia (um pouco como a deusa "austeridade" deixou o país)

 

Poseidon zangou-se e fui castigado.

Depois das peças da caravela estarem todas construídas e arrumadas para serem montadas na garrafa, fui lavá-la com uma infusão de vinagre e detergente, escorregou-me da mão, bateu no tampo da mesa de trabalho e... rachou o gargalo. 

IMG_0419.JPG Bonito serviço!..

A garrafa ficou sem utilidade. Ainda a mantenho por uma razão de prova do crime. O problema é que o barco estava totalmente feito (não montado) e tinha sido idealizado em função das medidas daquela garrafa. Tinha que arranjar uma igual. Mas não encontrei garrafas destas em Portugal ou na Espanha. Há no Brasil. Que lhes faça bom proveito!

Tentei junto de artesãos do vidro e o único que me respondeu pediu-me €150,00 para fazer uma manualmente ou €100,00 com molde. O molde custava €300,00. A garrafa deve-me ter custado no máximo €5,00. Proibitivo! Nada tenho contra os artesãos, antes pelo contrário. Eu também sou. Mas acho que é um pouco explorar o parceiro!

E agora? Que fazer?

 

Continua no próximo capítulo!

 

Um abraço e

Bons Ventos

 

 

 

 

 

 

15.03.15

13 - Folios em Relevo 1 - "Livro de Traças de Carpintaria - Fólio 77"


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Caros amigos

 

Documentação Técnica Portuguesa de Arquitetura Naval

Uma das áreas que merece ser estudada por quem se dedica a estas coisas do modelismo naval, mais concretamente ao modelismo de arsenal em ligação com a arqueologia naval, é a documentação técnica (fontes documentais) existente para os séculos XVI e XVII onde se podem colher informações importantes para a construção dos modelos, já que as fontes arqueológicas são escassas e as fontes iconográficas são bastante imprecisas e enganosas incluíndo algumas que se encontram em museus, salvo algumas exceções.

Esta documentação está dispersa em várias publicações e, embora a documentação portuguesa seja primordial, há também que ter em conta toda a outra documentação publicada noutros países, como por exemplo a publicada em Espanha  já que teve necessariamente bastante influência, principalmente no período da ocupação de Portugal pelos espanhóis. Mas não só neste período. Por vezes, por excesso de patriotismo, achamos que só nós contribuímos para a evolução da construção naval.

Vamos referir aqui 3 autores e as respetivas obras essenciais nas fontes documentais manuscritas e impressas portuguesas:

- de Fernando Oliveira a 1-“Arte da Guerra do Mar” (1555), a 2-“Ars Nautica” (1570?) e o 3-“Livro da Fábrica das Naos” (1580);

- de João Baptista Lavanha o 4-“Livro Primeiro de Architectura Naval” (1610) - este autor possui uma vasta obra náutica que abrange mais 14 títulos que vão desde técnicas de navegação a roteiros, passando por instruções técnicas para o uso de instrumentos de navegação e relato de naufrágios;

- de Manuel Fernandes o -Livro de Traças de Carpintaria” (1616).

Todas estas obras são do domínio público e as que possuo foram editadas por:

1- Edições 70 – 2008. Com estudo introdutório pelo Contra-almirante António Silva Ribeiro, cópia da obra em letra de imprensa normal (mais legível) e fac-simile da edição original de 1555;

2- A obra “Ars Nautica” não se encontra editada. Segundo Filipe Vieira de Castro[1], que tem procurado editar todas as obras essenciais para o estudo da construção naval, não foi possível até agora, obter autorização por parte da Leiden University Library da Holanda (onde se encontra o original) para a edição da mesma. Esta obra é considerada enciclopédica e aborda principalmente a cartografia e a náutica. Embora seja em latim necessitando assim de tradução para a maioria, é uma pena ainda não ter sido editada pois contem informação importante;

3- Academia de Marinha – 1991. Edição bilingue (Português/Inglês), com nota de apresentação pelo Presidente da Academia de Marinha, Rogério S. G. d’Oliveira, nota biográfica e bibliográfica do Professor Doutor F. Contente Domingues e R. A. Barker, descrição codicológica por Teresa A. S. Duarte Ferreira, texto do Livro da Fábrica das Naus em letra de imprensa e fac-simile do manuscrito original;

4-Academia de Marinha – 1996. Edição bilingue (Português/Inglês), com nota de apresentação pelo Presidente da Academia de Marinha, Rogério S. G. d’Oliveira, nota biográfica do Professor Doutor F. Contente Domingues e comentários de R. A. Barker, transcrição do texto por João da Gama Pimentel Barata revisto à luz dos novos critérios po Susana Münch Miranda, estudo do texto do Livro Primeiro da Architectura Naval por João da Gama Pimentel Barata e fac-simile do manuscrito original.

5-Academia de Marinha – 1995. Edição bilingue (Português/Inglês), com introdução pelo Contra-almirante António Silva Ribeiro (inclui a nota de apresentação da edição fac-similada de 1989 do original manuscrito), transcrição do manuscrito em letra de imprensa segundo leitura de Eugénio Estalinau de Barros e Manuel Leitão e índice dos desenhos dos modelos existentes na segunda secção do manuscrito.

Ainda para o mesmo livro, da Academia de Marinha – 1989. Fac-simile do original do” Livro de Traças de Carpintaria” que se encontra na Biblioteca da Ajuda e conta com uma parte descritiva que vai desde a “Nao de quatro cubertas” (fol. 1) até ao “Esquife de nove goas” (fol. 60), seguindo-se uma parte desenhada, profusamente ilustrada e colorida, que vai desde a “Caverna mestra” (fol. 71) até á “Falua acabada” (fol. 137)

 [1] O professor e investigador Filipe Vieira de Castro é o Director do Ship Reconstruction Laboratory (ShipLAB)  do Centre for Maritime Archaeology and Conservation of the Anthropology Department at Texas A&M University e responsável por, entre outros cursos, os seguintes: ANTH614 – Books and Treatises on Shipbuilding e ANTH616 – Research and Reconstruction of Wooden Ships. Tem sido uma referência para mim.

 

O “Livro de Traças de Carpintaria”

 

O Autor

 

Manuel Fernandes diz-se oficial “carpinteiro naval” no texto que está subjacente ao seu retrato no frontispício da sua obra:

“Livro de traças de Carpintaria com todos os Modelos e medidas para se fazerem toda a navegação, assi d’alto bordo como de remo, traçado por Manoel Frz oficial do mesmo ofício”

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Muito pouco se sabe da sua biografia. Ou melhor, sabe-se alguma coisa mas sem ser possível fazer a confirmação dos dados pois a existência de outro "Manuel Fernandes" contemporâneo, com funções equivalentes, lança um pouco de confusão nesses dados.

Salvaguardando outros dados biográficos que entretanto possam vir a ser identificados como verdadeiros e seguindo o que foi escrito por Francisco Contente Domingues (F.C.D.) no Capítulo IV do seu livro "Os Navios do Mar Oceano - Teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII" editado em 2004 pelo Centro de História da Universidade de Lisboa em Maio de 2004,(pode-se descarregar um cópia na internet) o que se sabe é o seguinte:

Seria natural de Vila do Conde [2] (nascimento em finais do século XVI). Vivia em Lisboa casado com Maria André, era Mestre de Carpintaria, possívelmente na Ribeira de Lisboa. Foi nomeado Mestre da Ribeira de Goa? lugar que nunca chegou a ocupar. O resto... não se sabe!

[2] Tradicionalmente um centro ligado à construção naval (e também à manufactura dos panos para as velas, o famoso "pano de treu" também conhecido por pano de Vila de Conde - mas que também foi produzido em Barcelos, Porto, Maia e Azurara da Beira).

 

O Livro

O livro é um enorme calhamaço (por volta de 140 fólios de 48 X 38 cm) muito pouco manuseável, o que logo pressuõe que não se destinava aos carpinteiros da Ribeira. Foi descoberto na biblioteca do Palácio da Ajuda nos finais do século XIX. Como é que veio ali parar e quem era o seu dono... é uma incógnita. Apesar de todas as interrogações e incertezas que rodeiam o "Livro de Traças" e o seu autor, o livro é de enorme relevância.

Divide-se em duas secções:

- Uma primeira secção em texto (manuscrito em caligrafia do século XVII, bastante legível) onde se descrevem do fólio 1 ao 60, diferentes regimentos (38) de embarcações de alto bordo e de remos bem como de alguns apetrechos usados na construção naval. Segundo F.C.D., (obra referida anteriormente), pode concluír-se que esta parte está completa e foi elaborada com extremo cuidado.

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Fólio 1 do "Livro de Traças de Carpintaria" - Nao de quatro cubertas (texto)

Já o mesmo não pode ser dito da segunda secção composta por um conjunto de desenhos técnicos (266) em 87 pranchas desenhadas maioritáriamente a cores e com escala (petipé) a 3 cores.

No entanto, citando F.C.D.:

"Imprecisões, desenhos por acabar, esquadrias diferentes por vezes de fólio para fólio: o contraste é muito visível entre toda a primeira parte (da secção), que trata dos modelos dos navios redondos, e a parte final (navios de remos)...

Não temos qualquer dúvida em afirmar que o Livro de Traças de Carpintaria é uma obra inacabada."

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 Fólio 113 do "Livro de Traças de Carpintaria" - Patacho de guerra estrangeiro (pranchas)

 Por último, à pergunta "porquê e para quem foi escrito o Livro de Traças" a resposta é: não há certezas.

A hipótese mais plausível é a posta por F.C.D. :"Preparado por encomenda de algum alto dignatário, por exemplo o representante de uma grande casa senhorial, que quisesse ter na sua biblioteca testemunho do que era então o state-of-the-art da construção naval portuguesa, e não faltam casos exemplificativos deste tipo de curiosidade pelas matérias navais da época".

 

O meu Fólio 77

Deixando de parte todas as anteriores questões para serem resolvidas pelos académicos e apesar delas, quando tomei contacto com o "Livro de traças", fiquei deveras agradecido pela sua existência pois reune um conjunto de regimentos e desenhos técnicos que fazem luz sobre alguns aspectos da construção naval da época.

Particularmente pela existência de dois desenhos técnicos sobre a caravela do século XVI ou de data anterior, que penso, salvo futuras descobertas, são os únicos existentes. 

Assim procurei reproduzir em quadro, um dos fólios da "nao de quatro cobertas", concretamente o fólio 77 que é o modelo da popa da dita nau.

 

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Fólio 77 do "Livro de Traças de Carpintaria" original - Modelo da popa da nao de quatro cubertas (pranchas)

 

O quadro foi executado representando a estrutura apresentada em peças a 3 dimensões em MDF, envernizadas a mate, totalmente feitas à mão e em escala proporcional ao desenho original. O quadro é totalmente pintado à mão sobre papel Canson e as legendas dos seus vários componentes foram desenhados com letra da época, o mais igual possível ao desenho original. Está emoldurado em madeira de pinho envernizada com verniz mate e tem aposto na retaguarda um auto colante com informações sobre a estrutura representada. O quadro tem 53 X 43 cm.

O resultado é o que apresento a seguir.

 Fólio 77 - A minha execução

 

 

Está á venda por €60,00. Quem estiver interessado, nesta ou noutras obras feitas por mim, é so contactar-me para 

mareartenautilus@gmail.com

 

Até à próxima e bons ventos.

10.03.15

12 - Rosas-dos-Ventos na Cartografia Antiga Portuguesa 4 - Portulanos 1 e 2


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 Caros amigos

 Num dos postes anteriores abordei pela rama o conceito de portulano em cartografia (Post nº 7 - Rosas-dos-Ventos na Cartografia Antiga Portuguesa 3 - 16/04/2014).

 

 Embora a evolução das cartas marítimas que serviram para a navegação desde a antiguidade não esteja suficientemente documentada, vou tentar aprofundar um pouco essa evolução desde c. 1296 (cartas Portulano), passando pelo aparecimento da carta Mercator em 1569, até aos nossos dias.

 

Portulano
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 Carta Pisano

                 

Os primeiros ''portulanos'' foram confeccionados nas cidades de Gênova e Pisa, sendo o exemplar mais antigo que se conhece datado de 1296. Angelo Dulcert Portolano, em 1300, aperfeiçoou as linhas loxodrómicas, dando o seu sobrenome a este tipo de representação.
 
Outros estudiosos, entretanto, sustentam que o termo "portulano'’ foi utilizado pela primeira vez em 1285, com o sentido de ''descrição dos portos marítimos e das costas'’ ou seja, um tipo de roteiro das costas que hoje usamos para a navegação costeira através das conhecenças.
 
As linhas loxodrómicas são linhas rectas que representam "rumos" que ligam diferentes pontos numa carta. Para uma melhor compreensão do que são "linhas loxodrómicas" e da sua história ligada a Portugal, ver o excelente artigo de Nuno Crato que pode ser encontrado em  - http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/e6.html - (porque é que ele não se ficou só pela Matemática?).
 
Estas cartas eram usadas para uma navegação não muito longe da costa (Mediterrâneo por exemplo) através do carteamento com o "ponto de fantasia" que consistia no traçado de um ponto em determinado rumo (bússola) através da estimativa da distância percorrida o que, como se percebe bem, dava azo a alguns erros de posicionamento, principalmente quando sem referências de terra.
 
Os portugueses também se destacaram na produção de portulanos, especialmente no período do Infante D. Henrique e da lendária "Escola de Sagres".
 
A partir do século XVI o termo ‘'portulano'' difundiu-se e começou a ser aplicado a qualquer colecção de instruções náuticas, assim como aos mapas que as acompanhavam. A partir do século XIX o termo passou a designar, de forma genérica, as cartas marítimas produzidas até aos fins do século XVI.

Estima-se que restem atualmente um pouco mais de uma centena de exemplares desses primitivos mapas.
 

 Carta de Latitudes

 A partir da segunda metade do século XV (navegações atlânticas) foram introduzidos na navegação métodos astronómicos (medição da altura da Estrela Polar e do Sol) o que permitiu a determinação da latitude e assim deu lugar ao uso  do "ponto de esquadria", possibilitando a execução de cartas mais precisas a que podemos chamar "cartas de latitude". As cartas de latitude conjugam as linhas loxodrómicas com escalas de latitude.

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 Jorge Reinel - 1540

 

Projecção Mercator

Em 1569 Gerardus Mercator, cartógrafo belga revolucionou a cartografia ao representar o globo terrestre num rectângulo plano, através da chamada “Projeção de Mercator” que permite a representação da Terra, uma superfície curva, numa superfície plana com um mínimo de distorção nos pólos.

Esta projecção utiliza 24 linhas verticais (os meridianos) e 12 linhas horizontais (os paralelos) que aumentam a distância entre elas conforme se vão aproximando dos pólos o que permite o traçado de rotas através de "curvas-traçado" (loxodrómicas) bastante mais eficientes.

 

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 Projecção Mercator

 

Os nossos dias

Todos nós sabemos que a localização de um ponto sobre a superfície da terra é dada por três coordenadas: a latitude, a longitude e a altitude - no caso da navegação marítima a altitude é sempre a mesma: 0 metros..

A latitude é calculada por navegação astronómica, mas a longitude é calculada (grosso modo) pela diferença horária entre o meridiano de lugar e o meridiano de referência o que pode ser feito com o recurso a dois cronógrafos - um com a hora do meridiano de referência e outro com a hora do meridiano do lugar.

Esta diferença horária é depois transformada em diferença em graus (24 horas correspondem a 360º).

A medição do tempo no mar alto era um problema devido à pouca (ou nenhuma) fiabilidafe dos instrumentos utilizados.

John Harrison, um relojoeiro inglês desenvolveu em 1695 um cronógrafo marítimo (após várias tentativas) que tinha um desvio de um terço de segundo por dia, o que lhe dava um boa fiabilidade.

Actualmente o GPS (Sistema de Posicionamento Global) é universalmente usado consistindo num conjunto de satélites artificias que enviam sinais para um receptor que, por triangulação, determina a posição exacta em que se encontra- com uma margem de erro de poucos metros (<5 metros).

 

   

GPS Naval.jpg

 GPS Náutico

 

 Os meus Portulanos

 Diogo Homem desenhou 3 Atlas, qual deles o mais maravilhoso, a saber:

 

"Atlas Náutico do Mar Mediterrâneo, do Mar Negro e do Nordeste do Oceano Atlântico" - 1559;

"Atlas do Mar Mediterrâneo, do Mar Negro e do Nordeste do Oceano Atlântico" - 1574;

"Portulano executado em Veneza" - 1572*

 

Deste último, elaborei seis Rosas-dos-Ventos das estampas 1, 2 e 6 bem como o mapa de Portugal da estampa 2 e montei dois portulanos que apresento em seguida. A forma dos portulanos pretende imitar a da pele de cabra curtida (pergaminho) que era usada a bordo para a elaboração do desenho das costas que se iam avistando.

 

 

 

 

 Portulano 1 

Rosas dos Ventos de Diogo Homem 

Portulano executado em Veneza em 1572

F6

 

 

 

 

 

Portulano 2

Rosas dos Ventos de Diogo Homem 

Portulano executado em Veneza em 1572

F1 e F2

Os quadros são em formato 42 X 30 cm e as Rosas-dos-Ventos são pintadas sobre papel pergaminho. São vendidos a €40,00 sem moldura.

 

* Seguindo o critério de classificação das cartas de marear apresentado anteriormente, este Atlas é composto de "cartas de latitude" e não de "portulanos"